sábado, 25 de fevereiro de 2012

DUPLO SENTIDO X PORNOGRAFIA


"Eu vou botar o saco pra dentro..." - Saco de Cimento, Zenilton


MEU CASAMENTO
(Zenilton)

Seu moço eu inventei de me casar
E fui morar numa casinha bem singela
Minha mobília era uma cama quebrada
Duas panelas furadas, três pratos e uma tigela
A minha noiva ela também é pobrezinha
Ela só tinha uma cabacinha
Eu fui buscar água nela
Veja seu moço, tinha um toco no caminho
Eu tropecei no danadinho
E quebrei a CABAÇA DELA...

Quebrei, quebrei, quebrei a cabaça dela
Quebrei, quebrei, quebrei a cabaça dela.

A grita é geral. Os amantes da boa música não se conformam com o circo de horrores que se tornou a música popular brasileira nos últimos 30 anos. Há que se entender que não se trata do gosto das novas gerações, mas de uma imposição mercadológica capitaneada por uma verdadeira máfia. 90% das rádios, que são concessões públicas, fazem parte desse esquema nojento de só tocar música descartável mediante o velho jabá. As músicas de Zenilton, Genival Lacerda e João Gonçalves, consideradas super-imorais nas décadas de 1970-80 hoje soam inocentes diante de tanta baixaria. Na verdade há uma enorme diferença entre DUPLO SENTIDO e PORNOGRAFIA. No duplo sentido, o artista faz um arrodeio inteligente para dizer as coisas de forma subliminar. No pornoforró e no funk, a coisa é mais direta que um coice de mula no testículo esquerdo do tangedor.
Para os puristas, aqueles saudosistas que dizem que a música morreu na década de 1960, vejam essa pérola que fez sucesso no carnaval de 1920, intitulada "Na minha casa não se racha lenha"...


ATENÇÃO! Esse texto será postado amanhã, terça-feira (28/02) em sua forma integral na Coluna Mala da Cobra. Aqui está postado somente um resumo. Veja o site da BESTA FUBANA: www.luizberto.blogspot.com

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A MAIOR POLÊMICA DO CORDEL

Ilustração de Arievaldo Viana para o cartaz do III Festival Internacional de Poesia Popular

Quem assistiu ao desfile da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro deve ter percebido que o principal destaque foi o PAVÃO MISTERIOSO, um dos maiores clássicos da literatura de cordel, obra sobre a qual paira uma nuvem de mistério e ainda persiste uma acirrada polêmica sobre sua verdadeira autoria. Embora a grande maioria dos pesquisadores aceitem a versão amplamente divulgada pelo Dicionário Bio-Bibliográfico de Repentistas e Poetas de Bancada, de Átila de Almeida e José Alves Sobrinho, de que a mesma é de autoria de José Camelo de Melo Rezende e que teria sido "usurpada", "reescrita" ou "adulterada" pelo poeta João Melchíades Ferreira da Silva é oportuno registrar que a versão de José Camelo tinha 40 páginas, enquanto a de Melchíades possuía apenas 32 páginas e foi a que se tornou mais famosa e amplamente aceita pelo público, conforme atestavam Maria de Jesus da Silva Diniz e Expedito Sebastião da Silva, da Tipografia São Francisco. No desfile da Salgueiro senti a ausência de dois nomes fundamentais dos primórdios do cordel: Leandro Gomes de Barros, o pioneiro na publicação de folhetos rimados e João Melchíades Ferreira, que divide com José Camelo a divulgação desse tema que tem raízes no livro das "Mil e uma noites". Vejamos a seguir, um texto que escrevi em 2001 sobre a tal polêmica, logo após assumir a cadeira de número 40 da ABLC, cujo patrono é justamente João Melchíades Ferreira:

O CANTOR DA BORBOREMA
E O PAVÃO MYSTERIOSO
 
Por: Arievaldo Viana, da ABLC
 
Dizem por aí que a primeira impressão é a que fica. Confirmo esse dado quando se trata da infância, onde nossos cérebros são como disquetes ou fitas virgens prontos para gravações, sendo que muitas delas permanecerão indeléveis pelo resto de nossas vidas. O primeiro folheto do PAVÃO MYSTERIOSO (Com “Y” mesmo) que me chegou às mãos fora editado pelas “Filhas de José Bernardo da Silva, de Juazeiro do Norte. Nele,  constava como autor JOÃO MELCHÍADES FERREIRA, poeta nascido em Bananeiras-PB aos 07 de setembro de 1869 e falecido no dia 10 dezembro de 1933. Melchíades sentou praça no exército aos 19 anos de idade, ainda na monarquia, sendo promovido a sargento após a Guerra de Canudos, onde combateu. Em 1897 casou-se com Senhorinha Melchíades, com quem teve quatro filhos. Sua filha Santina Melchíades da Silva, prestou excelentes informações sobre o poeta à pesquisadora Ruth  Brito Lêmos Terra, autora do livro “Memória de Lutas: Literatura de Folhetos do Nordeste – 1983-1930. Ruth Brito apresenta João Melchíades como um dos pioneiros na publicação de folhetos rimados, ao lado de Leandro Gomes de Barros, Chagas Batista, José Adão e João Martins de Athayde. Nesta obra, a autora publicou a íntegra de uma correspondência dirigida por João Melchíades à sua esposa, em 1914, onde o poeta fala da primeira edição de Cazuza Sátiro, o matador de onças, “que sairia com 66 páginas, maior que o de Esmeraldina e Otaciana”. O poeta informa ainda o custo de impressão e o preço de revenda dos folhetos, o que torna a correspondência uma verdadeira preciosidade.
 
Mas, voltemos ao PAVÃO... Talvez eu já trouxesse no genes a informação primitiva do inconsciente popular ou das  leituras realizadas por minha avó e por meu pai, desde o meu nascimento. Por isso, o tal romance me fascinou. A referida edição apresentava capa em xilogravura atribuída por Stênio Diniz ao poeta e xilógrafo Damásio Paulo da Silva. Damásio foi, durante as décadas de  40 e 50, o “Mestre Gráfico” de José Bernardo da Silva, conforme atesta Expedito Sebastião da Silva no folheto “A XILOGRAVURA E SEUS ARTISTAS”. No final da década de 60, Damásio residia no município de  Boa Viagem-CE e sobrevivia da venda ambulante de remédios, folhetos e “ouro” do Juazeiro. Na sua vida de mascate, chegou a hospedar-se algumas vezes na fazenda de meus avós, no interior de Quixeramobim e foi responsável pelos primeiros “versos” que me chegaram às mãos.
Os tempos passaram e o cordel entrou em crise, porém não pedi o Pavão de vista, ele que havia voado por ‘tantos céus assim’ serviu de tema para música imortal do cearense EDNARDO. E, segundo afirmam alguns críticos musicais, o vôo do Pavão driblava a Ditadura Militar, justamente no verso “Um Conde raivoso, não tarda a chegar” para, logo em seguida, apresentar uma solução poética: “eles são muitos, mas não podem voar...”.
Li sobre Ícaro, Da Vinci, Santos Dumont, sempre com o nome de João Melchíades Ferreira na cabeça. Afinal de contas, ele era o “homem do Pavão”, uma pessoa que desejava alçar vôo e transpor o impossível. Anos mais tarde, o  renomado pesquisador RIBAMAR LOPES, organizador de antologia de cordel editada pelo BNB conjecturou em conversa informal  com o autor dessas linhas que o Pavão poderia ser na verdade uma espécie de helicóptero, haja visto que os seus recursos de vôo superam tudo o que se conhecia sobre a aviação em 1923, época em que o romance foi escrito. Esta evolução seria fruto da inventiva brilhante ou da premonição de JOSÉ CAMELO DE MELO REZENDE (1), segundo ele, verdadeiro autor da obra, que se apresentaria então como um visionário, como o foram Da Vinci e Júlio Verne...

Na década de 1970, o Pavão virou música e inspirou a novela Saramandaia

Isso mesmo. O contato com a obra de renomados pesquisadores da Literatura de Cordel trouxe-me a informação de que o Pavão era criação do poeta José Camelo de Melo Rezende (Guarabira-PB), “usurpada”  pelo “inescrupuloso” João Melchíades... Diante disso, perguntamos: que mecanismos poderíamos utilizar na tentativa de jogar novas luzes sobre o caso de plágio mais famoso da literatura popular nordestina, tantos anos depois?
Ariano Suassuna, em seu “ROMANCE DA PEDRA DO REINO”, cita um personagem – o cantador Lino Pedra Verde, colega de Quaderna e discípulo de João Melchíades, cujo palavra de ordem era “copiar o que é bom...” O velho Melchíades aparece no romance de Suassuna como um mestre versado em estratégias militares, poesia popular e astrologia.

Aterrizando esse Pavão voador e dissipando todo o mistério que o envolve, é bom que se esclareça a verdade: o pavão de alumínio, pilotado sorrateiramente pelo cantador Romano Elias, fugiu em noite silenciosa da oficina de seu criador JOSÉ CAMELO DE MELO (nascido na povoação de Pilõezinhos, município de Guarabira-PB e falecido em Rio Tinto-PB, aos 28 de outubro de 1964), um poeta que “cantou, mas não teve sorte” – como ele próprio afirma no final de um romance de sua autoria -  indo parar no “hangar”  de  JOÃO MELCHÍADES FERREIRA. Camelo já havia composto a história do Pavão mas não a havia publicado, limitando-se apenas a cantá-la em suas apresentações. Era um cantador “de obra feita”, ou seja, de improviso limitado. Melchíades, de posse de uma cópia do poema e aproveitando-se da ausência de Camelo, reescreveu o tema e o publicou. Uma versão deste episódio, atribuída ao poeta Joaquim Batista de Sena, (admirador da obra de Camelo e seu amigo pessoal), dá conta de que na época em que o “Pavão" foi publicado, José Camelo teve que deixar a Paraíba para refugiar-se no interior do Rio Grande do Norte devido uma situação complicada. José Camelo de Melo era, além de grande poeta, um exímio xilógrafo, dado que vem a ser confirmado por Átila de Almeida e José Alves Sobrinho em seu Dicionário Biobibliográfico dos Repentistas e Poetas de Bancada.
Em entrevista recente com seu sobrinho Aroldo Camelo de Melo, também poeta, essa hipótese está totalmente descartada. Aroldo disse, que além do ofício de cantador e poeta de bancada, José Camelo teve apenas a agricultura como outro meio de sobrevivência. Seu irmão Pedro Camelo de Melo é que era marceneiro habilidoso. A maioria dos pesquisadores que se ocuparam dessa questão afirmam que José Camelo fugiu de seu estado natal, no final da década de 1920, temendo ser preso. Aroldo Camelo, em depoimento prestado por e-mail, disse-nos que seu tio foi realmente preso na capital da Paraíba por porte de dinheiro falso. Esse dinheiro, segundo ele, teria sido repassado por um editor inescrupuloso de Recife-PE, que havia lhe comprado alguns originais. Nessa época, o maior editor em atividade no Recife, talvez o único, era o também paraibano João Martins de Athayde. Dado a gravidade dessa acusação, preferimos não referendá-la, a menos que tenhamos acesso à cópia do processo ou noticiário de algum jornal da época, o que achamos muito custoso obter. Teria sido justamente nesse período (fins dos anos 20) que o cantador Romano Elias, de posse de uma cópia do poema, o teria apresentado a João Melchíades que reescreveria o tema e o publicaria em seguida. (Atualizado em 2/2/2015)
Teria sido justamente nesse período que o cantador Romano Elias, de posse de uma cópia do poema, o teria apresentado a João Melchíades que reescreveria o tema e o publicaria em seguida.



Na versão infanto-juvenil, que fiz em parceria com JÔ OLIVEIRA,
fazemos referência aos dois pioneiros, José Camelo e João Melchíades
Mas eis que surge um novo dado na questão, que provavelmente ainda não foi levado em conta. A pesquisadora baiana Jerusa Pires Ferreira (Vitória da Conquista-BA), em seu trabalho “A Força de um Ícone na Literatura de Cordel”, apresentado em 1975, fez uma descoberta bastante curiosa que passou desapercebida à maioria dos pesquisadores empenhados em descobrir a verdadeira autoria do “Romance do Pavão”. Ela constatou diversos pontos de convergência entre a narrativa de “O Príncipe Roldão no Leão de Ouro” e “Romance do Pavão Mysterioso” no episódio que fala do retrato da princesa/condessa que o herói conseguira antes de conhece-la pessoalmente. Nas duas narrativas, o herói apaixona-se de tal maneira pela moça do retrato a ponto de adoecer e desejar conhece-la pessoalmente, para saciar o sua paixão. No caso de “Roldão no Leão de Ouro”, o herói procura um habilidoso artesão que constrói um animal mecânico – o leão de ouro – para chegar na torre em que encontrava prisioneira a Princesa Angélica, filha do poderoso Almirante Balão. No Romance do Pavão Mysterioso, o herói João Batista também procura um engenheiro que constrói um aeroplano-pavão de alumínio, capaz de chegar na torre onde a condessa Creusa encontrava-se prisioneira, a mando do próprio pai. No caso do leão, Roldão consegue penetrar no palácio por meio da astúcia. No caso do pavão, o herói chega a torre sem ser pressentido pelos guardas. Nas duas estórias, a moça é raptada e casa com o herói. Ora, quanto a autoria de “Roldão no Leão de Ouro”, adaptação de um episódio da História do Imperador Carlos Magno e dos Doze Pares de França, não paira a menor dúvida quanto a autoria. Todos os pesquisadores são unânimes em afirmar que a mesma é da lavra de João Melchíades Ferreira, sendo que esta parecer ser mais antiga que a do Pavão. Neste caso, quem plagiou quem? Outro dado que se pode observar depois de uma minuciosa análise, é que o estilo do texto de 32 páginas do Pavão que sobreviveu aos nossos dias apresenta quebra da métrica, coisa que ocorre com certa freqüência na obra de João Melchíades e em nenhum momento na obra de José Camelo, que era mais cuidadoso nesse tocante. Isso não só reforça a hipótese de que Melchíades reescreveu a história, como também chegou a acrescentar elementos de uma fonte que já havia visitado: A História de Carlos Magno.
É inadmissível, portanto, a afirmativa de que João Melchíades teria simplesmente usurpado a autoria da obra. No mínimo,  ele reescreveu a história do Pavão, fazendo sensíveis modificações em sua estrutura, o que achamos mais provável, haja visto um depoimento de Maria de Jesus Silva Diniz, filha de José Bernardo da Silva, onde a mesma assegura que o Pavão de José Camelo teria 40 páginas, enquanto a versão de Melchíades, que chegou ao nosso conhecimento e que ela publicava em sua tipografia, tem apenas 32 páginas, tratando-se evidentemente de uma versão mais resumida. O poeta Expedito Sebastião da Silva, chefe gráfico da Lira Nordestina, ainda teria mais um dado a acrescentar. Segundo ele, José Camelo de Melo ficou revoltado porque o público tinha larga preferência pela versão de Melchíades o que o levou a destruir os seus originais.
Comecemos pela premissa de que JOÃO MELCHÍADES – O Cantor da Borborema, era um grande poeta de bancada, autor de obras do porte de um “ZÉ GARCIA”, o citado “ROLDÃO NO LEÃO DE OURO”, “HISTÓRIA DA GUERRA DE CANUDOS” e “CAZUZA SÁTIRO, O MATADOR DE ONÇAS”, fato comprovado por Chagas Batista em seu livro “Cantadores e Poetas Populares”, publicado em 1929. São grandes romances com temática épica. O primeiro é um clássico que figura entre os 20 romances mais conhecidos da Literatura de Cordel;  o segundo, um dos mais interessantes do que se convencionou chamar “Ciclo de Carlos Magno ou de Cavalaria”; enquanto que Cazuza Sátiro, apesar de ser uma obra genial, em dois volumes de 32 páginas, é quase que desconhecido, até por pesquisadores. Melchíades foi um dos primeiros poetas a utilizar uma temática genuinamente brasileira, retratando o Nordeste antigo com uma fidelidade que impressionou Câmara Cascudo em seu “Vaqueiros e Cantadores”.
Mas Melchíades era também um violeiro inspirado, ex-combatente da Guerra de Canudos e da Conquista do Acre, um homem que viveu no Nordeste de outrora, onde a valentia era o melhor cartão de apresentação. E, como produto desse meio, nosso bardo empolgou-se com a história dos 12 Pares de França – livro de cabeceira de 9 entre 10 violeiros do passado, emocionou-se com a saga dos desbravadores dos sertões nordestinos, chegou a escrever um “Marco de Lampião”. Mas também mostrou seu lado satírico e picaresco ao criar um anti-herói, o José Colatino – um covarde que virou herói depois de levar 99 surras.
Sentindo a necessidade de transpor o heroísmo clássico para a realidade nordestina que o cercava, Melchíades escreveu ZÉ GARCIA, onde faz referências a  HUGOLINO DO SABUGI:
“Estava um rapaz loiro
Poeta novo e letrado
Com a viola na mão
Canta discurso rimado
Hugolino do Sabugy
Felicitando o noivado.”
Com um tino comercial apurado, João Melchíades não só criou a figura de um grande herói nordestino, o Zé Garcia, como pretendeu  dar um cunho histórico à sua narrativa, situando-a no século XIX, época em que viveu o famoso Hugolino do Sabugy.
A valentia e o heroísmo atribuídos por João Melchíades a seus principais personagens (Zé Garcia, Cazuza Sátiro, Belmiro Costa) bem poderiam ser qualidades cultivadas e demonstradas por ele próprio em algumas ocasiões. Para um homem que lutou na Guerra de Canudos e na Conquista do Acre, matar ou morrer era brincadeira, conforme assevera o pesquisador ASSIS ÂNGELO em sua obra “LITERATURA DE CORDEL EM SÃO PAULO”.

Em seu livro "CANTADORES E POETAS POPULARES", de 1929, obra pioneira no estudo do cordel, Francisco das Chagas Baptista dá testemunho do talento de João Melchíades Ferreira
JOSÉ CAMELO, apesar de relapso e desleixado no trato com a sua obra, era um  grande poeta, sonhador e defensor intransigente do AMOR e da HONRA. É isso que transparece nos seus romances mais famosos: “APRÍGIO COUTINHO E NEUSA”; “PEDRINHO E JULINHA”  e “ENTRE O AMOR E A ESPADA”, obras que serão citadas por “século seculorum” graças ao seu inegável valor poético. Átila de Almeida o chama de “relaxadíssimo”, pelo seu desapego aos bens materiais, mas no trato com a rima e a métrica era exatamente o oposto, chegou a ser brilhante em alguns romances. O poeta Antônio Américo de Medeiros, que o conheceu em 1960, quatro anos antes de seu falecimento, disse-me que Camelo era um homem triste e angustiado, uma alma torturada pelas injustiças da vida. Eis a abertura que ele fez para sua edição do “Romance do Pavão Misterioso”, onde acusa João Melchíades de plágio:

Quem quiser ficar ciente
da história do Pavão
Leia agora este romance
Com calma e muita atenção
E verá que essa história
- É minha, e de outro não!
 
 
Há muitos anos versei
Esta história, e muitos dias,
Fiz uso d’ela sozinho
Em diversas cantorias
Depois dei a cópia dela
Ao cantor Romano Elias.
 
O cantor Romano Elias
Mostroua-a a um camarada,
A João Melchíades Ferreira
E este fez-me a cilada
De publicá-la, porém,
Está toda adulterada.

E como muitas pessoas
Enganadas têm comprado
A diversos vendelhões
O romance plagiado
Resolvi levá-lo ao prelo
Para causar mais agrado.

Portanto, eu vou começar
A história verdadeira
Na estrofe imediata,
E no fim ninguém não queira
Dizer que ela é produção
De João Melchíades Ferreira.
 
Na Turquia, há muitos anos,
Um velho capitalista
Morreu deixando dois filhos:
Batista e Evangelista
Mas todos dois eram João,
Sendo o mais velho Batista.
(...)

JOÃO MELCHÍADES,  como já dissemos, era um defensor da bravura, do heroísmo, da valentia.  Mas o velho poeta também soube ser lírico e romântico em “JUVENAL E LEOPOLDINA”, “ROSA BRANCA DE CASTIDADE” e outros romances que certamente escreveu, mas que infelizmente não chegaram ao conhecimento das gerações atuais.
Mesmo sem ser volumosa, boa parte da obra de João Melchíades Ferreira será eterna, independentemente do Pavão Mysterioso.  Por outro lado, dissociar João Melchíades do Pavão é negar seu tino comercial, seu poder de comunicação com as massas nordestinas do começo do século. Se o Camelo tinha vocação para morrer de sede no deserto, João Melchíades tentou encontrar o seu oásis, mesmo que utilizando-se de expedientes escusos como a apropriação indébita ou recriação de um tema, muito criticada nos dias de hoje, mas comum na sua época. Não é a toa que o famoso sambista Sinhô afirmava por aquela mesma época, que samba era como passarinho. Era de quem pegasse primeiro. Melchíades faleceu em 1933, antes de se iniciar a polêmica quanto a verdadeira autoria do Pavão. José Camelo sobreviveu até 1964 e sustentou que a obra era de sua autoria. O Cantor da Borborema não podia levantar-se do túmulo para contesta-lo e o fato passou a ser aceito por quase todos os pesquisadores. A verdade é que, independentemente da autoria do Pavão,  ambos foram grandes expoentes da poesia popular nordestina e seus nomes permanecerão vivos para as gerações futuras.
NOTA DE RODAPÉ - (1) O poeta José João dos Santos (Mestre Azulão) em entrevista publicada no jornal O POVO, de Fortaleza, afirma que a primeira edição do “Pavão” foi publicada por volta de 1923. Ele também atribui a autoria da obra a José Camelo, coisa que parece incontestável nos dias de hoje. Ora, em 1923 os poetas (tanto Camelo quanto Melchíades) conhecim através dos jornais notícias sobre a aviação, que não parou de evoluir desde a Primeira Guerra Mundial. Curioso é notar que nas “Mil e Uma Noites” encontra-se o caso de um cavalo mecânico voador. É provável que o autor do Pavão Mysteriozo tenha bebido nas duas fontes – a realidade recente do brilhante invento de Santos Dumont  e a fantasia do antigo livro de Sherazade.
 

AS OBRAS MAIS EXPRESSIVAS  DE JOÃO MELCHÍADES

 
01 – O VALENTE ZÉ GARCIA
02 – COMBATE DE JOSÉ COLATINO COM CARRANCA DO PIAUÍ
03 – A GUERRA DE CANUDOS*
04 – ROSA BRANCA DA CASTIDADE
05 – AS QUATRO HERDEIRAS DO CÉU
06 – PELEJA DE MANOEL CABECEIRA COM ALEXANDRE TORTO
07 – A CIGANA ESMERALDA**
08 – AS QUATRO ÓRFÃS DE PORTUGAL
09 – COMBATE DE S. PEDRO COM LUTERO, PAI DOS PROTESTANTES
10 – O MARCO DE LAMPIÃO
11 – O PRÍNCIPE  ROLDÃO NO LEÃO DE OURO
12 – O DESABAMENTO DO MORRO MONTE SERRAT
13 – HISTÓRIA DO REI DO MEIO DIA E A MOÇA POBRE
14 – QUINTA PELEJA DOS PROTESTANTES COM JOÃO MELCHÍADES***
15 – PELEJA DE JOÃO MELCHÍADES COM OLEGÁRIO.
16 – PELEJA DE JOÃO MELCHÍADES COM CLAUDINO ROSEIRA
17 – ROMANCE DO PAVÃO MYSTERIOSO (32 pág.)
18 – HISTÓRIA DE  JUVENAL E LEOPOLDINA
19 – HISTÓRIA DO VEADINHO E A MOÇA DA FLORESTA
20 – PELEJA DE JOÃO MELCHÍADES COM JOQUIM JAQUEIRA
21  – CAZUZA SÁTIRO – O MATADOR DE ONÇAS – 2 volumes de 32 pág.
22  – O SERTANEJO ORGULHOSO E OS SEUS FILHOS NA PRAÇA
23 – O FILHO QUE CASOU COM A MÃE ENGANADO
24 – HISTÓRIA SERTANEJA
* O folheto “A Guerra de Canudos” é dos primeiros anos do século XX. Dele existe apenas um exemplar em Maceió; o folheto não está assinado, mas  a autoria foi revelada em artigo saído na Revista do Folclore.
** Este folheto “Cigana Esmeralda” consta na lista das obras adquiridas por Manoel Camilo dos Santos junto aos familiares do falecido poeta. Certamente não é o mesmo “Testamento da Cigana Esmeralda”, de Leandro Gomes de Barros.
*** Curioso esse título: “Quinta Peleja dos Protestantes com João Melchíades”. Presume-se portanto, que teriam havido outras quatro que não foram identificadas pelos pesquisadores.

P.S. A pesquisadora Ruth Terra atribui a Melchíades a autoria de 36 obras. Acreditamos, entretanto, que este número seja ainda maior, enriquecida por folhetos circunstanciais que saíram em única tiragem.

AS OBRAS MAIS EXPRESSIVAS DE JOSÉ CAMELO

1 – ROMANCE DO PAVÃO MYSTERIOSO – 40 páginas
2 – A AFILHADA DO PADRE CÍCERO
3 – AS GRANDES AVENTURAS DE ARMANDO E ROSA, CONHECIDOS POR COCO VERDE E MELANCIA;
4 – ENTRE O AMOR E A ESPADA
5 – HISTÓRIA DE JOÃOZINHO E MARIQUINHA
6 – PEDRINHO E JULINHA
7 – AS 7 CLASSES RUINS
8 – AS 4 CLASSES CORAJOSAS
9 – JUVENAL E LILIA – HISTÓRIA DO BOM PAI E DO MAU FILHO
10 – O MONSTRO DO RIO NEGRO
11 – HISTÓRIA DO POETA RAMOS PATRÍCIO
12 – HISTÓRIA DA PRINCESA ADALGISA E DO PINTOR HAROLDO DE VILANAZ
13 – APRÍGIO COUTINHO E NEUSA.
14 – HISTÓRIA DO CONDE GASTON MARCEL E A DUQUEZA ESTELITA
 

FONTES DE CONSULTA


-          “LITERATURA POPULAR EM VERSOS – ESTUDOS” – Fundação Casa de Rui Barbosa, 1973;
-          “DICIONÁRIO BIOBLIOGRÁFICO DE REPENTISTAS E POETAS DE BANCADA” – De  Átila de Almeida e José Alves Sobrinho. João Pessoa, Editora Universitária, 1978.
-          Batista, Sebastião Nunes – “ANTOLOGIA DA LITERATURA DE CORDEL” – publicada pela Fundação José Augusto – Natal-RN.
-          Antologia da Literatura de Cordel – Tomo 2, editado em 1980 pela Secretaria de Cultura e Desporto do Estado do Ceará;
-          Ângelo, Assis – “Presença dos Cordelistas e Cantadores Repentistas em São Paulo” – Editora IBRASA, 1996;
-          PIRES FERREIRA, Jerusa – “A Força do Ícone em um Folheto de Cordel”.
-          Terra, Ruth Brito Lêmos – “Memória de Luta: Literatura de Folhetos do Nordeste – 1983/1930” – Global Editora
-          Cascudo, Luiz da Câmara – “Vaqueiros e Cantadores” – Ediouro Publicações S.A. – 2000.
-          Informações colhidas através de correspondências trocadas com o poeta ANTÔNIO AMÉRICO DE MEDEIROS;
-          Conversas com os pesquisadores RIBAMAR LOPES e VIDAL SANTOS.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

GONZAGÃO NO CARNAVAL



“Luiz Gonzaga em 1982 desfilando na comissão de frente da escola de samba Unidos de Lucas no Rio de Janeiro que neste ano fez uma homenagem ao Rei na Sapucaí. Lembrando que este ano de 2012 é a Unidos da Tijuca que lhe prestou uma bela homenagem.”


A foto de 1982 foi enviada por: Jairo Melo – Vicência – PE

ENTREVISTA


LUIZ CAMPOS - Fonte: Jornal O MOSSOROENSE
Luiz de Oliveira Campos nasceu em Mossoró aos 11 de outubro de 1939, Luís é considerado como um dos maiores poetas da região. Hoje, apesar dos sérios problemas de visão ele não perde o bom-humor nem a verve poética.

Por Caio César Muniz

O Mossoroense - Você começou o seu trabalho como cantador ou como cordelista?

Luís Campos - Comecei como cantador. A primeira cantoria minha foi em Pedreiras, no Maranhão, no dia 7 de setembro de 1963. Eu saí daqui como rico, eu tinha um comércio, mas quando eu cheguei em Pedreiras eu alisei. Então eu disse: "eu vou me recorrer ao que eu sei". Naquele tempo eu já tocava umas moda de viola, então eu pedi um violão emprestado a um xará meu, mas ele disse que não podia emprestar, mas se eu quisesse ele alugaria, então eu aluguei por cinco cruzeiros. Adaptei as cordas e fiz a minha primeira cantoria com Campo Verde, eu tenho muito orgulho em falar neste nome, porque foi com quem eu estreei como profissional. Desse dinheiro que eu ganhei nesta cantoria em comprei a minha primeira viola.

OM - Na sua época, Luís, com quem você cantava?

LC - Eu viajei por dezessete estados. Eu comecei a cantar em Pedreiras e quando eu cheguei aqui, eu recebi como estreante Ivanildo Vilanova, eu viajei muito com o pai de Ivanildo, depois com Otacílio Batista, Lourival Batista, Chico Pedra, Elizeu Ventania, Nestor Bandeira, Justo Amorim, todos estes do Nordeste, mas peguei muita fera por aí.

OM - Quais os destaques da viola naquela época?

LC - Na época em que eu comecei eram os irmãos Batista - Dimas, Otacílio e Lourival - estes três eram nomes nacionais. Depois veio Ivanildo e tomou a liderança, liderou por muito tempo este movimento. Teve também o saudoso Severino Ferreira, que Deus o tenha, estes eram os nomes mais fortes.

OM - Existe alguma diferença entre os cantadores de antigamente e os atuais?

LC - Existe. Para começar antigamente os cantadores andavam a pé. Isso criava uma amizade mais forte. Existia uma fidelidade um para com o outro. Eu por exemplo, tirava uma temporada de quinze dias com Zé Pereira, se alguém me procurava naquele período para eu ir fazer qualquer outra cantoria eu dizia: "não, rapaz, eu estou numa temporada com Zé Pereira" e era assim. Cansei de ir de Aracati para Fortaleza a pé, cantando de praia em praia. Hoje não tem mais isso, a cantoria de antigamente o motivo era o que acontecia na hora, ali. Hoje não, o cantador pega um assunto e eu digo que ele "mecaniza" aquele assunto. Eu fui da época em que os cantadores botavam nos livros, hoje eles estão tirando dos livros.

OM - Era melhor naquela época ou agora?

LC - Era melhor naquela época. Teve uma ocasião em que eu comprei uma geladeira à vista com o dinheiro de uma só cantoria, hoje não tem mais isso. Vamos ser claros, me perdoem, mas hoje em dia não existe cantoria, existe show. Têm estes festivais, as pessoas vêm de fora e fazem aquela apresentação, aquilo não é cantoria, é show. Eu cheguei a cantar de sete horas da noite às seis da manhã. Eu peguei mais pesado.

OM - E o cordel, quando você se deparou com o cordel?

LC - Eu escrevi o meu primeiro cordel com oito anos, chamava-se "Zezinho e Aldenora". Na época eu adoeci, tive uma febre, e nunca fui de ficar parado. Então eu fiquei fazendo aquilo e eu tinha um tio que era cantador, quando ele chegou que eu mostrei ele disse: "é melhor do que eu só não sabe cantar". Era um cordelzinho até bonito para idade, mas se perdeu na memória.

OM - Dá para viver de poesia?

LC - Dá. Antônio Francisco está vivendo de poesia. E a gente vende aqui acolá uns cordeizinhos.

OM - Os nossos poetas são reconhecidos?

LC - Alguns. Mas nós temos muita gente no anonimato. Muita gente boa mesmo. O poder público poderia fazer um trabalho de amparo a esse povo. Eu tenho uns vinte a trinta cordéis publicados por aí mas acho que nenhum político, que é quem deve apoiar a gente, tomou conhecimento disso, nunca leu.

OM - "Me Enganei Com Minha Noiva" é um dos seus trabalhos mais conhecidos, foi gravado por Genildo Costa e Amazan. Como você vê a repercussão deste seu trabalho?

LC - Eu fico muito feliz. Certa vez eu liguei a televisão, coisa de meia-noite e tava lá um camarada recitando este poema... longe. Mas eu nunca fui beneficiado com este trabalho, a não ser a Somzoom Sat que me pagou duas vezes uma ninharia lá, depois parou. E ganho quando eu saio por aí vendendo o cordel.

OM - E o que houve que você não recebeu mais os direitos autorais?

LC - Não sei. Dizem lá que a gravadora fechou, faliu, quebrou, sei lá. Amazan não tem nada com isso, a gravadora é que parou de me pagar.

OM - Você escreveu um cordel chamado "O Meu Caso é um Descaso" onde você fala com um certo rancor de Mossoró, o que houve?

LC - Olhe, tudo que está escrito ali é verdade. Eu trabalhei muito em Mossoró, fiz muita coisa e Mossoró não me conhece. Aquela casa que era de Rosalba, quem emadeirou fui eu. Não sei se está do mesmo jeito. Era uma casa de primeiro andar. Ali eu sofri uma queda que passei dois meses doente. Meu pai tem muitos serviços prestados a Mossoró, foi quem botou aquela cruz da igreja São Vicente, sou combatente contra o bando de Lampião, mas ninguém sabe disso.

OM - Você atribui isso a quê, falta de memória do povo?

LC - Eu acho que a minha falta de sorte (risos).

OM - Você continua escrevendo?

LC - Escrevendo, não. Eu estou só com três por cento da minha visão. Mas eu guardo muita coisa na memória. Um dia desses eu estava por aqui, fazendo uma brincadeira para uns amigos com a viola, eu e Severino Inácio, era época de campanha eleitoral e parou um desses carros de som no maior volume. Então eu fiz um poema, onde eu peço a Tica, que é a dona do bar, para continuar a cantoria. Diz assim:

Tica me faça um favor
Se acaso tiver me ouvindo
E diga àqueles cachorros
Que, por favor, tô pedindo
Que vão latir noutro canto
Que aqui já tem dois latindo.

E sexta-feira eu tava cantando lá no Redenção e Severino Inácio me deu um mote dizendo que lá tinha mulher de ruma, então eu fiz este:

Eu também possui uma
Que hoje mora bem ali
Tirei ela de um convento
De freiras do Aracati
Deixou de ser freira lá
Pra ser rapariga aqui.


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domingo, 19 de fevereiro de 2012

CORDEL NO CARNAVAL PAULISTA


SÃO PAULO – A Escola de Samba Gaviões da Fiel levantou a plateia da arquibancada, fez o povo cantar no Sambódromo do Anhembi e homenageou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na madrugada deste domingo (19). O político foi representado por Marisa Letícia, sua esposa, já que não pôde comparecer ao desfile.

Mesmo longe, o presidente tinha facetas em todos os lugares da Avenida. Logo na comissão de frente, o carnavalesco Igor Carneiro bolou uma encenação de uma LITERATURA DE CORDEL*, montando a história do homenageado, desde a infância no sertão até a posse no Palácio do Planalto.

Nota do blog: A homenagem baseou-se no livro “Lula na Literatura de Cordel” do poeta e pesquisador potiguar CRISPINIANO NETO (Editora IMEPH, 2010).


A bateria também foi protagonista na passagem pelo Sambódromo. Os ritmistas, todos fantasiados de Lula, entraram com uma roupa de operário e, enquanto estavam no recuo, se trocaram e vestiram a faixa presidencial.

VER MATÉRIA COMPLETA AQUI:

FONTE: http://entretenimento.br.msn.com/carnaval/2012