quarta-feira, 2 de agosto de 2017

SERTÃO DESMANTELADO


QUASE TRÊS DÉCADAS PASSADAS
SEM LUIZ E ALGODÃO

“Bate a enxada no chão
Limpa o pé de algodão
Pois pra vencer a batalha
Precisa ser forte, robusto
E nascer no sertão...”
(Algodão – Luiz Gonzaga | Zédantas)

Luiz Gonzaga do Nascimento, o Gonzagão, foi o primeiro compositor nordestino a fazer sucesso no eixo Rio-São Paulo com os ritmos da nossa Região. O Rei do Baião morreu há 28 anos, no dia 2/8/1989, aos 76 anos. O músico, que se dizia não apenas o inventor do baião, mas também do forró, das marchinhas juninas e "de tudo que se chama arrasta-pé", foi descoberto no final dos anos 1930 no programa de Ari Barroso. Ao fazer parceria com o cearense Humberto Teixeira, a partir de 1946, Luiz Gonzaga começou a emplacar uma série de sucessos imortais, dentre os quais destacam-se Baião, Asa Branca, Assum Preto, Estrada do Canindé, Mangaratiba, dentre outros. A “trindade” do baião completou-se com o médico pernambucano José de Sousa Dantas, o inesquecível Zédantas, criador de A volta da asa branca, Paulo Afonso, Sabiá e Algodão, uma das mais belas canções sobre o sertanejo nordestino.
Hoje vamos relembrar os 28 anos da partida de Gonzagão com essa crônica que escrevi na noite de ontem, falando sobre o OURO BRANCO, praticamente extinto em nossa região.
Afetado pela praga do “bicudo”, na década de 1980, o algodão, que constituía a maior riqueza de nossa agricultura foi aos poucos desaparecendo. Como sertanejo, nascido e criado nos cafundós do Ceará, acostumado a ver minha família no cultivo e manejo dessa lavoura, é impossível não se comover diante de um pé carregado de plumas branquinhas, sob o azul marinho de um céu de “verão”. Passemos à crônica:





FLOCOS DE ALGODÃO DOCE


João Miguel subiu na cisterna, posou para foto, estirou o dedinho e perguntou:
- Pai, que planta bonita é aquela?
- É algodão, meu filho. Ouro branco que fazia o nosso povo feliz...
- Algodão doce?
- Não... Algodão de fibra, para fazer roupas, meias..
- Ah, sim. É o algodão do Luiz Gonzaga?!
(O menino gosta do Gonzagão, pois estou sempre escutando suas canções. E Algodão é uma das minhas preferidas).
Durante esse fim de semana, vimos diversos pés de algodão, mocó e verdão, carregados de plumas branquinhas nas margens da BR 020 e também da estreita rodovia que liga Macaóca a Itatira.
Por conta disso, eu quis lembrar dos meus tempos de menino, quando passava férias escolares no Ouro Preto e ganhava uns trocados apanhando algodão nas capoeiras de meu avô. Às vezes vovô Mané Lima me dava uma "cata" para apanhar de meia e isso me rendia um bom numerário.
A falta de um bornal, peguei um balde de plástico, desses de 20 litros, e resolvi apanhar o algodão. Um formigueiro assanhado quase me devora os pés, mas eu não esmoreci. Apanhei uns três quilos ou mais, na intenção de aproveitar os caroços para uma planta futura. A pluma serve perfeitamente para fazer uns pavios de lamparina. O comentário pode parecer obsoleto e descabido, mas na minha recente estadia no sertão, tivemos um apagão de mais de duas horas e foi justamente um velho candeeiro que nos garantiu a luz até o retorno da energia elétrica.


Estava eu entretido nessa faina, quando dois "sertanejos" passaram numa moto e eu me fiz de desentendido. Olhei para os cabras e perguntei:
- Vocês sabem me dizer que planta é essa?
Um deles, de brinco na orelha, boné atolado na cabeça e camiseta do Aviões do Forró coçou a cabeça e disse...
- É... Eu acho que isso aí é COTTON.
- Cotton?
- É cotton, que antigamente a galera chamava de algodão, tá ligado?
- Ah, está bem. E por que vocês não apanham esse algodão?
Os caras se entreolharam, aceleraram a moto e saíram sorrindo.
Pensei com meus botões...

- Acho que não apanham o COTTON com medo que caiam as HANDS.


(De O LIVRO DAS CRÔNICAS - Arievaldo Vianna)



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