sábado, 21 de maio de 2011

INFLUÊNCIAS IBÉRICAS

PRESENÇA DE AUTORES ERUDITOS
DE PORTUGAL E ESPANHA NA
LITERATURA DE CORDEL*

Arievaldo Viana

História da Donzela Teodora, cordel de
Leandro Gomes de Barros editado por
João Martins de Athayde

Têm-se a errônea impressão de que os poetas populares são pessoas semi-analfabetas e de pouca incursão pelo campo literário.  Esse equívoco foi reforçado, de certo modo, pela figura brilhante de Antônio Gonçalves da Silva, o popular Patativa do Assaré, um poeta roceiro, que escrevia seus poemas na linguagem rude própria dos sertanejos. É bom que se esclareça que Patativa também compôs sonetos na linguagem convencional e era leitor assíduo de Camões, Castro Alves, Gonçalves Dias e outros poetas eruditos. Um analfabeto jamais teria condições de produzir uma obra com a qualidade de seus escritos, aparentemente simples, mas de grande profundidade filosófica. Outra questão que deve ser trazida à luz refere-se aos poetas Leandro Gomes de Barros, Silvino Pirauá de Lima, João Martins de Athayde, João Melchíades Ferreira, José Galdino da Silva Duda, José Camelo de Melo e Francisco das Chagas Batista, considerados os grandes mestres da Literatura de Cordel. Todos tinham uma razoável formação intelectual, sendo que este último era dono de livraria e editora na capital da Paraíba. Manoel D’Almeida Filho, Manoel Camilo dos Santos e Joaquim Batista de Sena, poetas da segunda geração, também primavam pela correção ortográfica e eram dados a leituras eruditas. Batista de Sena chegou a confessar ao pesquisador José Vidal Santos, que havia lido todos os verbetes do Dicionário de Aurélio Buarque de Hollanda, com o intuito de melhorar seu vocabulário e empregar corretamente as palavras em seus poemas. Cantadores contemporâneos como Ivanildo Vilanova, Geraldo Amâncio e Oliveira de Panelas possuem, igualmente, uma grande bagagem cultural. O mesmo pode-se dizer de vários cordelistas da atualidade, dentre os quais destacaríamos Marco Haurélio, Gonçalo Ferreira, Manoel Monteiro, Rouxinol do Rinaré, dentre outros.
Uma prova evidente de que os mestres da poesia popular possuíam grande intimidade com as letras está na quantidade de folhetos e romances baseados em clássicos da literatura mundial, como “As mil e uma noites”, “Romeu e Julieta”, “Decamerão” e, evidentemente, o Antigo Testamento.
Mas, já que o tema central de nossa palestra são as influências ibéricas na poesia popular nordestina, passaremos a enumerar agora algumas obras literárias de Portugal e Espanha que serviram de inspiração para os nossos trovadores:

O drama O RICO AVARENTO da autoria do poeta português Bento Teixeira (Porto, 1560 – 1618) foi adaptado para Literatura de Cordel pelo paraibano Belarmino Nunes de França.
A obra PEDRO SEM, QUE JÁ TEVE E AGORA NÃO TEM, da autoria de Luís Antônio Bergain (natural de Havre, 1812) foi transformado em “HISTÓRIA DE PEDRO CEM” por  Leandro Gomes de Barros e posteriormente por Apolônio  Alves dos Santos.
O romance AMOR DE PERDIÇÃO, do grande escritor português Camilo Castelo Branco (Lisboa, 1825-1890) possui versão em cordel atribuída a João Martins de Athayde. Camilo escreveu também “A Vida de José do Telhado”.  Os poetas populares Antônio Teodoro dos Santos e Rodolfo Coelho Cavalcante utilizaram o personagem Zé do Telhado em folhetos de sua autoria.
O romancista espanhol Henrique Pérez Escrich escreveu a obra O MÁRTYR DO GÓLGOTHA, da qual possuímos uma edição de 1891, impressa em Porto e traduzida por J. Cruzeiro Seixas. Este romance teve grande aceitação em todo o Nordeste brasileiro e gozou de grande popularidade junto aos cantadores do passado. Era, ao lado do livro de Carlos Magno e do Lunário Perpétuo, leitura obrigatória para os poetas que cantavam “ciência” no passado.  Serviu também de fonte de inspiração para diversos poetas como Severino Borges da Silva, Manoel Pereira Sobrinho, Maria Batista Neves Pimentel e Francisco das Chagas Batista, todos paraibanos. Existem dois folhetos com o título O JUDEU ERRANTE, um de Manoel Pereira Sobrinho, outro de Severino Borges da Silva, que são claramente influenciados pela narrativa de “O Mártyr do Gólgotha”. Chagas Batista escreveu a HISTÓRIA DE DIMAS, O BOM LADRÃO, que também denota influências da referida obra. Já Maria das Neves Batista Pimentel escreveu O VIOLINO DO DIABO, inspirado em romance do mesmo nome, da autoria do citado Pérez Escrich.

Joaquim Batista de Sena, paraibano de Solânea, escreveu o poema AS SETE ESPADAS DE DORES DE MARIA SANTÍSSIMA claramente inspirado no romance de Pérez Escrich, notadamente na passagem que relata o encontro da Sagrada Família com Dimas, o bom ladrão, nos desertos das Judéia:

Inspirai-me ó Virgem Pia
Mãe de Deus, mãe amorosa
Para em poema versar
A coroa dolorosa
E ver se colho uma lágrima
Da pessoa impiedosa.

Quem subir o pensamento
Vai do Gólgota observando
Jesus pregado na cruz
A sua vida ultimando
Maria ao pé do lenho
Seus tormentos contemplando.

Os tormentos de Jesus
São os mesmos de Maria
Quando furavam seu filho
O seu coração feria
Ele sofria no corpo
Ela na alma sofria.

E não foi só no Calvário
Aquelas lágrimas sentidas
Mas toda a sua existência
Foi de dores comovidas
Era uma sobre a outra
Como ondas embravecidas.

A primeira dor foi quando
Jesus Cristo foi à pia
Que o velho Simeão
Tomou ele de Maria
E com a profetisa Ana
Declarou-lhe a profecia:

- Senhora, esse vosso filho,
Disse o velho Simeão
Será para vós motivo
De lágrimas, dor e paixão
E por ele, sete espadas
Transpassam o teu coração.

(...)

A segunda dor foi quando
Veio um anjo lhe avisar
Que fugisse para o Egito
E deixasse o seu lugar
Que Herodes o perseguia
Para o menino matar.

(...)

Numa noite tenebrosa
De relâmpagos e trovões
Seguia a Virgem chorando
São José em orações
Caíram em cerco de Dimas
Com o coito de ladrões.

São José amedrontado
Estacou naquele canto
A Virgem escondeu o filho
por debaixo do seu manto
Pensando ser os judeus
Pra matar seu filho santo.

São José pediu a eles
Por Jeová, Deus divino,
Que mal vos fez essa mãe
Com esse pobre menino,
Para banhar nosso sangue
Nesse punhal assassino?

Com a maior piedade
Falou Dimas, bom ladrão,
Nenhum desses meus capangas
Te tocará com a mão
E levou-os ao seu castelo
Comovido em compaixão.

Seguindo a mesma linha adotada pelos grandes mestres da Literatura de Cordel, desenvolvi e apresentei ao público (do Congresso Internacional de Professores da Língua Espanhola) um trabalho de nossa autoria denominado “A FORÇA DO SANGUE”, um cordel de 32 páginas baseado numa novela exemplar de Miguel de Cervantes, do qual apresentamos algumas estrofes:

Para o leitor que aprecia
Um bom romance rimado
Leia agora este episódio,
Há muito tempo passado.
Em Toledo, na Espanha,
Por Cervantes foi narrado.

Em Novelas Exemplares
Se encontra essa história
Eu a li quando criança
E ainda trago na memória
Narra um grande sofrimento
Com final cheio de glória

Um cidadão de Toledo
Retornava com a família
De um passeio vespertino
Por uma sinuosa trilha
Com a  mulher, um menino
E também sua linda filha.

(...)

* Esse texto é um fragmento da palestra “Influências Ibéricas na Literatura de Cordel”, que proferi em 2002 num congresso de professores de língua espanhola, realizado em Fortaleza-CE.

Enrique Pérez Escrich, escritor
espanhol de sucesso no final do século XIX

Sexta edição brasileira de "O martyr do Gólgotha"

O DISCO DA SEMANA

A influência da Literatura de Cordel está presente no
primeiro disco-solo do cantor cearense EDNARDO

Ednardo - O Romance do Pavão Mysterioso [1974]




(Texto de Klaudia Álvarez - Blog Música do Ceará)
O Romance do Pavão Mysteriozo é o primeiro disco solo de Ednardo, ainda com a referência “Do Pessoal do Ceará” abaixo de seu nome e acaba de ser relançado em CD graças ao trabalho do Titã Charles Gavin, que vem realizando grandes relançamentos da MPB.

Ednardo sempre foi um artista inovador e à frente de seu tempo como prova a capa do LP, bastante avançada e incomum para a época, com a foto do artista colocada propositalmente em posição invertida, fazendo com que a gente vire o disco, pensando que a abertura está no lugar errado!

Usada como tema da novela “Saramandaia” em 1976, a música título - um maracatu cearense - não só trouxe o ritmo para todo o país como tornou Ednardo um nome consagrado nacionalmente. Até hoje é impossível que ele faça um show e não toque o “Pavão” que virou sua marca registrada. O LP tem outros destaques como a incrível “Carneiro” sua parceria com Augusto Pontes e a deliciosa “Dorothy Lamour”, uma parceria dos sonhos para qualquer admirador da música cearense: Petrúcio Maia e Fausto Nilo.

FICHA TÉCNICA
Supervisão Geral - Osmar Zandomenigui
Coordenação Geral - Antonio de Lima
Coordenação Artística e Direção de Estúdio - Walter Silva
Técnicos de Som - Stelio Carlini / G. João Kibelkstis (Joãozinho) / Edgardo Alberto Rapetti
Técnicos de Mixagem - Walter Lima / Edgardo Alberto Rapetti
Fotos - Gerardo Barbosa Filho
Direção de Arte das Capas - Tebaldo
Desenhos - Ednardo
Gravação e Mixagem - Estúdio A da RCA em São Paulo - 16 Canais

MÚSICOS
Arranjos e Regências - Hareton Salvanini / Heraldo do Monte / Isidoro Longano
Sobre idéias de arranjos musicais de Ednardo
Violão e Percussões - Ednardo
Viola e Guitarra - Heraldo do Monte
Flauta e Sax Tenor - Isidoro Longano (Bolão)
Banjo - Luiz de Andrade
Contra Baixo (Acústico e Elétrico) - Gabriel J. Bahlis
Bateria - Antonio de Almeida (Toniquinho)
Tímpanos - Ernesto de Lucca
Tumbadoras - Rubens de S. Soares
Percussões - José Eduardo P. Nazário / Jorge H. Silva / Dirceu S. de Medeiros (Xuxu)
Piano Cravo (elétrico) - José Hareton Salvanini
Flauta / Pícolo - Demétrio S. de Lima
Flauta / Sax Alto - Eduardo Pecci
Clarinete - Franco Paioletti
Oboé - Benito S. Sanchez
Baixo Tuba - Drausio Chagas
Pistons - Sebastião J. Gilberto (Botina) / Settimo Paioletti
Trombones -Roberto J. Galhardo / Antônio Secato
Violoncelos - Ezio Dal Pino / Flabio Antonio Russo
Violinos - Jorge G. Izquierdo / Oswaldo J. Sbarro / Caetano D. Finelli / Dorisa Soares
Antonio F. Ferrer / German Wajnrot / Alfredo P. Lataro / Joel Tavares
Participação Especial - Amelinha no Vocal da faixa "Ausência"

Faixas:
CARNEIRO
(Ednardo / Augusto Pontes)
AVIÃO DE PAPEL
(Ednardo)
MAIS UM FREVINHO DANADO
(Ednardo)
AUSÊNCIA
(Ednardo)
VARAL
(Ednardo / Tânia Araújo)
DOROTHY LAMOUR
(Petrúcio Maia / Fausto Nilo)
DESEMBARQUE
(Ednardo)
TREM DO INTERIOR
(Ednardo / Fausto Nilo)
ALAZÃO (CLARÕES)
(Ednardo / Brandão)
A PALO SECO
(Belchior)
ÁGUA GRANDE
(Ednardo / Augusto Pontes)
PAVÃO MYSTERIOZO
(Ednardo)

* PARA BAIXAR, CLIQUE NA CAPA
Fonte: http://poeiraecantos.blogspot.com/2008/01/ednardo-o-romance-do-pavo-mysterioso.html

CORDEL NA BÉLGICA


No blog do poeta Marcos Mairton - MUNDO CORDEL - encontramos essa interessante postagem falando sobre o intercâmbio cultural entre a Bélgica e o Brasil. O que nos motivou a divulgar essa informação é o fato (surpreendente, pelo menos para mim) de o nosso blog já haver recebido quase 300 visitas de internautas da Bélgica.

Vejamos a postagem extraída de MUNDO CORDEL:



Bruxelas, Bélgica: 
Mostra de Arte Postal
EU AMO A CULTURA BRASILEIRA

Caros visitantes deste Mundo Cordel (e Acorda Cordel),

Enviei ontem, para a Mostra de Arte Postal «Eu Amo a Cultura Brasileira», no âmbito da 3a Bienal de Artes Brasileiras de Bruxelas, oito de meus livros e um banner apresentando as capas dos livros em cordel e trechos de suas estrofes.

A convocação foi feita pela artista plástica 
Inêz Oludé, que é a diretora da Bienal, e informa que a mostra reúne qualquer aspecto da cultura brasileira.



Os interessados em expor enviem o material para o seguinte endereço:




Rue Saint Bernard, 17- bte 54
1060 Bruxelas 
Bélgica

Maiores detalhes nos endereços:


sexta-feira, 20 de maio de 2011

ARTES DE JOSÉ COSTA LEITE


Em janeiro de 2000, a luta pela revitalização da Literatura de Cordel estava apenas começando. Os anos 80 e 90 do século recém findo haviam sido bastante desanimadores. Com o fechamento das editoras tradicionais e a morte de Manoel D’Almeida Filho, Joaquim Batista de Sena, Manoel Caboclo e Silva, Minelvino Francisco e outros baluartes da poesia, os estudiosos chegaram mesmo a profetizar a extinção do gênero “romance” e a permanência (esporádica) do folheto de ocasião. Contrariando os augúrios pessimistas, associei-me na época aos poetas Pedro Paulo Paulino e Klévisson Viana e começamos a produzir e publicar novos folhetos – inclusive romances – para tentar reaquecer o mercado. Nesse período foi muito proveitosa a relação que travamos com antigos mestres do ofício como Lucas Evangelista, Antônio Américo de Medeiros, Gonçalo Ferreira, Mestre Azulão e o poeta-editor-xilógrafo-folheteiro paraibano José Costa Leite, uma lenda viva do Cordel.
É por isso que naquele mês de janeiro de 2000 decidimos – eu e Klévisson – ir a Juazeiro do Norte encontrar com José Costa Leite para conhecê-lo de perto e entrevistá-lo para a revista Singular, do meu amigo Eliézer Rodrigues. Tivemos sorte... Além de Costa Leite, travamos amizade também com Stênio Diniz (grande nome da xilogravura cearense, hoje Mestre da Cultura), com o jornalista Jackson Pires Barbosa  e dona Ana, respectivamente genro e filha do editor José Bernardo da Silva. Sem falar em Bernardo Neto, filho do casal, que tornou-se nosso cicerone na Meca do Cariri.
Foi uma viagem inesquecível... Voltamos dali com muitos folhetos, histórias e lembranças na bagagem. E isso foi decisivo para abraçarmos a causa do cordel com mais apego e vontade.  Reproduzo, abaixo, a entrevista que José Costa Leite nos concedeu no dia 17 de janeiro de 2000, em Juazeiro do Norte. Essa entrevista foi publicada na revista Singular e também foi usada pelo saudoso pesquisador Ribamar Lopes para colheita de informações, quando escreveu a biografia do poeta Rouxinol do Rinaré para Editora Hedra:


ENTREVISTA COM O POETA POPULAR, XILÓGRAFO
E EDITOR DE CORDEL JOSÉ COSTA LEITE


José Costa Leite, paraibano de Sapé-PB, nasceu aos 27 de julho de 1927, (72 anos de idade; 52 dos quais dedicados a Literatura de Cordel). Aluno aplicado da escola de José Pacheco e outros grandes mestres, vive exclusivamente de escrever, editar e revender folhetos nas principais feiras da Zona da Mata de Pernambuco e Paraíba. É citado em quase todas as antologias do gênero, seja pelo seu trabalho como cordelista, seja pela sua sensibilidade no corte de milhares de tacos de umburana. Isso mesmo! Costa Leite, além de grande poeta é também um xilógrafo de técnica extremamente pessoal e apurada. Modesto, cobra apenas R$ 30,00 por cada taco que corta para capa de folhetos. “Eu gosto mesmo é de ajudar outros poetas, porque amo o Cordel e não quero vê-lo morrer... faço qualquer negócio para mantê-lo de pé!”

Com a experiência de quem já milita há mais de meio século, Costa Leite traz na sua mala, além dos folhetos, a própria história do Cordel, freguês que foi de João Martins de Athayde e José Pacheco, dois dos maiores expoentes da Literatura de Cordel.

Para nós, que não víamos um autêntico folheteiro em ação há mais de dez anos, foi uma grata surpresa encontrá-lo em Juazeiro do Norte em plena atividade, no último dia 17.01.2000. Com a palavra, Costa Leite, o último poeta clássico (vivo) do Cordel:


1 – Você atua há quantos anos na profissão de cordelista, editor, xilógrafo e folheteiro? Porque começou?


COSTA LEITE – Estou na profissão há 52 anos. Comecei vendendo folhetos dos outros nas principais feiras da Paraíba e Pernambuco. Já escrevia alguma coisa, mas não tinha condições de publicar. Me interessei pela Literatura de Cordel ainda menino, lendo folhetos de Manoel D’Almeida Filho, Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde e José Pacheco.


2 – Quando você começou, João Martins de Athayde estava em plena atividade como cordelista e editor. Você o conheceu pessoalmente?


CL – Conheci demais... era baixo, entroncado e meio aborrecido. Certa feita fui à sua casa, perto do Mercado Central de Recife, comprar alguns romances e ele começou a tirar a mercadoria de umas gavetas e colocar em cima do balcão. Nesse momento eu perguntei se ele tinha determinado título no estoque... Ele pegou tudo que estava em cima do balcão, guardou novamente nas gavetas e disse: “Você conhece meus livros? Então vá pedindo pelo título que eu lhe despacho!” Quer dizer, eu acho que ele ficou aborrecido, né?


3 – E José Pacheco, você conheceu? Em que circunstâncias?



CL – Vi ele vendendo folhetos na Praça Dom Vital, também no Mercado São José, em Recife, em 1947. Era um tipo engraçado, brincalhão... lembro inclusive que ele tinha um braço mais grosso do que outro, mas não sei dizer se era o direito ou o esquerdo. Ah! Antes disso eu já havia comprado um cordel a ele, quando menino, na cidade de Itabaiana, por 200 Réis. Era “A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO”. A capa já era em xilo... ele apontava as figurinhas da capa e dizia: “Olha os diabinhos, olha os diabinhos!” Dele, os folhetos que mais gosto além da “Chegada” é “A Princesa Rosamunda” e “A Vaca da Costela de Pau”. Tem uma estrofe de Zé Pacheco, muito engraçada, que diz:


“O matuto usava calça
e camisa de algodão,
daquele pano grosseiro
que se fiava na mão.
Quando ele se abaixava,
A calça abria e fechava
Porque só tinha um botão.”


(Costa Leite então se abaixa e mostra como o matuto fazia)

– Além de só ter um botão, o danado não usava ceroula... Já pensou a marmota?


* Ainda sobre José Pacheco, o poeta nos acrescentou posteriormente em conversa informal:

“Aquele retrato dele que aparece nos folhetos da Editora Luzeiro não se parece nem um pouco com ele. Ele era um sujeito bem claro e ali aparece como um mulato. Acho, inclusive, que a Luzeiro não comprou os direitos autorais do poeta. Deve ter sido o Manoel D’Almeida que inventou aquela filha (Julieta Pacheco da Rocha), residente no Rio de Janeiro e tal, para ajudar seu compadre Arlindo Pinto de Souza, dono da Luzeiro. Afinal, a obra de Pacheco tem venda garantida. Não afirmo, porque não tenho certeza absoluta, mas conversando com outros poetas daquela época soube que José Pacheco não tinha uma filha com este nome.”*


(* Ver comentário de Marco Haurelio no rodapé da página)


4 – Quando você publicou seu primeiro folheto?


CL – Foi por essa época... 1947 ou 1948. Eu tive uma desilusão amorosa com uma mulher com quem era amigado e desenvolvi um tema que dizia: “Mulher falsa e traiçoeira / Traz o marido enganado”. Ela me deixou depois de três anos de convivência, alegando que era porque a gente não tinha um filho. Então foi embora com um sujeito e começou a sofrer na mão dele. Então me escreveu arrependida, pedindo pra voltar. Então eu disse: “- Neusa, dane-se por lá mesmo, nas unhas desse fariseu”. Nem tive raiva, nem pena... fiquei indiferente. Depois ela engravidou e morreu de parto. O cara não tinha com que pagar o enterro e a mãe dela veio me pedir uma ajuda. Eu dei... não guardava mais ressentimento.


5 – Qual foi a primeira XILO que você cortou?


CL – Foi da “História do Rapaz que Virou Bode”. Eu havia mandado dois folhetos para tipografia, pensando que eles botariam uma figurinha na capa. Quando fui receber os impressos, não tinham capa – eram “Eduardo e Alzira” e “Peleja de Costa Leite com Mané Vicente”. Não venderam muito porque não tinham capa. Então, quando eu fiz o folheto do Bode, peguei um taquinho de umburana e cortei uma figurinha para capa do folheto. O Bode vendeu muito!


“Um homem com sua esposa
vinham duma diversão:
O bode partiu em cima,
Botou o homem no chão,
O homem a faca puxou
Mas o bode o agarrou
E a faca caiu da mão”


“A mulher pegou a faca
Chorando e dando gemido
Disse: - Eu vou matar ele
Pra não matar meu querido!
Na confusão do pagode,
Ela foi matar o bode
Errou, capou o marido.”


6 – Na sua opinião, quais as perspectivas para a Literatura de Cordel?


CL – Eu sou otimista. No meu almanaque de 2000 (Calendário Nordestino, publicado há 40 anos) eu botei uma frase que diz:

“O otimista pode até errar, mas o pessimista já começa errado!”

Eu ando meio preocupado com o desinteresse do povo pelo Cordel, mas acho que ele vai sobreviver.


7 – Porque o Cordel está em decadência junto às camadas populares?


CL – O povo só gosta do que a televisão diz que é bom. O nordestino tem uma mania horrível de gostar do que vem de fora. O cara pega um coco do próprio quintal, pega um quilo de açúcar da usina vizinha, faz um doce e sai gritando na rua:

“- Olha o doce japonês! Olha o doce americano...!”

O rádio de pilha e a TV são os maiores responsáveis pela decadência do Cordel, porque só mostram a cultura de fora. Outro problema, são estas seitas. O cara que tem uma coleção de folhetos, na hora que vira crente pega tudo e toca fogo... não sei porque, mas crente não gosta de cultura.

Por outro lado, esse povo das universidades tá dando mais valor ao cordel, mas nem todos têm a sorte de um Patativa, de ter seu trabalho reconhecido em vida. Geralmente a obra só é considerada importante depois que o cabra morre.


8 – Você gosta de Patativa?


CL – Eu o admiro demais... Gostaria muito de dar-lhe um abraço. Aliás, na frente dele, eu nem me considero poeta.


9 – Quais os maiores cordelistas, no seu ponto de vista?


CL – São todos do passado, já falecidos: Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Manoel D’Almeida Filho, Delarme Monteiro, José Pacheco da Rocha e José Camelo de Melo Resende.


Entrevista concedida a Arievaldo Viana, em Juazeiro do Norte-CE, no dia 17 de Janeiro de 2000, às 8:00h da manhã, no Hotel São Francisco, para a Revista SINGULAR.




BIOGRAFIA
Por Everardo Ramos

José Costa Leite nasceu em 27 de julho de 1927, em Sapé (Paraíba). Diz que nunca freqüentou a escola, tendo aprendido a ler soletrando folhetos de cordel.
Em 1938, muda-se com a família para Pernambuco, fixando residência em Condado, cidade onde mora até hoje. Ainda criança, trabalha nas plantações de cana-de-açúcar e faz seus primeiros versos imitando o cordel.
Em 1947, começa a vender folhetos nas feiras do interior e, em 1949, publica seus primeiros títulos: Eduardo e Alzira e Discussão de José Costa com Manuel Vicente. Logo em seguida, improvisa-se xilógrafo, gravando na madeira a imagem que ilustra seu terceiro título, O rapaz que virou bode. Torna-se, assim, um profissional polivalente, exercendo todas as atividades ligadas à literatura popular: é poeta, editor, ilustrador e continua a vender folhetos, de feira em feira.

Autor de clássicos
Verseja sobre praticamente todos os temas do cordel, sendo o autor de clássicos como A Carta misteriosa do Padre Cícero Romão Batista, O dicionário do amor e Os dez mandamentos, o Pai Nosso e o Credo dos cachaceiros.
Além das histórias em verso, publica anualmente o Calendário Brasileiro, almanaque astrológico de 16 páginas contendo diversos conselhos práticos, de grande sucesso junto ao público.
Denomina sua folhetaria A Voz da Poesia Nordestina. Em 1976, recebe o Prêmio Leandro Gomes de Barros, da Universidade Regional do Nordeste (Campina Grande), pelo conjunto de sua obra, talvez a mais extensa da literatura de cordel brasileira, em número de títulos.

Obras de arte
Suas xilogravuras ilustram inúmeros folhetos – seus e de outros poetas – e ganham status de obra de arte a partir dos anos 1960, quando passam a ser publicadas em álbuns e expostas em museus, no Brasil e no exterior: em 2005, José Costa Leite é o convidado especial de uma exposição realizada no Musée du Dessin et de l’Estampe Originale de Gravelines (França), onde também dá ateliês de xilogravura.
Ao completar 80 anos, em 2007, foi homenageado na Paraíba, juntamente com o escritor Ariano Suassuna, e recebe o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, reconhecimento máximo de um artista de múltiplos talentos, que fez da poesia e da beleza a matéria-prima de seu labor. As informações sobre José Costa Leite constam em entrevistas dadas a Everardo Ramos nos anos de 2000, 2005 e 2008.



José Costa Leite em sua banca de folhetos


quinta-feira, 19 de maio de 2011

Ô INJUSTIÇA!


Lembram do prêmio MAIS CULTURA - Edital PATATIVA DO ASSARÉ?
Aquele, que seria a redenção do poeta popular...
O ingresso definitivo do cordelista no sagrado Panteão do Ministério da Cultura?
Pois bem, o tempo vai passando e o desrespeito aumentando.

Todo mundo recebe o dinheiro do MINC,
Todo mundo... Cantores, atores, produtores culturais...
 Só cordelista é que fica de fora.
Como diria o sapo que não foi convidado à festa no céu:
Ô INJUSTIÇA!!!


O cordelista é o sapo
Que vive vagando ao léu
O MINC premia a todos
E paga, de déu em déu
Mas no meu ponto de vista
Só não chamam CORDELISTA
Pra ir à festa no céu.


Já pensei com meus botões:
Vou receber meu tutu
Eu vou entrar na viola
Do meu compadre URUBU
Mas Urubu, companheiro,
É poeta e violeiro
Também vai tomar... na rima!



No blog 'Jangadeiro Online' encontramos este lúcido protesto do poeta canindeense Pedro Paulo Paulino, na forma de um mote bastante sugestivo:


OPINIÃO: O LULA SAIU DEVENDO E A DILMA NÃO QUER PAGAR
Por Wanderley Pereira - Da Redação

Artistas populares de todo o Brasil que foram classificados no Prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel 2010 – Edição Patativa do Assaré, do Ministério da Cultura, estão insatisfeitos com a demora no pagamento da premiação. O edital do concurso foi lançado em Juazeiro do Norte, no dia oito de junho do ano passado. O resultado final foi publicado no Diário Oficial da União, no dia 14 de dezembro de 2010 e republicado duas vezes. Destinado a iniciativas culturais vinculadas à criação e produção, pesquisa, formação e difusão da Literatura de Cordel e linguagens afins (xilogravura, repente, coco e embolada, entre outras), o concurso dispõe de premiação total de R$ 3 milhões. Porém, Até agora, o MinC não informou quando será feito o pagamento aos ganhadores.
O cordelista Pedro Paulo Paulino, de Canindé, Ceará, manifesta em versos o seu protesto:

O LULA SAIU DEVENDO
E A DILMA NÃO QUER PAGAR

Eu ganhei do Ministério
Da Cultura do Brasil
Um prêmio de 7 mil
Num concurso pouco sério,
Pois não sei por qual mistério
A grana não quer chegar,
Não sei a quem reclamar,
Porém disso estou sabendo:
O Lula saiu devendo
E a Dilma não quer pagar.

No mês de junho que vem,
Já vai completar um ano
Que vivo no desengano
Sem receber um vintém.
Você, poeta, também,
Que pôde participar
E também classificar
O seu trabalho, está vendo:
O Lula saiu devendo
E a Dilma não quer pagar.

Será que o Lula levou
A grana dos cordelistas
E também dos repentistas
E a todos nós enganou?
Ou será que ele deixou
Escondido num lugar
Que ninguém pode encontrar?
O tempo assim vai correndo:
O Lula saiu devendo
E a Dilma não quer pagar.

Esse prêmio intitulado
Patativa do Assaré
Vem usando de má-fé,
Porque já foi publicado.
O MinC comprou fiado,
Sem da conta se lembrar.
Vamos todos levantar
Nossa voz assim dizendo:
O Lula saiu devendo
E a Dilma não quer pagar.

(...)

Fonte: http://blog.jangadeiroonline.com.br