sábado, 16 de junho de 2012

ALZIRINHA CENTENÁRIA

ARIEVALDO E SUA AVÓ CENTENÁRIA



Há exatos cem anos, no dia 16 de junho de 1912, nascia em Fazenda Castro, município de Quixeramobim, Alzira de Sousa Viana, filha de Francisco de Assis de Sousa (Fitico) e Maria das Mercês Sousa Viana. Falo de minha avó paterna, tantas vezes citada como a pessoa que mais contribuiu com a minha alfabetização e de quem herdei o gosto pela escrita e pela leitura. Numa época em que as mulheres sertanejas permaneciam analfabetas, vovó teve a sorte de frequentar escolas em Quixeramobim e Canindé, pois seu pai, um homem extremamente religioso e afeito à leitura, logo percebeu nela uma Inteligência extraordinária e queria educá-la para ser freira.

O tempo passou, ela tornou-se adulta e não realizou a expectativa paterna, retornando ao seio da família onde dedicava-se à costura, ao bordado e aos afazeres domésticos. Por essa época já era uma leitora assídua de vários tipos de leitura, mas, por desejo do pai, era quem tirava as novenas de santo (Mês de Maria, Santo Antônio etc), lia os testamentos de Judas e, sobretudo, os folhetos e romances de cordel que por lá apareciam.

Aos 24 anos enamorou-se de Manoel Barbosa Lima, possivelmente seu primeiro e único amor, com quem só pode casar-se depois de fugir de casa, como já foi narrado anteriormente num texto que escrevi sobre o centenário do meu avô. Creio que não é necessário relatar tudo outra vez... Basta o leitor recapitular o nosso blog e procurar a postagem “Mané Lima centenário”. A partir daí, ela passou a assinar Alzira de Sousa Lima pelo resto da vida. O casal teve onze filhos, dos quais sobreviveram nove, apesar da pobreza e dificuldades que enfrentaram no início de sua vida a dois. Na década de 1950 as coisas melhoraram sensivelmente. Manoel ingressou com sucesso no ramo comercial, expandiu a suas relações, adquiriu terras, construiu casa de morada ampla e arejada, enfim, colheu os frutos de seu trabalho perseverante.

Minha avó costumava dizer que quando Deus nos fecha uma porta, Nossa Senhora nos abre uma janela. Na sua visão simples de mulher sertaneja, temente à Deus e devota de Nossa Senhora (jamais deixou de rezar uma novena em devoção à Virgem Maria no mês de maio), vovó queria mostrar com isso que a Providência Divina jamais desampara aqueles que rezam com fé e confiam na graça de Deus. Sobretudo aqueles que sabem dar amor aos seus semelhantes e procuram, de alguma maneira, ajudar o seu próximo. Mas também sabia ser prática e não deixava tudo nas mãos de Deus, procurando fazer a sua parte. Era sempre requisitada quando algum dos netos adoecia, porque era eximia conhecedora do poder medicinal de algumas plantas e também, por experiência, sabia quais os remédios de farmácia poderiam ser úteis. Resultado, todos os netos sobreviveram e somam em torno de 40.

Uma das cenas que me traz a sua imediata recordação é a presença da lua, quando desponta no finalzinho da tarde e fica quase invisível, esperando a cortina da noite para mostrar o seu esplendor. Quando criança, eu sempre a acompanhava nas visitas que fazia aos filhos e vizinhos. Num dado momento, eu via minha avó tirar algum dinheiro do bolso do vestido, apontá-lo em direção à lua e pronunciar algumas palavras em voz baixa. Um dia ela me explicou o motivo. Era uma oração que aprendera quando criança, pedindo a influência benéfica do velho satélite às suas economias:

Deus vos salve, lua cheia
Clara e resplandescente
Quando fores e vieres
Traga mais desta semente!

Coincidência ou não, nunca faltava dinheiro nos seus bolsos. Era uma verdadeira cacimba de areia, uma fonte quase inesgotável. Todos os anos, na Festa de São Francisco, em Canindé, era vítima dos amigos do alheio. Coitada, curta da vista, com dinheiro nos dois bolsos do vestido, era alvo fácil para os ladrões. Por outro lado, inventou um bolso interno, onde guardava as cédulas graúdas. Os filhos brincavam, sempre que ela chegava à Meca Franciscana: - A mamãe já veio deixar o dinheirinho dos ladrões!

Por falar em ladrão, ela tinha uma oração infalível para descobri-los, o “Responso de Santo Antônio”, que parece só funcionar depois do roubo efetuado, não serve para preveni-lo. Esta poderosa oração é muito conhecida em todo o Brasil e encontra-se num velho livro de orações chamado Escudo Admirável*:


RESPONSO DE SANTO ANTONIO

- Se milagres desejais,
Recorrei a Santo Antônio,
Vereis fugir o demônio
E as tentações infernais.


- Recupera-se o perdido.
Rompe-se a dura prisão
E no auge do furacão
Cede o mar embravecido.


- Todos os males humanos
Se moderam, se retiram,
Digam-no aqueles que o viram,
E digam-no os paduanos.


- Recupera-se o perdido.
Rompe-se a prisão
E no auge do furacão
Cede o mar embravecido.


- Pela sua intercessão
Foge a peste, o erro, a morte,
O fraco torna-se forte
E torna-se o enfermo são.


(Rezar um Glória ao Pai).

- Recupera-se o perdido
Rompe-se a dura prisão
E no auge do furacão
Cede o mar embravecido.


V. – Rogai por nós, bem-aventurado Antônio.
R. – Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.



(Fonte: Escudo Admirável, pág. 451)


Na velhice ficou praticamente cega e o que mais lamentava era não poder ler. Jamais ouvi ela se queixar de não poder ver a fisionomia dos entes queridos ou as belezas de um inverno farto. O que ela realmente lamentava era a impossibilidade de escrever cartas para os parentes distantes (fazia com certa dificuldade, sem acertar com as pautas do caderno) e praticar as suas leituras. Depois de uma bem sucedida cirurgia de catarata ela recuperou parte de sua visão e voltou a ler desembaraçadamente.


Alzira de Sousa Lima faleceu no dia 16 de setembro de 1994, após uma luta contra um câncer no esôfago. Ela tinha a garganta muito estreita e engasgava-se com muita facilidade. Certa feita, engasgou-se com um pedaço de galinha e isso deve ter deixado graves sequelas, possibilitando o desenvolvimento do câncer que a vitimou.


Para mim, Alzira representa um farol na minha formação religiosa e cultural. Sua religião era aquela que Ariano Suassuna costuma chamar de “Catolicismo Sertanejo”, bem identificada com os costumes da nossa região e um pouco distanciada da Igreja de Roma. Dentre os seus santos de devoção figuravam também o Padre Cícero, o Padre Ibiapina e outros pregadores nordestinos. E as festas religiosas nordestinas, como todos sabem, unem o sagrado e o profano, de forma indissociável. Era por isso que eu gostava de ir a Quixeramobim e Canindé em sua companhia, pois ela adorava andar pelas ruas apinhadas de gente, comprando brinquedos, frutas, utensílios domésticos e outras bugingangas. Na data de seu centenário de nascimento, é a singela homenagem que lhe presto, com todo amor e carinho.

Arievaldo Viana Lima


* Sobre o ESCUDO ADMIRÁVEL

Padre Manoel José               
editora: Casa de Cruz Coutinho
ano: 1863
Título completo: Escudo Admirável Para os Males da Vida: Torre fortíssima para o instante da morte e patrocínio efficaz no Divino Tribunal. Nova edição, accrescentada com muitas Novenas e outras devoções Pelo Padre J. R. C.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

CEM ANOS DE GONZAGÃO, 90 DE SINVAL SÁ

Ilustração:  Willian Medeiros

Sinval Sá, o primeiro biógrafo de Luiz Gonzaga, é uma figura admirável. No dia 04 de abril deste ano completou 90 anos de idade. Continua lúcido, ativo e risonho, de bem com a vida. Formado em letras e direito, primeiro lugar em vários concursos públicos, Sinval conseguiu assegurar uma velhice modesta, porém digna. Foi um prazer encontrá-lo em Brasilia, juntamente com o jornalista Assis Ângelo. Sinval nos disse qual o motivo que o levou a escrever a biografia do Rei do Baião. Em 1953, numa terça-feira de carnaval, ele estava em Taubaté-SP, distante da esposa e dos filhos, num desânimo total. De repente, um carro de som passou tocando A VOLTA DA ASA BRANCA, num alto-falante. Foi demais... A saudade do Nordeste e da família o fizeram chorar. "Imagine o que não sentem aqueles nordestinos mais simples, mais humildes, distantes da tera natal, quando escutavam uma canção como essa?", diz Sinval.


Arievaldo Viana, Sinval Sá e Assis Ângelo

Quase dez anos depois desse episódio, Luiz Gonzaga veio fazer show em Fortaleza. Na época, o hotel mais "chique" da cidade era o São Pedro. Incentivado pela esposa, Sinval resolveu ligar para lá e realmente conseguiu falar com o Gonzaga, que lá estava hospedado. A partir daí, a coisa foi se encaminhando. Durante tres meses Sinval frequentou a casa de Luiz Gonzaga na Ilha do Governador, munido de caneta e cadernos, onde fez diversas anotações dos depoimentos que Gonzaga ia lhe passando. Gonzaguinha era bem jovem e passava o dia inteiro trancado no quarto, tocando violão. Sinval diz que jamais o viu sentado à mesa com a família.
Em 1966, finalmente, Sinval Sá conseguiu publicar a primeira edição de seu livro que ainda hoje é considerado um dos mais importantes de todos que já foram escritos sobre Luiz Gonzaga, referência obrigatória para todos aqueles que escrevem sobre a vida do Rei do Baião. Acima, imagem da capa da primeira edição de O SANFONEIRO DO RIACHO DA BRÍGIDA. Abaixo, Arievaldo e Sinval Sá, aos 90 anos de idade.

terça-feira, 12 de junho de 2012

BIOGRAFOS DE LUIZ GONZAGA


Estou em Brasilia e irei encontrar daqui há pouco com dois biografos de LUIZ GONZAGA nos estúdios da TV Câmara, onde iremos gravar depoimentos para um documentário sobre o centenário do Rei do Baião. São eles: Assis Ângelo (autor de Luiz Gonzaga de A a Z) e Sinval Sá (autor de "O sanfoneiro do Riacho da Brígida). A edição acima foi ilustrada por meu irmão Klévisson Viana e publicada pela Realce Editora, do saudoso J. Siqueira.