quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

JOÃO BRÍGIDO DOS SANTOS

UM PALADINO DA IMPRENSA CEARENSE




João Brígido dos Santos (1829 – 1921), jornalista, cronista, historiador e político, nasceu no dia 3 de dezembro de 1829 na Vila de São João da Barra, na época pertencente a Província do Espírito Santo, depois Estado do Rio. Sua família migrou em 1831 com destino ao Ceará onde estabeleceu- se na cidade de Icó. João Brígido tomou suas primeiras aulas em Quixeramobim, quando conheceu o garoto Antônio Vicente Mendes Maciel, futuro líder messiânico trucidado por forças do Governo Federal nos confins da Bahia no triste episódio de Canudos. Consta que um dia, João Brígido salvou o petiz Antônio Vicente de um afogamento num rio em Quixeramobim.
Em 1855 João Brígido funda na cidade de Crato o jornal “ O Araripe “ dando início a uma longa trajetória triunfante na Imprensa do Ceará. Na época, com o pseudônimo de “ KKK “ colaborava com outros jornais cearenses, incluindo um de propriedade do temível Padre Verdeixa, apodado, imaginem, de “ Canoa Doida “.
Em 1861 João Brígido foi nomeado Professor de Português no afamado Colégio Liceu do Ceará e em 1903 funda o Jornal O Unitário, trincheira onde terçava armas com adversários reais ou imaginários feito um Quixote matuto. Foi Deputado Provincial (1864- 1867), Deputado Geral (1878 – 1881), Senador do Estado (1892), Deputado Estadual (1893 – 1894).
Publicou “ Apontamentos para a História do Cariri “ (1888) ,” Miscelânea Histórica” ( 1889 ) , “ O Ceará – lado cômico” (1899) e “ Ceará – homens e fatos “ ( 1919 ) , sua mais destacada obra.

UM BURRO DISCURSANDO

Do seu quartel – general, o combativo jornal” O Unitário” partiram rumo a história pérolas como estas:
“ Ontem, às treze horas os admiradores de G. Falcão prestaram-lhe uma homenagem numa refeição no Café Riche. À sobremesa, em nome dos presentes, falou o C.L. Em seguida, o homenageado ergueu- se nas patas traseiras, firmou-se nas dianteiras, murchou as orelhas e gaguejou um discurso, curto e ruim “.

 João Brígido , certa feita ,espinafrava um pobre chefete político sertanejo em seu pasquim: “ – Fulano de tal, há muito devia estar na cadeia pelos monstruosos crimes que impunemente tem cometido à sombra de governos que se sucedem “. Aparece então, Miguel Xavier um bem informado correligionário afirmando que o tal fulano acabara de aderir ao partido de João Brígido. O velho jornalista apenas corrigiu: “ – Não corte nada e ponha tudo entre aspas. E em seguida, sem aspas:  - Que ele devia estar na cadeia, por ser criminoso, dizem os seus inimigos peçonhentos. Nós, porém, que o temos na justa conta, consideramo-lo um dos homens de bem entre quantos que ainda vivem no sertão.

No governo do Comendador Nogueira Acioli, o Jornal O Unitário assim comentou uma tertúlia palaciana: “ Estiveram ontem, à noitinha em palácio, com Acioli, o Coronel Paulino, de Quixeramobim, e mais nove criaturas de idade avançada. Eram dez os visitantes. Mas ... quem os visse, contava quinze olhos e onze dentes “.

O FERREIRO DA MALDIÇÃO



Encerrando, seguem trechos de uma crônica do Jornal O Unitário com a data de 20 de maio de 1903, com a marca registrada de João Brígido: “ O Ferreiro da Maldição “:

“ O Ceará é o ferreiro maldito, de quem fala a lenda popular: quando tem ferro falta carvão. É nadador contra a corrente, que nunca chega; o caranguejo que anda e desanda; o eco a repetir a pregunta sem lhe dar resposta; o nó sem ponta; o sonho que promete em sombras que não se distinguem bem, a vaga esperança, enfim, para a qual nunca chega o dia.
Há cem anos um povo gigante, a mover-se, não adianta um passo, como frágil esquife sobre as ondas, que a corrente impele, e o vento faz recuar. Não lhe falta a alma. São os deuses, que o condenam à pena de Tântalo – morrer de sede à beira do regato. Os diretores mentais do Ceará morreram ou foram longe procurar um teatro para exibição de sua intelectualidade; e crestam na penúria os rebentos da capacidade cearense, a disputarem um pouco de ar, que aliás lhe mata o estímulo; o ar mefítico das baixas regiões oficiais...
Que seja para os netos de nossos netos, não importa. O mundo não é tão curto, que acabe em nós; e cem anos, na ordem dos tempos, é muito menos de um til nos lábios“.

Esta crônica foi publicada n’O Unitário, edição de 20.05.1903.

Fonte: http://astrilhasdavida.blogspot.com/2016/01/joao-brigido-paladino-da-imprensa-do.html


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O Quixeramobim do cronista 
João Brígido


João Brígido dos Santos foi indiscutivelmente um intelectual múltiplo, destacando-se como: político, advogado, cronista, jornalista e historiador. Segundo o poeta Jáder de Carvalho, um de seus maiores admiradores, João Brígido foi antes de tudo um grande contador de histórias.
Tendo nascido a 3 de dezembro de 1829, em São João da Barra, então da província do Espírito Santo, faleceu a 14 de outubro de 1921, em Fortaleza.  Chegou menino ao Ceará, e residiu em Quixeramobim parte significativa de sua infância, onde aprendeu latim, no velho sistema dos jesuítas.
Foi contemporâneo e amigo de Antônio Conselheiro, moraram na mesma rua, e segundo relatou em texto memorialístico, junto de outros amigos, os dois quase morriam afogados, pois certo dia fugiram de casa para “tomar banho num furo, que a enchente do rio tinha cavado numa das suas margens”. Então, quando estavam mergulhando, um tal Cândido Sabóia lançou sobre eles uma tarrafa por diversão e “com o peso das chumbadas” afundaram.  Brígido conseguiu voltar à tona com Conselheiro agarrado ao pescoço dele e assim salvaram-se.  
“Meio anfíbio, nadador afoito e jogador de cambapé, eu vivia nos rios cheios e nos poços”, era assim que o jovem João Brígido definia-se nesse tempo.
Anos mais tarde já consolidado no jornalismo cearense e na condição de arguto observador, destacou João Brígido, naCrônica de Quixeramobim uma curiosidade histórica sobre o mais antigo templo religioso da cidade: “A matriz de Quixeramobim, hermeticamente fechada e com assoalhos laterais, tornou-se, no correr dos anos, uma igreja mal-assombrada. É que ali se fazia a inumação dos cadáveres da freguesia, como de costume em todo Ceará”.
 Por fim, é importante destacar que o escritor também se debruçou sobre a trágica e sangrenta luta entre Os Maciéis e os Araújos, a famosa guerra entre famílias que abalou o sertão do Ceará no começo do século XIX. E assim sendo, sabe-se que João Brigido foi uma referência certa para Euclides da Cunha escrever anos depois sobre esse episódio no clássico Os Sertões.

Bruno Paulino é escritor.


Fonte: https://alpendresertao.blogspot.com/

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

POEMA MALICIOSO DE BILAC





MEDICINA

 Olavo Bilac

Rita Rosa, camponesa,
Tendo no dedo um tumor,
Foi consultar com tristeza
Padre Jacinto Prior.

O Padre, com gravidade
De um verdadeiro doutor,
Diz: “A sua enfermidade
Tem um remédio: o calor...

Traga o dedo sempre quente...
Sempre com muito calor...
E há-de ver que, finalmente,
Rebentará o tumor!”

Passa um dia. Volta a Rita,
Bela e cheia de rubor...
E, na alegria que a agita,
Cai aos pés do confessor:

“ - Meu padre! estou tão contente!...
Que grande coisa o calor!
Pus o dedo em lugar quente...
E rebentou o tumor...”

E o padre: “É feliz, menina!
Eu também tenho um tumor...
Tão grande, que me alucina,
Que me alucina de dor...

“ - Ó padre! mostre o dedo,
(Diz a Rita) por favor!
Mostre! porque há-de ter medo
De lhe aplicar o calor?

Deixe ver! eu sou tão quente!....
Que dedo grande! que horror!
Ai! padre... vá... lentamente...
Vá gozando... do calor...

Parabéns... padre Jacinto!
Eu... logo... vi... que o calor...
Parabéns, padre... Já sinto
Que rebentou o tumor...”

(In Contos para velhos, BOB - Pseudônimo de Olavo Bilac)