domingo, 7 de setembro de 2014

O NETO DE PEDRO MALAZARTES


MALAZARTES - Ilustração de Jô Oliveira


Pedro Malazartes, ilustração de Klévisson Viana


No "Romance da Pedra do Reino" mestre Ariano Suassuna cita diversos folhetos, dentre eles esse divertido cordel de Luiz Rodrigues de Lira - A VIDA DE JOÃO MALAZARTES, cem por cento ambientado no Nordeste Brasileiro. A cena destacada por Suassuna é o encontro de João com um simplório português, a quem convence passar pimentas malaguetas no próprio fiofó:



A vida de João Malazarte

Luiz Rodrigues de Lira
Quem nunca leu a história
Do tal João Malazarte
Aproxime-se e ouça
O valor de sua arte
O ente mais presepeiro
Conhecido em toda parte.

Morreu Pedro Malazarte
Porém deixou o seu neto
De presepada e mentira
O João ficou completo
Nos lugares que andou
Não ficou ninguém quieto.

(...)

Devido às trelas, João
Apanhava todos dia
Porém não se emendava
No lugar aonde ia
Fazia grande alvoroço
E para casa corria.

João Malazarte um dia
Encontrou-se com um padre
Disse: abença meu padrinho
Mamãe a sua comadre
Mandou eu passar o dia
Com vacê na santa madre.

O padre levou João
Porque tinha um afilhado
Porém não o conhecia
Chegou bastante cansado
Deitou-se na sacristia
Ferrou num sono pesado.

Enquanto o padre dormia
João se achando só
Melou a cara do padre
De rouge, batom e pó
Depois destrancou o cofre
Tirou dinheiro sem dó.

Um gato do capelão
João pode agarrar ele
Fez um facho de molambo
Amarrou na cauda dele
Ensopou de querosene
Depois tocou fogo nele.

O padre estava dormindo
Não viu João fazer nada
O gato enguiçou ele
Com a cauda incendiada
Trepou-se no altar-mor
Fez uma grande zoada.

Incendiou-se o altar
Cobriu-se todo em fumaça
João disse: seu padre acorde
E pule pela vidraça
Se não o gato lhe morde
E o senhor se desgraça.

O padre se acordou
Naquele grande alvoroço
Correu atrás de João
Para cortar-lhe o pescoço
João na frente gritava
— O bom eu levo no bolso.

Adiante João entrou
Na casa de uma velhinha
O padre parou na porta
João saiu na cozinha
Entrou numa capoeira
Que por trás da casa tinha.

Reuniu-se o pessoal
Pra saber do ocorrido
O padre todo melado
Cansado e aborrecido
Um rapaz disse: Seu padre
O seu rosto está tingido.

Uma moça anarquista
Dessas que tem no Brasil
Perguntou ao capelão:
— Vai dançar hoje, seu Gil?
O senhor ainda é padre
Ou velho de pastoril?

(...)

Nisso João Malazarte
Sua marcha continua
Dizendo: Não me interrompa
Com essa besteira sua
O meu pai disse que eu
Não demorasse na rua

O guarda disse: Seu corno
Está com malcriação
João lhe disse: respeite
O filho de um barão
Se eu contar ao meu pai
Você vai para a prisão

O guarda ficou com medo
Deixou João ir embora
No fim da rua João
Encontrou uma senhora
Disse: Abençoa, minha tia
Como vai? Aonde mora?

A mulher disse: Estou boa
Moro ali numa choupana
João disse: Eu vou agora
Conhecer sua cabana
E também com a senhora
Eu vou passar a semana

A mulher tinha um sobrinho
Parecido com João
Morava no Cariri
Na fazenda do Grotão
Levou ele para casa
Chamando-o Sebastião.

A mulher era viúva
Tinha uma filha mocinha
João perguntou: Titia
Como se chama a priminha.
A velha disse: Menino
Esta não é Terezinha!

Depois da ceia a viúva
Perguntou: Sebastião
O teu pai ainda é dono
Da fazenda do Grotão
João disse: E ele vende
Aquela situação?

Ele fez uma igreja
No pé de um grande monte
Um jardim e um banheiro
Na margem de uma fonte
No jardim tem uma estátua
Apontando o horizonte.

Quando vem rompendo o dia
Que a passarada canta
Surge uma grande alegria
Todo povo se levanta
E pra adorar o santo
Vai à igrejinha santa.

Quando João se calou
Perguntou-lhe Terezinha
— Sebastião, tu me levas
Pra eu ver a igrejinha
E também passar uns dias
Com minha prima Julinha?

João lhe disse: Pois não
Estou pronto pra levar
Se titia consentir
Você pode se arrumar
A velha disse: Eu consinto
Nele eu posso confiar

João consigo dizia
— A garota é bonitinha
A velha é besta demais
Pensa que é tia minha
Presta confiança a mim
Eu ajeito esta bichinha

A mulher disse a João
Quando ele foi embora
— Você leva Terezinha
Porém volte sem demora
Só passe por lá um mês
João disse: Sim, senhora.

João largou-se no mundo
Com destino ao sertão
Foi parar em Vila Bela
Liso, sem um só tostão
Lá empregou Terezinha
Para apanhar algodão.

Passou o resto do ano
Terezinha não voltou
A mãe dela impaciente
Para fazenda rumou
Deu a jornada perdida
Porque não a encontrou.

(...)

Chegou no Seridó liso
Não tendo do que viver
Arranjou umas pimentas
E foi pra feira vender
Porém no caminho fez
Um português se morder.

Encontrou um português
Com um jumento acuado
Carregado com panelas
Sobre o caminho parado
E português dando nele
Porém o burro emperrado.

João disse: Camarada
Eu tenho um remédio aqui
Deu-lhe as pimentas dizendo
— Como este nunca vi
Esfregue no fundo dele
Depois puxe-o por ali.

Ele passou as pimentas
No lugar que João mandou
O jumento deu dois coices
Que a cangalha virou
As panelas se quebraram
E o burro desembestou.

João disse ao português
— O jumento já correu
Com o remédio no fundo
Ele desapareceu
E você só pega ele
Se também passar no seu.

O pobre do português
Para pegar o jumento
Passou a pimenta ardosa
No lugar que sai o vento
João disse: oh! cabra besta
Desgraçaste o fedorento.

Quando o português sentiu
O ardor no fiofó
Puxou a faca da cinta
João disse: Fique só
Duma carreira que deu
Foi parar em Mossoró.

(...)

Fonte: www.jangadabrasil.com.br