sábado, 23 de junho de 2012

Luiz Gonzaga, o rei da tradição


No ano de comemoração do centenário de Luiz Gonzaga, uma exposição de múltiplas linguagens ressalta a importância do artista

“Ele foi o primeiro artista pop, pop mesmo, popular que o Brasil teve”, crava Bené Fonteles sobre Luiz Gonzaga Nascimento, o Rei do Baião. “Ele foi o parâmetro para tudo o que foi produzido depois”, emenda o curador da mostra O Imaginário do Rei – Visões Sobre o Universo de Luiz Gonzaga, exibida a partir de hoje em duas galerias do Memorial da Cultura Cearense do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.

Compositor, artista plástico e pesquisador da obra de Gonzagão, é sobretudo com a propriedade de um amigo que Bené fala do homenageado. No ano do centenário do mestre da música popular, a relação entre os dois comemora 40 anos. O primeiro encontro aconteceu em 1972, quando Mestre Lua – um dos títulos de Gonzaga – veio a Fortaleza e foi apresentado ao jovem Bené, que havia escrito o espetáculo teatral Luiz Lua, Obrigado.

Era a primeira homenagem ao artista de quem aprendera a gostar ainda na infância, por influência do pai. A admiração de fã foi convertida em intimidade a ponto de Gonzagão adotá-lo como filho postiço, para orgulho de Bené. Muitos anos de convivência depois, a dedicação do curador em resgatar o legado do mestre aparece em obras como o livro O Rei e o Baião, de 2010, organizado por Bené, com incentivo do Ministério da Cultura (Minc), e é consolidada com a exposição, que recebeu o prêmio Centenário Luiz Gonzaga da Fundação Nacional de Artes (Funarte/Minc).

A exposição que Fortaleza recebe a partir de hoje é fruto do livro lançado em 2010 e parte das comemorações que incluem diversas atividades por todo o País. A mostra já passou por Recife e Salvador e recria a obra de Luiz Gonzaga a partir de diferentes linguagens. “Não é simplesmente uma curadoria de uma pessoa sobre o trabalho dele, é uma demonstração de gratidão”, ressalta Bené.

Além das xilogravuras de sete artistas do interior cearense, entre eles Francisco de Almeida, João Pedro do Juazeiro e José Lourenço, a mostra apresenta esculturas em madeira e cerâmica. O público ainda verá de perto as roupas de couro, confeccionadas pelo mestre da cultura de Nova Olinda, Espedito Seleiro, que se tornaram a marca do Rei do Baião. O artista e inventor Narcélio Grud e o músico Tércio Araripe, de Fortaleza, criaram dois instrumentos musicais especialmente para a mostra.

A fotografia tem lugar em grande ensaio sobre o sertão cantado por Gonzaga, assinado pelo fotógrafo Ricardo Moura com a colaboração de outros vinte artistas visuais. Durante toda a mostra, que se estende até o dia 18 de agosto, serão projetados os filmes Viva São João!, de Andrucha Waddington; O Milagre de Santa Luzia, de Sérgio Roizenblitz; O Homem que Engarrafava Nuvens, de Lírio Ferreira e Luiz Gonzaga – A Luz dos Sertões, de Rose Maria.

“A mostra tem uma diversidade de expressão muito grande. Eu queria provocar os artistas e as outras exposições a colocarem outras linguagens”, afirma Bené. De Fortaleza, O Imaginário do Rei segue para João Pessoa, na Paraíba, e volta à capital pernambucana, Recife. De lá, ocupa o Museu da República, em Brasília – coincidindo com o aniversário de Luiz Gonzaga, 13 de dezembro – e vai para São Paulo e Rio de Janeiro.

Por ocasião da abertura da mostra, também será lançado o livro que deu origem ao projeto, O Rei e o Baião. Apesar de não ter sido produzido com propósito de venda, a obra com ensaios de Gilmar de Carvalho e Antônio Risério, entre outros estudiosos da cultura, estará disponível aos interessados por R$ 100.


SERVIÇO
O Imaginário do Rei
O quê: abertura da exposição em homenagem a Luiz Gonzaga e lançamento do livro O Rei e o Baião
Quando: Hoje, às 19 horas. Entrada gratuita.
Onde: Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (rua Dragão do Mar 81, Praia de Iracema)
Preço do livro: R$ 100
Outras informações: 3488 8600

FONTE: Vida & Arte, jornal O POVO, 23-06-2012

quinta-feira, 21 de junho de 2012

A PRIMEIRA BIOGRAFIA

Luiz Gonzaga e Outras Poesias
Autor: Zépraxedi (O Poeta Vaqueiro) 1ª edição: Continental Artes Gráficas – São Paulo (SP), 1952 71 páginas 14 x 21 cm
Em geral quando se fala de biografia pioneira de Luiz Gonzaga, imagina-se que seja O Sanfoneiro do Riacho da Brígida (1966), livro escrito pelo paraibano Sinval Sá, anterior à obra de Dominique Dreyfus (A Vida do Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga (1996). Na verdade, a primeira biografia de Luiz Gonzaga, em versos matutos de tamanhos diferentes de estrofes, é de autoria do poeta-vaqueiro norte-rio-grandense Zépraxedi, lançada em 1952 e jamais reeditada (2009).
 
O livro Luiz Gonzaga e Outras Poesias é introduzido por dois artigos publicados em jornais, publicados em jornais do Rio Grande do Norte e do Rio de Janeiro, à guisa de apresentação da obra: um de autoria do crítico teatral do Diário Carioca, Sábato Magaldi (1951); o outro artigo, de Luiz da Câmara Cascudo, fora publicado na sua coluna Acta Diurna (1948), no Diário de Natal, explica as diferenças entre quem é folclore e o ofício do folclorista.
 
O artigo de Magaldi noticia a noitada de poesia sertaneja de Zépraxedi, no Teatro Copacabana da então capital federal, Rio de Janeiro, sob patrocínio do vice-presidente da República, Café Filho, e das bancadas de políticos do Rio Grande do Norte. O jovem crítico teatral comenta a espontaneidade dos versos do poeta vaqueiro, inspirados na política, no amor, na família, no mundo. “No intervalo entre a primeira e segunda parte do programa, Luiz Gonzaga cantou excelentes baiões de sua autoria”, anota Sábato Magaldi, sem esquecer os entusiásticos aplausos do público aos passos de frevo do trianglista Zequinha.
 
O vínculo dessa biografia pioneira do Rei do Baião, de Zépraxedi, à colônia norte-rio-grandense no Rio de Janeiro é considerado nas estrofes iniciais a Dois Grandes: Duas boas arturidade / Me truveram do sertão / A sigunda do país [o vice-presidente Café Filho] / E a prenmera do baião.
 
Em seguida, Zépraxedi dedica cerca de 160 estrofes, de quatro, seis, oito e até dez versos matutos, à vida e à obra de Luiz Gonzaga, incluindo versos dedicados ao pai Januário, ao casamento com Helena Gonzaga, à sua sanfona e à festa junina. Há ainda dois poemas extras: Noite de Natá e Quatro Coisa. 

segunda-feira, 18 de junho de 2012

BIOGRAFIA DE GONZAGÃO


'Gonzaga é a metáfora do Nordeste rural', diz biógrafa do Rei do Baião

Francesa Dominique Dreyfus está no Recife para debater vida do artista. Projeto 'Jornadas Gonzagueanas' faz parte da agenda junina do Recife.

Luna Markman - Do G1 PE

Dominique Dreyfus - biógrafa de Luiz Gonzaga (Foto: Luna Markman / G1)
Dominique Dreyfus lançou biografia de Gonzaga
em 1997, pela Editora 34 (Foto: Luna Markman / G1)


No São João em que o Recife celebra o centenário de Luiz Gonzaga, o arrasta pé abre espaço para debates com parceiros e estudiosos da história e obra do Rei do Baião. O projeto Jornadas Gonzagueanas acontece nesta sexta-feira (08) e sábado (09), na Livraria Cultura, no Paço Alfândega, com entrada gratuita. Entre os convidados, a francesa Dominique Dreyfus, considerada “autoridade” no assunto por escrever a mais completa biografia do sanfoneiro, onde há várias curiosidades sobre o artista.
A pesquisadora, jornalista e cineasta lançou, em 1997, pela editora paulista 34, o livro “A Vida do Viajante: A saga de Luiz Gonzaga”. Antes que você se pergunte: “o que essa francesa tem a ver com Luiz Gonzaga?”, respeite Dominique! Ela é livre-docente em Letras e Literatura pela Universidade Paris I (Sorbonne), trabalhou como repórter, editora e diretora de revistas e programas especializados em música, colabora para conceituadas publicações de arte sul-americanas e acabou de virar doutora em música popular brasileira.

Á-bê-cê no interior
Além desse gabarito acadêmico e profissional, ela passou a infância e parte da adolescência entre Garanhuns, no Agreste de Pernambuco, Olinda e Recife. Mudou-se com a família da França para o Brasil para ficar longe da 2° Guerra que assolava a Europa. “A primeira música que eu aprendi a cantar, aos dois anos de idade, foi 'A todo mundo eu dou psiu' [Sabiá], de Luiz Gonzaga. Isso não me sai da memória”, relembra.

Seguindo novamente a família, retornou ao país natal e só colocou de novo os pés no Brasil passada a ditadura militar. Aproveitou e comprou vários discos de Luiz Gonzaga. “Em 1985, ele foi convidado a participar de um festival em Paris, que eu fui cobrir. Na terceira música, pediu para sentar, porque a sanfona pesava. Foi quando eu me dei conta que ele estava ficando velho e não havia nada aprofundado e com impacto nacional escrito sobre ele”, conta.

Óia eu aqui de novo
Dreyfus chamou a responsabilidade para si, arrumou as malas e começou uma série de entrevistas, que renderam mais de 100 horas de gravação. Conversou pessoalmente com Gonzagão, a quem destaca o charme, generosidade e bom humor, além de ter ouvido também outros parentes e amigos. Só lamenta o fato de não ter falado com Gonzaguinha e Sivuca, além de Zé Dantas e Humberto Teixeira, parceiros musicais, e Aluízio, irmão mais velho do sanfoneiro.

Porém, o rico material ficou “mofando” por seis anos na casa da jornalista. “Nenhuma editora francesa comprou a ideia alegando que ninguém na França conhecia Luiz Gonzaga, então me desanimei. Foi quando o [jornalista e crítico musical] Tárik de Souza me convidou para escrever a biografia dentro de uma coleção musical que a [editora] 34 ia lançar”, diz.

O fole roncou
Foram mais três anos para concluir o livro, lançado após a morte de Luiz Gonzaga, em 1989. Soube da notícia por meio de uma ligação do músico João Gilberto. No começo, ela confessa que ficou com medo da reação do público ao fato de uma estrangeira escrever sobre o músico, mas orgulha-se das boas críticas. “Acho que ficaram até com vergonha de nenhum brasileiro ter feito isso antes”, brinca.

"Minha intenção não foi contar a vida dele, mas captar o essencial para fazer o retrato justo daquele homem que era pobre, negro, analfabeto e sertanejo, tudo para não dar certo naquela época, e se tornou, nos anos 1950, a maior figura artística do Brasil, mesmo sem conseguir se despojar dos preconceitos. Ele é a metáfora do Nordeste rural”, complementa.


Dominique Dreyfus - biógrafa de Luiz Gonzaga (Foto: Luna Markman / G1)
Dominique está no Recife para participar de debate
sobre a obra de Gonzaga (Foto: Luna Markman / G1)


Asa branca
A autora contou algumas curiosidades do artista extraídas de suas leituras e observações. “Ele nunca cuidou muito do Gonzaguinha [filho não biológico de Gonzaga]”; “Helena e Rosinha [mulher e filha adotiva de Gonzaga] eram racistas”; “ele não tinha apego ao luxo, dava dinheiro para todo mundo, sua casa era de uma simplicidade sinistra”; e “ele era muito mulherengo, nunca quis se casar, queria mesmo era sair viajando em turnê, jogando charme para todo mundo”, salpicou, durante a entrevista concedida no Recife.

Ela garante, porém, que Gonzaga não a paquerou, “mas se eu quisesse, acho que rolava”, ironizou. Uma passagem que Dominique ri até hoje é a visita de Luiz Gonzaga ao general João Figueiredo, presidente na época da ditadura militar. “Uma vez, consciente de que a asa branca estava sumindo no Nordeste, ele foi vestido todo a caráter e com duas aves nos ombros falar com Figueiredo sobre o assunto, mas foi expulso de lá”, fala.

Olha pro céu
Dominique Dreyfus garante que o sanfoneiro sabia da sua importância no cenário musical brasileiro, mesmo quando ele foi “atropelado” pela bossa nova. “Ele encarava com tranquilidade e até certo humor. Dizia que 'aquela' bossa nova acabou com todo mundo, que ninguém mais queria saber dele, mas que continuaria a fazer música para o povo dele.”

A autora aponta três tipos de legado do Rei do Baião: os clones, que só o copiam; os que pegam a tradição da sanfona e imprimem sua própria impressão, como Dominguinhos; e os que pegam o espírito de Gonzaga e enriquecem com as coisas que existem em sua época, como Renata Rosa e Lenine, de quem é fã. “Acho legal todos os casos. Gosto muito dessa atual geração de músicos nordestinos, como o Silvério Pessoa. Só não gosto desse forró estilizado, que para mim é de uma grande pobreza, não progrediu em nada”, ataca.
Além de Luiz Gonzaga, a autora também escreveu sobre a vida de um dos maiores violonistas brasileiros em “Violão Vadio de Baden Powell”, de 1999, também pela editora 34. Será que ela já tem em mente outro artista para biografar? “Pensei em fazer sobre [Dorival] Caymmi, mas neta dele, Stella, já estava fazendo. Tem pessoas interessantes por aí, mas que ainda não estão velhas o suficiente”, brinca.

Jornadas
Essas e outras histórias curiosas sobre a vida de Luiz Gonzaga vão entrar no repertório de Dominique Dreyfus na conversa que ela terá com o público no sábado (09), às 17h, ao lado do músico e etnomusicólogo Climério de Oliveira (PE). Antes, a partir das 15h, o historiador especializado em música Ricardo Cravo Albin (RJ) e o pesquisador Renato Phaleante (PE) participam da mesa "Baião na cidade grande", com mediação do radialista Saulo Gomes (PE).

Na sexta (08), a partir das 15h, quem abre as Jornadas Gonzagueanas são os músicos pernambucanos João Silva, Marcelo Melo, Onildo Almeida e Jurandy da Feira. Eles compõem a mesa de debate “Memorial dos parceiros”, relembrando os momentos vividos junto ao Rei do Baião.