quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

SELO PREMIADO

Quadra-de-selos_Lendas-do-Folclore-Brasileiro_Curupira_Boto_Mãe-do-ouro_Mula-sem-cabeça-(1)
 

Em 2011, meu parceiro JÔ OLIVEIRA lançou quatro selos sobre o folclore brasileiro e pediu-me para fazer um livreto de cordel contando a história de cada um dos mitos enfocados nos selos. Estes selos acabam de ganhar o prêmio de melhor selo de 2011, concedido pelos CORREIOS. O livreto LENDAS BRASILEIRAS EM CORDEL, onde narro em cordel as lendas da MÃE DO OURO, CURUPIRA, BOTO COR-DE-ROSA e A MULA SEM CABEÇA. O trabalho foi feito por encomenda dos CORREIOS que lançou quatro selos de Jô Oliveira referentes à essas lendas do povo brasileiro. A seguir, trechos da LENDA DO CURUPIRA:


A LENDA DO CURUPIRA EM CORDEL

Autor: Arievaldo Viana – Desenhos: Jô Oliveira

 
1 - A poesia é um dom
Que a musa divina inspira
É a pepita que ofusca
O cascalho da mentira
Peço ajuda ao universo
Para narrar, no meu verso,
A lenda do Curupira.

 
2 - Tem os cabelos vermelhos
Dentes de rara beleza
Verdes como a esmeralda
Luz de vagalume acesa
Não gosta de caçador
É o gênio protetor
Das coisas da Natureza.


3 - Diz a lenda que um índio
Um dia, por distração,
Adormeceu na floresta
E acordou de supetão
Na sua frente sorria
O Curupira e queria
Comer o seu coração.


4 - O caçador já matara
Ali alguns animais
Então concebeu um plano
Astucioso e sagaz
Um coração lhe arranjou
O Curupira provou
E sorriu, pedindo mais.


5 - Um coração de macaco
O caçador lhe entregou
O Curupira comeu
O coração e gostou,
O caçador respondeu:
- Agora me dê o seu;
Que o meu você devorou...


6 - O Curupira inocente
Agiu com todo respeito
Pediu a faca do índio
E cravou no próprio peito
Depois ficou estirado
E o caçador assombrado
Saiu depressa, sem jeito.


7 - Por muito tempo o tal índio
Não queria mais caçar
Por mais que os seus amigos
Viessem lhe convidar
Ele inventava desculpa
No peito trazia a culpa
Medo, tristeza e pesar.


8 - A filha do caçador
Pediu a ele um colar
O índio, pai devotado,
Resolveu ir procurar
Os dentes do Curupira
Brilhantes como safira
Para a filhinha enfeitar.

 
9 - Achou o crânio do gênio
E ali mesmo procurou
Bater com ele na pedra
Mas logo que o tocou
De uma maneira funesta
O espírito da floresta
Depressa ressuscitou.

 
10 - O Curupira entendeu
Que ele fosse o responsável
Por sua ressurreição
E de modo muito amável
Deu-lhe um arco pra caçada
E uma flecha encantada
De valor inestimável.
(...)
 
 
Os personagens foram dispostos pelo artista Jô Oliveira, que utilizou a técnica de desenho em quatro selos, formando uma quadra. No canto superior esquerdo, a imagem do Curupira montado num porco do mato, assustando um possível agente do desmatamento, representado por um homem e uma serra elétrica que derruba a árvore. No canto superior direito, a Mãe-do-Ouro emerge das águas com uma bola de fogo nas mãos, sintetizando a inspiração para um garimpeiro. No canto inferior esquerdo, as figuras do Boto e de uma jovem gestante, alude à lenda da sedução de mulheres por um homem desconhecido. No canto inferior direito, a Mula-sem-cabeça, que teria sido uma mulher, amante de um padre, este representado dentro da imagem de uma igreja.
 
Como imagem de fundo, a natureza, onde predomina o verde simbolizando a mata com muitas plantas, frutos e animais; o rio isola os personagens como uma ilha de difícil acesso, reportando ao imaginário. A quadra de selos também está disposta em uma minifolha, que divulga, no canto superior direito, a logomarca da Exposição Filatélica Brasileira – BRAPEX 2011, que acontece no período de 3 a 9 de outubro no Centro Cultural dos Correios, em Recife (PE).
 
Foram impressas 50 mil minifolhas, com valor facial de R$ 1,10 cada selo (R$ 4,40 a minifolha). Já os selos, a tiragem é de 300 mil unidades (75 mil quadras). Cada selo custa R$ 0,75 (1º Porte Carta Não Comercial). As peças filatélicas podem ser adquiridas nas agências e na loja virtual dos Correios (www.correios.com.br/correiosonline).
O selo personalizado é composto por duas partes: na primeira, a bandeira nacional tremulando ao vento compõe o plano secundário e emoldura o mapa do Brasil, preenchido pelas flores do ipê amarelo – árvore-símbolo nacional. Na segunda parte, o selo estampa o brasão tradicional dos festivais, criado pelo idealizador Prof. José Sant’anna. Em destaque, a descrição: 47º Festival do Folclore – Olímpia-SP, abaixo os dizeres: A cultura popular brasileira se encontra em Olímpia – de 23 a 31 de julho de 2011, em alusão ao período do festival. Completa o conjunto visual a logo da atual administração de Olímpia.
 
Minifolha-de-selos_Lendas-do-Folclore-Brasileiro_Curupira_Boto_Mãe-do-ouro_Mula-sem-cabeça-(1)

HISTÓRICO
Como são os mitos no seu imaginário?
Os selos desta emissão, cumprindo seu papel cultural, divulgam e registram mitos do folclore brasileiro, que povoaram e povoam o imaginário de avós, pais, filhos e netos. São valores e crenças populares, que sobrevivem de geração em geração. Não se sabe como surgiram e, menos ainda, quando terão fim, se é que terão….
Podemos entender os mitos como narrativas abertas, atualizadas em diferentes contextos e histórias. Em vista da forma de transmissão de conhecimento marcadamente oral, os mitos apresentam variantes, pois, as narrativas instituídas pelas comunidades refletem, também, formas diferenciadas de percepção do mundo e de relações interpessoais.
Esta série traz uma representação visual de quatro mitos que circulam entre comunidades narrativas de vários rincões e cidades brasileiras. Os selos apresentam uma das várias formas de representação: a mais conhecida e circulada na cultura nacional.
Curupira, Mãe-do-ouro, Boto e Mula-sem-cabeça, conhecidos de norte a sul do País, embora não deixem de apresentar uma espacialidade recorrente, às vezes, como o caso do Boto, são bastante específicas. Por exemplo, o Curupira é o mito das matas; o Boto, das águas amazônicas; a Mula-sem-cabeça, das pequenas cidades; a Mãe-do-ouro, de ordem mais temporal que espacial, diz respeito a lugares marcados pela cultura do garimpo ou pelo passado do ciclo de ouro.
Curupira
É responsável por assustar pessoas nas matas e até pelo desaparecimento de algumas crianças. Seus registros remontam à nossa era colonial. José de Anchieta, catequista, o referencia, juntamente como o Boitatá, em uma de suas crônicas no século XVI como um dos demônios que assolam os índios e, por tal razão, utilizado como argumento para o processo catequizador brasileiro. Sérgio Buarque de Holanda, historiador, referencia-o, observando que se tratava de uma estratégia de resistência dos índios à escravidão, que buscavam despistar os portugueses nas matas com pegadas ao contrário. Mito alomórfico, é considerado um dos pais do mato, podendo ser representado como um monstro peludo de cabelos vermelhos e pés invertidos, montado num porco do mato (como representado no selo), ou um anão loiro com uma bengalinha de ouro, ou um espírito invisível com gritos assustadores ou, ainda, como uma índia ou índio velhos. Esta última versão está, também, presente no imaginário popular no Paraguai. As histórias sobre o Curupira destacam os cuidados que o homem deve ter ao adentrar nas matas, precavendo-se do contato com o novo, que pode ser perigoso. Suas versões se assemelham a de outros mitos da mata como o Pomberinho, o Saci e o pantaneiro Mãozão.
Mãe-do-ouro
A Mãe-do-ouro apresenta-se como uma narrativa sobre aquilo que o mundo oferece ao homem e de sua ambição desmedida ou falta de coragem, que faz pôr tudo a perder. A versão mais comum é a de uma bola de fogo vinda do céu, que vai revelar onde se encontra uma jazida. A Mãe-do-ouro, também, aparece na forma de uma mulher, ora com os cabelos de fogo, ora sem cabeça, protetora das minas, cujas orientações devem ser seguidas à risca. O mito, não raramente, funde-se às narrativas de enterro ou botijas, como são conhecidas no Nordeste, verdadeiros tesouros enterrados, que são revelados por sonhos, luzes ou espíritos para alguém de muita coragem. Interessante notar que ouro vem do latim aurum, que significa “brilhante”. Este mito reúne simbologias que são transpostas para o homem. Assim, a pureza do metal se reflete nos puros que conseguem retirá-lo da mina e a cobiça da humanidade em possuí-lo, faz com que ele se desvie dos ambiciosos.
Boto
É uma narrativa sobre mulheres que se deixam seduzir por homens desconhecidos e acabam se tornando mães solteiras ou tendo o destino trágico de acabarem mortas no fundo do rio. Mas, como todos os mitos, este também apresenta outras versões. Atribui-se à existência do boto rosa e do preto a manifestação maligna do primeiro e a benigna do segundo. As histórias sobre o boto rosa, no geral, narram que, nos dias de festas juninas, ele se transforma num rapaz bonito, vestido de branco e de chapéu (para esconder a narina em cima de sua cabeça), que, por meio de sua dança irá fazer mal às mulheres. O boto preto é bom, pois ajuda a salvar as pessoas dos afogamentos. As narrativas do Boto alertam para os perigos da sedução, e podem se constituir num discurso eficaz contra o estranho, para grupos ribeirinhos afastados. Num outro polo, cabe observar que há versões com a estrutura narrativa semelhante à do Boto, só que de sedução masculina, tais como as Iaras, espécies de sereias que vão encantar os homens, afogando-os.
Mula-sem-cabeça
A Mula-sem-cabeça é uma história sobre a amante do padre que é amaldiçoada ’65 se transforma num equino (pode ser burro, cavalo ou mesmo uma mula, derivada do cruzamento entre égua e o asno ou jumento), pelo qual saem labaredas pelas narinas ou boca. Nesse sentido, as variantes mais comuns encontram-se na representação do animal, para o qual muitos acreditam ter um jato de fogo saindo da cabeça. Outras variantes tratam da forma de desencantamento do animal: que deve ser sangrado ou ser retirada a ferradura de sua boca. As narrativas da Mula-sem-cabeça atravessam a América Latina e há registros dela na península Ibérica . Seu sentido mais evidente é o de respeito ao celibato, mas também, alinha-se aos mitos de transmutação, como o do Homem-Onça, do já assinalado Boto e, principalmente, do Lobisomem, entre outros.
Os quatro mitos são, em síntese, uma representação dos quatro elementos: terra, fogo, água e ar. Como já afirmava Walter Benjamin, filósofo: “contar histórias é a arte de saber seguir contando”.

domingo, 13 de janeiro de 2013

OBRA PRIMA DE SILVINO PIRAUÁ DE LIMA


Folheteiro - ilustração de Jô Oliveira


SILVINO PIRAUÁ DE LIMA - Nasceu em 1848 no município de Patos, Paraíba. Na seca de 1898 emigrou para o Recife, onde fixou residência. Cantador, glosador e poeta popular, discípulo do famoso repentista Romano do Teixeira. Alguns pesquisadores insistem em afirmar que Pirauá foi o iniciador do romance em versos, embora não haja nenhum folheto antigo, anterior aos de Leandro e Chagas Batista, que comprove essa informação. Percorria todo o Nordeste em companhia dos cantadores José Galdino da Silva Duda, Antonio Batista Guedes e Josué Romano, cantando improvisos nas feiras e nas festas. Pobre como a maioria dos cantadores, quando sua esposa faleceu, Silvino, não tendo dinheiro, foi cantar para ganhar o necessário para fazer o enterro. Escreveu e publicou, entre muitas outras, as histórias Desafio de Zé Duda com Silvino Pirauá; Descrição da Paraíba; Descrição do Amazonas; História de Crispim e Raimundo; História do Capitão do Navio; As três moças que quiseram casar com um só moço; A Vingança do sultão. Morreu de varíola, quando estava cantando na cidade de Bezerros, em Pernambuco, em 1913.

Autor:  Silvino Pirauá de Lima

E Tudo Vem a Ser Nada

Tanta riqueza inserida
Por tanta gente orgulhosa,
Se julgando poderosa
No curto espaço da vida;
Oh! que idéia perdida.
Oh! que mente tão errada,

Dessa gente que enlevada

Nessa fingida grandeza
Junta montões de riqueza,
E tudo vem a ser nada.
Vemos um rico pomposo
Afetando gravidade,
Ali só reina bondade,
Nesse mortal orgulhoso,
Quer se fazer caprichoso,
Vive até de venta inchada,
Sua cara empantufada,
Só apresenta denodos
Tem esses inchaços todos
E tudo vem a ser nada.
Trabalha o homem, peleja
Mesmo a ponto de morrer,
É somente para ter,
Que ele tanto moureja,
As vezes chove e troveja

E ele nessa enredada

À lama, ao sol, ao chuveiro,
Ajuntam tanto dinheiro,
E tudo vem a ser nada.
 
Temos palácios pomposos
Dos grandes imperadores,
Ministros e senadores,
E mais vultos majestosos;
Temos papas virtuosos
De uma vida regrada,
Temos também a espada
De soberbos generais,
Comandantes, Marechais,
E tudo vem a ser nada.
Honra, grandezas, brasões;
Entusiasmos, bondades;
São completas vaidades
São perfeitas ilusões,
Argumentos, discussões;
Algazarra, palavrada,
Sinagoga, caçoada,
Murmúrios, tricas, censura,
Muito tem a criatura,
E tudo vem a ser nada.
Vai tudo numa carreira
Envelhece a mocidade,
A avareza e a vaidade
É quer queira ou não queira;
Tudo se torna em poeira,
Cá nesta vida cansada
É uma lei promulgada
Que vem pela mão Divina,
O dever assim destina
E tudo vem a ser nada.
Formosuras e ilusões,
Passatempos e prazeres;
Mandatos, altos poderes;
De distintos figurões,
Cantilenas de salões;
E festa engalanada,
Virgem donzela enfeitada
No gozo de namorar,
Mancebos a flautear,
E tudo vem a ser nada.
Lascivas, depravações
Na imoral petulância,
São enlevos da infância,
São infames Corrupções;
São fingidas seduções
Que faz a dama enfeitada
Influi-se a rapaziada
Velhos também de permeio
E vivem nesse paleio,
E tudo vem a ser nada.
Bailes, teatros, festins,
Comadre, drama, assembléia,
Clube, liceu, epopéia;
Todos aguardam seus fins,
Flores, relvas e jardins,
Festas com grande zoada,
Outeiro e Campinada
Frondam, copam e florescem,
Brilham, luzem, resplandecem
E tudo vem a ser nada.
 
O homem se julga honrado,
Repleto de garantia,
De brasões e fidalguia
É ele considerado,
Mas, quanto está enganado
Nesta ilusória pousada
Cá nesta breve morada.
Não vemos nada imortal
Temos um ponto final;
E tudo vem a ser nada.
Tudo quanto se divisa
Neste cruento torrão,
As árvores, a criação,
Tudo em fim se finaliza,
Até mesmo a própria brisa,
Soprando a terra escarpada,
Com força descompassada
Se transformando em tufão,
Deita pau rola no chão,
E tudo vem a ser nada.
Infindo só temos Deus,
Senhor de toda a grandeza,
Dos céus e da natureza,
De todos os mundos seus.
Do Brasil, dos Europeus,
Da terra toda englobada
Até mesmo da manada
Que vemos no arrebol:
Nuvem, lua, estrela e sol,
Tudo mais vem a ser nada.

FIM