quarta-feira, 27 de novembro de 2019

DE QUIXERAMOBIM A CANUDOS




Minha Terceira Expedição a Canudos

Por: Bruno Paulino | Blog Cariri Cangaço



Fui pela primeira vez em Canudos em 2007, assistir o espetáculo Os Sertões, montado pelo diretor teatral José Celso Martinez. Era um jovem de 17 anos querendo compreender alguma coisa do livro vingador de Euclides da Cunha, que eu vinha lendo desde que me entendi por gente. Outra vez fui numa excursão, dez anos depois, com um grupo de amigos no ano de 2017. Todas essas viagens tiveram significados muito particulares para mim. Então, por isso, pela terceira vez, visitei a cidade de Canudos na Bahia. Uma terceira expedição de amor àquela cidade. Continuo, como pesquisador e sujeito, em busca do mistério daquele lugar, sagrado para uns e maldito para outros tantos. Quando assunto é Conselheiro e Canudos, creio que somos todos sempre meros principiantes.
Lá estive no último fim de semana participando da I Feira Literária de Canudos-BA (22,23 e 24 de novembro, de 2019), estiveram reunidos no evento os maiores pesquisadores do tema Antônio Conselheiro e Canudos no Brasil: Pedro Lima Vasconcelos, Luitgarde Oliveira, Sergio Guerra, Fabio Paes, Aleiton Fonseca, Antônio Olavo, Evandro Teixeira, Oleone Coelho e o cantor Jereba dentre outros.  A feira foi um sucesso, sem dúvidas, pois conseguiu o nobre objetivo de envolver parte significativa da comunidade canudense, sobretudo, fiquei feliz de ver a participação das crianças expondo seus trabalhos através da flicanzinha, emocionante.


Paula Georgia e Bruno Paulino

Saímos de Quixeramobim na madruga às três horas da manhã da sexta, 22. Embarcaram comigo nessa aventura os amigos: Pedro Igor, Rabelo, Paula Georgia e Neto Camorim. No caminho conversas diversas, o som moderno dos Novos Baianos alternando com a melodia amorosa e saudosista das canções de Roberto Carlos; a paisagem sertaneja e muita estrada pela frente. Chegamos em Canudos quase duas da tarde, antes almoçamos no distrito de Bendengó, a terra onde caiu o meteoro que no ano passado foi uma das poucas peças a resistir ao incêndio no museu nacional, mais simbólico impossível.
Na sexta à tarde ainda assistimos algumas mesas-redondas e conferências, visitamos uma exposição e compramos livros, pegamos o sol se pondo lindo do mirante onde está assentada uma estatua do Conselheiro que abençoa a cidade; e definitivamente não existe por do sol mais bonito que o de Canudos. À noite uma banda de pífanos se apresentava no palco principal do evento – uma tenda de circo improvisada - enquanto eu comprava artesanatos. Logo depois nos jardins do memorial, escambei alguns de meus livros com outros autores entre conversas e troca de contatos de whatsapp.



Entrega do Diploma do Cariri Cangaço ao Professor Luiz Paulo Neiva em Canudos

A noite fechou magicamente com um show de Fabio Paes cantado clássicos de Canudos e outros Cantos do Sertão, foi nesse momento que ao lado dos escritores; Oleone Fontes, Pedro Igor e Zé Bezerra entregamos com muita honra e de forma solene, o Diploma do Cariri Cangaço ao Curador da FLICAN, professor Luiz Paulo Neiva; em representação a Manoel Severo e toda a família Cariri Cangaço, como o primeiro passo para realizarmos o grande Cariri Cangaço Canudos em 2021 !!!
Sábado de manhã, 23, visitamos o Parque Estadual de Canudos, guiados pelo professor Neto Camorim, que já fez inúmeras visitas ao parque. Emocionei-me, sobretudo, ao ver o marco denominado “Outeiros de Maria” para homenagear as mulheres canudenses vitimas do massacre republicano, que durante a guerra, às seis da tarde, se reuniam para rezar, entoar ladainhas e incelenças. Não preciso e nem quero lembrar o triste destino que muitas delas tiveram após a guerra.
Outra alegria que tivemos foi reencontrar dentro do parque, as margens do Cocorobó, com o professor Pedro Lima Vasconcelos, que me presentou com seu trabalho Antônio Conselheiro por ele mesmo, onde recupera os manuscritos do beato. O professor comentou conosco que está escrevendo um novo trabalho que em breve virá a publico, como o sol estava insuportavelmente quente a conversa não se prolongou.
Saindo do parque fomos ao jorrinho, um balneário local, almoçamos um “bodinho baiano” e peixe com baião de dois. De lá partimos para ver o jogo do Flamengo, com o amigo Pedro Igor, flamenguista dos mais doentes. Findado o jogo só festa. Canudos estava feliz como todo o resto do Brasil pelo titulo do time brasileiro em cima do River Plate, mesmo não torcendo pelo rubro-negro guardarei para sempre essa lembrança comigo. Para findar a noite um show sensacional de Gereba, entoando os versos: “... A história fará sua homenagem à figura de Antônio Conselheiro...”. Domingo de manhã, antes de retornar à Quixeramobim, visitamos Canudos Velha e enquanto olhava para o pequeno museu histórico, montado por seu Manoel Travessa, lembrei-me do filme Bacurau, e era impossível não pensar: Canudos é hoje! Pegamos a estrada no caminho de volta. Canudos, até breve, volto outra vez!

domingo, 24 de novembro de 2019

MESTRES DO CORDEL



JOSÉ PACHECO DA ROCHA, 
O MESTRE DO GRACEJO


Fotografia de JOSÉ PACHECO, restaurada por Klévisson Vianna


Sempre tive profunda admiração pela obra do poeta pernambucano José Pacheco da Rocha, autor, dentre outros, do clássico ‘A chegada de Lampião no Inferno’. Mestre do gracejo, com pleno domínio da métrica e da rima, sobressaía-se mais ainda na condução do enredo, que os estudiosos do cordel classificam como “oração”, ou seja, a sequência dos fatos relatados, já que o cordel é, por excelência, uma poesia narrativa.
Dentre os muitos folhetos de gracejo escritos pelo poeta, destacam-se ainda “A intriga do Cachorro com o Gato”, “A vaca da costela de pau”, “Encontro de Lampião com a Velha Feiticeira”, “Grande debate de Lampião com São Pedro” e este intitulado “A FESTA DOS CACHORROS”, que é o meu predileto, embora seja um dos menos conhecidos.

Seguem algumas estrofes desse maravilhoso folheto, descrevendo o modus vivendi da cachorrada:

Havia um cachorro velho
Chefe da localidade
Os outros lhe veneravam
Com respeitabilidade
Tanto porque era o chefe
Como pela sua idade.

Tinha uma filha bonita
Trabalhava em seu socorro
Dessas que se diz assim:
- Por aquela eu mato e morro
Capaz de embelezar
O coração de um cachorro.

Certo dia um primo dela
Vindo de uma batucada
Passando pelo terreiro
Ela estava acocorada
Catando pulga e matando
No batente da calçada.

- Bom dia, querida prima!
O cachorro assim falou.
Ela respondeu: - Bom dia,
E disse, como passou?
- Então, como vai meu tio?
O mesmo lhe perguntou.

E palestraram bastante
Cada qual mais satisfeito
Foi um namoro pesado
Porém com muito respeito
Mas para se apartarem
Quase que não tinha jeito.

Trocaram dúzias de beijos
Ambos ali abraçados
Choravam um pelo outro
E todos dois agarrados,
Devido a grande amizade
Quase que ficam pegados.

Chegou em casa escreveu:
"Prima do meu coração,
eu não posso deslembrar-me
de tua linda feição,
portanto venho pedir-te
tua delicada mão.

Recomendações à todos,
Um abraço em minha tia
Sem mas assunto desculpe
A ruim caligrafia
Deste teu primo Cachorro,
Etcetera & companhia."

Depois fez no envelope
Um ramalhete de flor
Ele mesmo foi levar
Pra dar mais prova de amor
E mesmo é muito custoso
Cachorro ter portador.

(...)


Quando os pais e os irmãos da ‘moça’ tomaram conhecimento das intenções do Cachorro enamorado, foram radicalmente contra àquela união por ele almejada. O motivo? O dito cachorro além de ser “cachaceiro” era liso e desempregado:

Disseram: - Ele é parente,
Mas anda de cachaçada,
É um liso, não trabalha
Portanto não vale nada!
E por fim até juraram
De botar-lhe uma emboscada.

A Cachorra noiva disse:
- A ele vocês não comem,
E acho conveniente
Que nova reforma tomem
Porque eu só não me caso
Se Cachorro não for homem!

- Ou fazem meu casamento,
Ou então de madrugada,
Eu vou arribar com ele
E fico sendo amigada
Embora a nossa família
Fique desmoralizada!

O velho considerando
Da desmoralização,
Disse pra ela: - Eu te caso,
Mas sustento a opinião
De nem cruzar teus batentes
Nem te botar mais benção!

(...)

Finalmente os familiares da cachorra consentem seu casamento com o primo cachaceiro e, para não fazer feio, resolvem fazer um banquete de arromba. Pacheco começa pela descrição dos presentes recebidos pela noiva e os objetos que o Cachorro noivo adquiriu para mobiliar sua casa:

Vamos tratar dos presentes
Que a noiva recebeu:
Sapato, roupa e capela,
A dona Preguiça deu
Aranha mandou um véu
Que ela mesma teceu

Guariba deu-lhe um buquê
Da barba do Guaribão
O Gato deu aliança
O Timbu uma loção
O Preá lhe deu um bilro
O Rato deu-lhe um botão.

O noivo também comprou
Agulha, linha e dedal
Uma panela e dois pratos,
Uma colher de metal,
Balaio de guardar ovos
Vasilha de botar sal.

Abano, esteira, pilão
Um ralo e um samburá
Marmita, gamela e cuia
Vassoura, estopa e puçá
Fez a conta e depois disse:
- Pra quem é pobre já dá!

No dia do casamento
Estava tudo arrumado,
Faltava somente a carne
Para tratar do guisado
Com pouco, cada cachorro
Chegava mais carregado.

Um trazia um pinto morto,
(Não sei onde foi achá-lo )
Outro trazia também
Uma ossada dum galo.
Teve um que trouxe até
A ossada dum cavalo.

Vinha um com tanto troço
Que no caminho quase cansa,
Uma queixada de burro
Os encontros de uma gansa
Pedaços de couro velho
Pontas de boi da matança.

O mais engraçado de tudo é o “asseio” da cozinheira contratada para fazer o banquete. Uma cachorra velha parteira, que se encontravam doente de rabugem e catarro:

Uma parenta do velho
Era até boa parteira
Pegava cachorro novo
Ali naquela ribeira
Por ser curiosa e limpa
Foi servir de cozinheira.

Chegou e disse: - Meu povo,
Eu vim porque fui chamada,
Porém estou com rabugem
E muito encatarroada
O dono da casa disse:
- Ora comadre, isto é nada!

- Temos aí muita carne
Arroz, macarrão, farinha,
Guise lombo,  faça bife,
Torre porco, asse galinha,
Eu quero é que todos digam
Que na festa tudo tinha.

- Está certo meu compadre!
Disse um cachorro cotó,
Disse a noiva: - Sendo assim,
Eu hoje encho o bozó.
Disse o noivo: - Eu como tanto,
Chega o rabo dá um nó!

BIOGRAFIA DO POETA JOSÉ PACHECO
Por Leonardo Vieira de Almeida*

José Pacheco da Rocha, ou José Pacheco, como é mais conhecido, nasceu no Município de Corrientes, em Pernambuco, residindo algum tempo na cidade de Caruaru, naquele mesmo estado.
Viveu muitos anos em Maceió, Alagoas, vindo a falecer naquela cidade, provavelmente em 1954. Folhetos de sua autoria foram publicados pela Luzeiro Editora, de São Paulo. Recentemente, a Editora Queima-Bucha, de Mossoró (RN), publicou o folheto A intriga do cachorro com o gato. Além disso, há edições de suas obras pela Catavento, de Aracaju (SE); Lira Nordestina, de Juazeiro do Norte (CE); Coqueiro, de Recife (PE), e por outras editoras.
Seus folhetos mais importantes são História da princesa Rosamunda ou a morte do gigante e A chegada de Lampião no inferno. As histórias de gracejos são um dos aspectos marcantes dos cordéis de José Pacheco, considerado um dos maiores cordelistas satíricos do Brasil. Mas o poeta se dedicou também a outros temas, como histórias de bichos, religião e romances.

Referências

▪ GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Secretaria do Estado de Ciência e Cultura e Departamento de Cultura – INEPAC/Divisão de Folclore. O cordel no Grande Rio. Rio de Janeiro: 1978.
▪ LOPES, Ribamar. Literatura de cordel: antologia. Fortaleza (CE): 1983, BNB.
▪ PROENÇA, Manoel Cavalcanti (Org.). Literatura popular em verso: antologia. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1986.
▪ CARDOSO, Tânia Maria de Souza Cardoso. Cordel, cangaço e contestação: uma análise dos cordéis "A chegada de Lampião no inferno" (José Pacheco da Rocha) e "A chegada de Lampião no céu" (Rodolfo Coelho Cavalcante). Rio Grande do Norte: Coleção Mossoroense, 2003.

* FONTE: CASA DE RUI BARBOSA