sexta-feira, 31 de agosto de 2018

RELEMBRANDO MESTRE ARIANO



A Morte Do Touro Mão-de-Pau
(que preferiu a morte à desonra)
Poema de Ariano Suassuna
(gravação de Antônio Nóbrega)

Corre a Serra Joana Gomes
Galope desesperado:
Um touro se defendendo,
Homens querendo humilhá-lo,
Um touro com sua vida,
Os homens em seus cavalos.

Cortava o gume das pedras
Um bramido angustiado,
Se quebrava nas catingas
Um galope surdo e pardo
E os cascos pretos soavam
Nas pedras de fogo alado,
Enquanto o clarim da morte,
Ao vento seco e queimado,
Na poeira avermelhada
Envolvia os velhos cardos.

Rasgavam a serra bruta
Aboios mal arquejados
E, nas trilhas já cobertas
Pelo pó quente e dourado,
Um gemido de desgraça,
Um gemido angustiado:
- "adeus, lagoa dos velhos!
Adeus, vazante do gado!

Adeus, Serra Joana Gomes
E cacimba do salgado!
O touro só tem a vida:
Os homens têm seus cavalos"!

O galopar recrescia:
Brilhavam ferrões farpados
E algemas de baraúna
Para o touro preparados.
Seu sabino tinha dito:
- "Ele há de vir amarrado"!

Miguel e Antônio Rodrigues,
De guarda-peito e encourados,
Na frente do grupo vinham,
Montados em seus cavalos
De pernas finas, ligeiras,
Ambos de prata arreados.

E, logo à frente, corria
O grande touro marcado,
Manquejando sangue limpo
Nos caminhos mal rasgados,
Cortadas as bravas ancas
Por ferrões ensangüentados.

A serra se despenhava
Nas asas de seus penhascos
E a respiração fogosa
Dos dois fogosos cavalos
Já requeimava, de perto,
As ancas do manco macho.

Quando ele, vendo a desonra,
Tentando subjugá-lo,
Mancando da mão preada
Subiu num rochedo pardo:
Num grito, todos pararam,
Pelo horror paralisados,
Pois sempre, ao rebanho, espanta
Que um touro do nosso gado
Às teias da fama-negra
Prefira o gume do fado.

E mal seus perseguidores
Esbarravam seus cavalos,
Viram o manco selvagem
Saltar do rochedo pardo:
-"adeus, lagoa dos velhos!
Adeus, vazante do gado!

Adeus, Serra Joana Gomes
E cacimba do salgado!
Assim vai-se o touro manco,
Morto mas não desonrado"!

[aboio]

Silêncio. A serra calou-se
No poente ensangüentado.
Calou-se a voz dos aboios,
Cessou o troar dos cascos.
E agora, só, no silêncio
Deste sertão assombrado,
O touro sem sua vida,
Os homens em seus cavalos.


Baseado num poema do poeta potiguar Fabião das Queimadas



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