sábado, 5 de maio de 2018

DO BLOG CONVERSA DE ALPENDRE


Tenho acompanhado nos últimos dias as postagens do blog CONVERSA DE ALPENDRE, focado na tradição, na cultura, na história e notícias do SERTÃO CENTRAL do Ceará, tendo por base os municípios de Canindé, Madalena, Quixeramobim, Quixadá e adjacências. As matérias são interessantes e trazem referências literárias (caso da postagem de uma bela crônica de Rachel de Queiroz).  Defensores que sempre fomos da CULTURA POPULAR e das coisas do sertão, resolvemos divulgar uma das matérias postadas no referido blog, para a apreciação dos leitores do blog ACORDA CORDEL. Confiram.

A matéria a seguir foi extraída do blog CONVERSA DE ALPENDRE, de Júlio Vieira. Confiram...


Foram distribuídas gratuitamente mudas de plantas frutíferas e nativas


MADALENA REALIZA I FEIRA DA AGRICULTURA FAMILIAR

Voltada para promover geração de renda para o pequeno produtor, e contribuir com a qualidade de vida da população, através do fomento à produção e consumo de alimentos orgânicos no município, a Prefeitura de Madalena realizou, no dia 02 de maio próximo passado, a I Feira da Agricultura Familiar. A prefeita Sonia Costa mostrou-se otimista com os resultados obtidos na primeira edição do evento e promete empenhar-se para que a feira continue se realizando regularmente. “Essa primeira versão da Feira da Agricultura Familiar de Madalena foi meio na base do improviso. Tivemos 15 barracas padronizadas, emprestadas pela Prefeitura de Boa Viagem, porém contamos com uma boa participação dos pequenos e médios agricultores e produtores de Madalena, além de uma boa diversidade de produtos. Nosso objetivo é adquirir um kit de barracas para o nosso município e continuar realizando a Feira regularmente” – disse a prefeita.
Carlos Flaubert Patrício é outro que se mostra satisfeito com a iniciativa. “A feira serve para as famílias venderem seus produtos e ainda evitarem a figura do atravessador. Por ter sido a primeira precisa de alguns ajustes, mas o objetivo foi alcançado. Pretendemos torná-la semanal.”
Milho verde, feijão, jerimum, pimentão, mel de abelha, hortaliças foram alguns dos produtos expostos nas barracas. Houve distribuição gratuita de mudas de plantas. Também houve a comercialização de pequenos animais: aves, ovinos e caprinos. Os participantes ficaram muito felizes com o resultado, porque a feira atraiu bastante compradores.
Na opinião do Diretor de Meio-Ambiente do Município, professor Renê Sousa, trata-se de uma ação de grande importância para o município, pois irá trazer benefícios aos pequenos produtores rurais. “Através da feira podemos mostrar para toda região uma grande variedade de produtos produzidos e criados aqui no município de Madalena (frutas, legumes, hortaliças, derivados de leite, ovos e galinhas caipira, entre outros), bem como irá trazer uma renda extra ao homem do campo.”
Ele avalia ainda que essa feira aos poucos irá se tornar uma tradição, beneficiando também as pessoas que irão comprar, pois ali só tem produtos livres de agrotóxicos totalmente naturais.
“Como filho de agricultor, nascido e criado na roça, vejo que é de suma importância a criação dessa feira, pois estará dando oportunidade para aqueles que trabalham e vivem no campo levar até a cidade as riquezas que são produzidas com muito suor e dedicação, fazendo com que os mesmos tenham oportunidade de expor e vender sua produção sem que precise de atravessador. Madalena está de parabéns por esta ação o qual foi realizada pela Secretaria de Agricultura e apoio das demais secretarias Municipais, com total Apoio de nossa Prefeita Sônia Costa que abraçou essa ideia e colocamos em prática” concluiu Renê Sousa.

QUER SABER MAIS? 

Leia a matéria completa no blog: 
http://alpendresertao.blogspot.com.br/2018/05/uma-boa-noticia.html


quinta-feira, 3 de maio de 2018

Um poema de Evaristo Geraldo




Poeta Evaristo Geraldo na companhia de Chico Pedrosa, Marcelo Soares
e Arievaldo Viana, em Fazenda Melancia - município de Paulista-PB, terra
natal de Leandro Gomes de Barros.

No sertão de antigamente
Autor: Evaristo Geraldo

No sertão de antigamente
Tudo era mais salutar:
Rios e açudes limpos,
Sem Poluição no ar.
As florestas tropicais
Cercavam nossos quintais,
Era lindo o comtemplar!

Na casa do camponês
Entrava comida pura.
Na merenda sempre tinha
Leite, cuscuz, rapadura,
Água fresquinha no pote,
No almoço capão, capote
Com feijão verde e fuçura.

O jantar do sertanejo
Era farinha e coalhada.
Após o jantar ficavam
No alpendre ou latada.
Ali com muita atenção
Falavam de assombração,
De reinos, príncipes e fada.

Naquelas bocas de noite
Sempre faziam leitura
De romances de princesas,
Ou folhetos de bravura
E o leitor, pouco letrado,
Lá recitava empolgado
Versos com desenvoltura

As crianças do passado
Não desenhava em Corel.
Muitas nunca receberam
A visita do Noel
E por serem mui carentes
Nunca ganhavam presentes,
Nem brincavam em carrossel.

Mesmo sem ganhar presentes
As crianças eram felizes.
Faziam os próprios brinquedos,
As mais belíssimas matrizes.
Com ossos velhos de gados
Faziam bandos, soldados,
Conforme suas raízes.

Antigamente os meninos,
Que moravam no sertão
Para brincar precisavam
Forçar a imaginação
Uns fingiam ser soldados
Ou cangaceiros malvados
Do bando de Lampião.

Quem viveu naquela época
Traz tatuado na mente
Boas lembranças vividas
Ao lado de sua gente,
Cenas que o tempo apagou,
Mas que o cérebro preservou
Lá no subconsciente!

Da infância nós trazemos
Esses referenciais,
São estigmas que conduzem
Pelas veredas atuais.
Memórias, belas lembranças
Vividas, quando crianças,
Junto dos manos, dos país!

Fim


EVARISTO GERALDO


terça-feira, 1 de maio de 2018

Relembrando BELCHIOR



Caricatura: Gervásio


UM ANO SEM BELCHIOR, 

UM COMPOSITOR ALÉM DE SEU TEMPO

Transcrito do blog 247

Gustavo Conde(*), 247

A música popular brasileira tem em Belchior um de seus momentos mais densos. O compositor cearense impôs ao cancioneiro brasileiro uma temática complexa, ousada e de forte apelo popular. As letras de Belchior ultrapassam a força da própria canção e invadem o regime das citações sociais de maneira fragmentária e destacada.
É uma organização discursiva espontânea e singular, muito pouco comum para um letrista pertencente ao universo da indústria fonográfica e à cultura popular das narrativas urbanas. Belchior ultrapassa fronteiras formais, instala uma voz poderosa na cena musical e cria um discurso filosófico repleto de intertextos que violenta a percepção do ouvinte tradicional da canção, sugerindo uma ação crítica deste ouvinte, seja com relação a sua existência enquanto sujeito da história, seja com relação à própria canção, numa dialética complexa e de caráter mobilizador.
Belchior escolhe com muita precisão a temática que vai servir de condutor para esta pletora de sentidos. Ele faz uso, em primeiro plano, da história. Suas canções são fortemente contextualizadas no tempo e no espaço. O Brasil dos anos 70 está lá como em poucos outros lugares: as migrações internas, o preconceito, a utopia, a opressão, a cultura como fonte de resistência, a plurivocalidade da canção popular (que se desdobra em tema), a cena familiar e passional típicas de um regime de exceção e exclusão, a amizade revolucionária, a sutileza avassaladora das metáforas que driblam a censura do próprio ‘eu’, enfim, uma organização temática que vai produzir um significado muito peculiar de unidade formal, porque, dentro da sua multiplicidade, vai servir sempre a um sentido fundador e onipresente: o sujeito que não se enquadra nas convenções sociais mas que ao mesmo tempo as respeita e as investe de delicadeza e humanidade.
Em um segundo plano formal, Belchior constrói scripts que conduzirão toda a sua obra de maneira quase obsessiva. Ele lida com dicotomias retoricamente muito poderosas e geradoras de energia narrativa: o velho e o novo, o passado e o presente, o conhecido e o desconhecido, o contemplado e o contemplador, o cantor e o ouvinte, a origem e o fim, o popular e o erudito e a urgência e o vagar.
Todos esses contrários são as molas narrativas que lançam em cena um sujeito tomado por uma tensão filosófica incessante, que estabelece um regime de temporalidades psicológicas vertiginoso, em que os espaços para distensão serão os momentos de resolução das canções, em geral seus finais, em que o eu cancional consegue respirar em meio às suas infinitas indagações existenciais.
Belchior também postula um eu cancional dotado de extrema personalidade, persuasivo, invocador, mobilizador, atentador. Um eu que quer o tempo todo tocar e invadir o espaço de seu outro, seja o objeto desejado na canção, seja o próprio ouvinte da canção. Isso se materializa numa dicção fortemente interpelativa, interlocutória, dialógica. O eu belchioriano é invasivo, revolucionário e dotado de extrema energia simbólica e física – pois ele busca e se debruça via sub narrativas nesse ‘outro’ que habita a canção.
O eu belchioriano, no entanto, vai além. Ele se estilhaça e promove um discurso polifônico, distribuindo a voz múltipla que habita o coração do compositor. A potência de um eu tão complexo e, por vezes, difuso acaba por configurar uma voz extremamente inquieta, como sói acontecer, por exemplo, em Dostoiévski. O eu cancional de Belchior adentra essa sofisticação literária e possibilita essa multiplicidade vocal que, como em Dostoiévski, pode, às vezes, ceder espaço autoral às próprias criações que emanam de uma mente concreta e localizável no mundo (Antonio Carlos Belchior e/ou Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski). Em suma, em alguns momentos um dos vários eus coadjuvantes de Belchior toma posse da narrativa cancional e joga o protagonista para uma posição narrativa secundária (isso acontece em “Paralelas”).
Belchior, portanto, não propõe um eu cancional onipresente apenas: ele propõe um regime de eus. Outra consequência dessa formalização enunciativa é uma voz concreta do intérprete de si mesmo Belchior que acabou por se tornar uma referência estética de projeção vocal. Belchior fala enquanto canta. Ele discursa, acelera os tempos, comprime a prosódia, amplifica a métrica, modula a colocatura, busca a “falha” como expressão, adensa o timbre, manipula o curso natural das resoluções rítmicas, raspa a glote em busca de profundidade passional, alterna coloquialismos, inverte posições sintáticas – aqui, já numa contaminação de sua própria concepção intelectiva das canções como unidades de sentido e de tensão.
Por fim, Belchior inaugura um ethos cancional peculiar, comum aos desbravadores de sentido, por assim dizer. Um ethos é um modo de dizer, uma dicção específica dotada de um tom específico que produz um efeito novo com relação ao conteúdo ali propagado. A título de ilustração, eu colocaria entre os desbravadores de sentido, Darwin, Freud e Marx. Esse autores não foram só autores: eles fundaram discursividades, com suas respectivas maneiras de narrar as próprias descobertas científicas.
À sua maneira, Belchior é um fundador de discursividade. Ele planeja sua peça cancional dentro de um rigor estético muito evidente, mas ao interpretar a si mesmo com sua voz única, ele intensifica ainda mais o sentido geral de seu enunciado.
Belchior é até mais que um intérprete de si mesmo no sentido estrito. Sua própria vida foi tomada pela força de sua obra. Como suas letras já relatavam uma autobiografia fragmentária que se confundia com sua própria vida de compositor e cantor celebrado na cena musical, o desdobramento de ambas, vida e obra, tomou o destino de assalto.
Belchior que amou viajar pelo Brasil e fez disso um tema recorrente em suas canções, acabou ele mesmo confinado em um país vizinho – o Uruguai – para viver seus momentos finais como indivíduo de carne e osso. Projetos interrompidos, legado mal resolvido, legiões de fãs órfãs antes mesmo de sua despedida, tudo isso poderia muito bem compor um desdobramento de sua temática cancional. Aliás, de uma certa maneira, tudo isso está lá, edificado em versos premonitórios e de raríssima beleza e força.

(*) Gustavo Conde é músico, linguista e professor. Lida com teorias do humor e com os processos de produção do sentido político. É autor do Blog do Conde, espaço de discussão de temas políticos, acadêmicos e literários.