quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O CICLO DAS PELEJAS NO CORDEL


PELEJA DE BERNARDO NOGUEIRA 
COM PRETO LIMÃO

Quase todas as "PELEJAS" na literatura de cordel são imaginárias, criação individual de determinado poeta que usa o nome de dois cantadores famosos para engendrar a contenda. Algumas são tidas como verdadeiras, caso de INÁCIO DA CAATINGUEIRA E ROMANO DA MÃE D'ÁGUA ou mesma a de CEGO ADERALDO COM ZÉ PRETINHO DO TUCUM. Esta peleja de Bernardo Nogueira com Preto Limão é atribuída a João Martins de Athayde, poeta-editor paraibano que adorava esse gênero:

TRECHOS

PELEJA DE BERNARDO NOGUEIRA COM PRETO LIMÃO
Autor: João Martins de Athayde

Em Natal já teve um negro
Chamado Preto Limão
Representador de talento
Poeta de profissão
Em toda parte cantava
Chamando o povo atenção

Esse tal Preto Limão
Era um negro inteligente
Em toda parte que chega
Já dizia abertamente
Que nunca achou cantador
Que lhe desse no repente

Nogueira sabendo disto
Prestava pouca atenção
Dizendo: – eu nunca pensei
Brigar com Preto Limão
Sendo assim da raça dele
Eu não deixo nem pagão


O encontro destes homens
Causou admiração
Que abalou o povo em roda
Daquela povoação
Pra ver Bernardo Nogueira
Brigar com Preto Limão


Eu sou Bernardo Nogueira
Santificado batismo
Força de água corrente
Do tempo do Sacratíssimo
Quando eu queimo as alpercatas
Pareço um magnetismo

  
Me chamam Preto Limão
Sou turuna no reconco
Quebro jucá pelo meio
Baraúna pelo tronco
Cantador como Nogueira
Tudo obedece meu ronco

(...)


BN - Cantador com Nogueira não peleja
Sendo assim como o tal Preto Limão
Só se for pra tomar minha lição
Ele engole calado e não bodeja
Vai comendo da mesa o que sobeja
Precisa me tratar com muito agrado
No instante fazer o meu mandado
É de pressa, é ligeiro, é sem demora
Qu’eu não gosto de moleque que se escora
Pois assim é qu’eu o quero por criado.

PL - Vale a pena não seres cantador
É melhor trabalhares alugado
Vai cumprir por aí teu negro fado
Vai viver sob o ferro dum feitor
Da senzala já és um morador
Teu trabalho é lá na bagaceira
O que ganhas não dá pra tua feira
Renego tua sorte tão mesquinha
Que te sujeitas às amas da cozinha
E te ofereces pra delas ser chaleira.

BN - Este homem já vive desvalido
É descrente de Deus e da Igreja
Lúcifer o teu nome já festeja
Tu só podes viver é sucumbido
Sois tão ruim que só andas escondido
Para Deus nunca mais serás fiel
Tua raça é descendente de Lusbel
Que do Céu já perdeste a preferência
Farás tua eterna convivência
Lá embaixo dos pés de São Miguel

PL - Tu pareces que vinhas na carreira
Sempre olhando pra frente e para trás
Como quem chega assim veloz de mais
Eu vi bem quatro paus de macaxeira
Uma jaca partida e outra inteira
Também vi dois balaios de algodão
Creio que tu já foste um ladrão
Com o peso fazia andar sereno
Às dez horas da noite, mais ou menos

Encontrei-te com esta arrumação.





O POETA-EDITOR JOÃO MARTINS DE ATHAYDE

Naturalidade: Ingá do Bacamarte – PB
Nascimento: 23 de junho de 1880 / Falecimento: 7 de agosto de 1959
Atividades artístico-culturais: Poeta popular, escritor e editor
João Martins de Athayde nasceu em Cachoeira de Cebolas, povoado de Ingá do Bacamarte – PB. Não frequentou a escola, aprendeu a ler e escrever sozinho. Segundo seu próprio depoimento, aos oito anos, assistindo pela primeira vez a um desafio de Pedra Azul, um famoso cantador da região, começou a se interessar e fazer poesia popular.
Migrou para Recife, vizinho Estado de Pernambuco. Publicou o seu primeiro folheto em 1908, impresso na Tipografia Moderna. Um preto e um branco apurando qualidades. Embora seja da primeira geração dos poetas de cordel, não pertenceu ao grupo que frequentava a Popular Editora, de Francisco das Chagas Batista.
Em 1909, conseguiu montar uma pequena tipografia na Rua do Rangel, no  bairro de São José, tornando-se um dos maiores editores de folhetos de cordel do País. Da sua oficina saíram, durante mais de quarenta anos, estórias fantásticas, recriações de estórias famosas, crítica de costumes, notícias de acontecimentos da época que divertiam, informavam e educavam o homem da cidade grande e das localidades mais distantes do Nordeste brasileiro.
João Martins de Athayde contribuiu grandemente para o desenvolvimento da arte e da comercialização do folheto popular no Recife. Foi o desbravador da indústria do folheto de cordel no País. Industrializando e comercializando sua produção e a de outros artistas, criou uma grande rede de atividades lucrativas no Nordeste, que se espalhou para outras regiões brasileiras, possibilitando a diversos poetas populares se dedicarem exclusivamente à poesia como atividade profissional.
Foi o responsável por profundas mudanças na edição de folhetos de cordel, no que se refere à relação entre os artistas e a tipografia, criando, inclusive, contratos de edição com o pagamento de direitos de propriedade intelectual, o uso de subtítulos e preâmbulos em prosa e a sujeição da criação poética ao espaço disponível, fixando-se o padrão dos folhetos pelo número de páginas em múltiplos de quatro.  A apresentação gráfica dos folhetos deu-se devido às ideias de João Martins de Atayde.
Sua admiração por Leandro Gomes de Barros não era correspondida. Ao contrário: por duas vezes foi destratado (na resposta ao folheto Discussão de Leandro Gomes de Barros com João Athayde e na contestação que recebeu o seu poema O marco do meio mundo). Para Ruth Terra, as respostas de Leandro, apesar de serem contraditas, revelam o seu reconhecimento da importância de Athayde. Em 1918, Athayde escreveu A pranteada morte do grande poeta Leandro Gomes de Barros.
Em 1921, adquiriu os direitos de publicação de toda a obra de Leandro e iniciou a republicação, inicialmente, se indicando como editor e, posteriormente, retirando a informação da autoria de Leandro.
Foi aclamado na década de 1940 como o maior poeta popular do Nordeste.
João Martins de Athayde, no ano de 1949, após haver passado por um acidente vascular cerebral, se afastou da atividade de editor, vendeu a sua tipografia para José Bernardo da Silva, repassando-lhe os estoques e os direitos de edição sobre tudo o que publicou. O cordelista faleceu 10 anos depois em Limoeiro – PE, no ano de 1959.

Folhetos atribuídos a João Martins de Athayde: A Bela Adormecida no Bosque; A Garça Encantada; A Menina Perdida; A Moça Que Foi Enterrada Viva; A Paixão de Madalena; A Pérola Sagrada; A Sorte de uma Meretriz; História Da Moça Que Foi Enterrada Viva; História Da Princesa Eliza História de Joãozinho E Mariquinha; História de José do Egito; História de Natanael e Cecília; História de Roberto do Diabo; História do Valente Vilela; Mabel Ou Lágrimas De Mãe – Dois Volumes; O Balão do Destino e a Menina da Ilha (2 Volumes); O Estudante que se Vendeu ao Diabo; O Marco do Meio Mundo; O Namoro de um cego com uma Melindrosa da Atualidade; O Prisioneiro do Castelo da Rocha Negra; O Retirante; O Segredo da Princesa; Peleja de Antônio Machado com Manoel Gavião; Peleja de Bernardo Nogueira Com Preto Limão; Peleja de Laurindo Gato com Marcolino Cobra Verde; Peleja De Ventania Com Pedra Azul; Raquel e a Fera Encantada; Romance de José de Sousa Leão do Amazonas, Romeu e Julieta e Um Passeio no Escuro.

Pesquisa de José Paulo Ribeiro (Guarabira-PB)

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

ZÉ LIMEIRIANDO


Uns sessenta e tantos anos antes de Orlando Tejo nos apresentar ZÉ LIMEIRA, o Poeta do Absurdo, o velho LEANDRO GOMES DE BARROS andou praticando umas estrofes "limeirianas", incluindo o famoso farmacêutico ALPHEU RAPOSO, de Recife. O poema é da primeira década do século passado. Confiram:

O ANTIGO E O MODERNO

Leandro Gomes de Barros


Quando o velho Santo Jó
Viu-se doente e leproso
No Recife Alfeu Raposo
Mandou-lhe uma fricção,
A mulher dele mandou
Pedir ao Dr. Tomé
Na farmácia São José
O Elixir da Salvação.


Nas bodas de Canaã
Que Cristo fez da água vinho
A Lanceta de Agostinho
Exagerou sem limite
Soares Raposo deu
Carne para lombo e bife
E o Jornal do Recife
Fez os cartões de convite.


São Pedro era pescador
Antes de seguir Jesus
Quando o Dr. Santa Cruz
Tomou conta de Monteiro
Nero Imperador Romano
Mandou um seu paladino
Chamar Antônio Silvino
Para ser seu cangaceiro.

Leandro Gomes de Barros