sábado, 30 de dezembro de 2017

ROMANCEIRO DO GADO


O Romance de Carmelita
Uma introdução ao Romanceiro nordestino

             As pesquisas em torno da cultura popular no Brasil visaram muito mais identificar variantes de temas universalizados pelo interesse moral, do que recolher manifestações próprias e interpreta-las no contexto cultural das raças combinadas. O sergipano Silvio Romero, sem prejuízo da recolha que fez de textos europeus, quis marcar a sua obra com as contribuições locais, de indígenas, negros, colonos brancos e mestiços, chegando a discutir teorias com Teófilo Braga para defender suas posições radicais.
            No seu livro de Cantos Populares do Brasil, Silvio Romero divulga versões de poemas nordestinos, curtos como as quadras, comuns como as sextilhas, cantados, recolhidos da memória do povo, alguns deles reescritos, como O Boi Espácio e o Rabicho da Geralda, que José de Alencar divulgou no jornal carioca O Globo, em 1874, sob o título geral de Nosso Cancioneiro. A posição radicalizada do escritor sergipano responde, na lonjura do tempo, pela sobrevivência de uma literatura mestiça, usual nas camadas populares, notadamente no Nordeste brasileiro, mas pouco acolhida nos manuais literários.
            O Romanceiro tradicional, e dentro dele o romanceiro fronteiriço, opondo cristãos e mouros como personagens invariantes, tem uma nacionalidade no contexto de histórias e culturas identificadas numa determinada civilização do mundo. As motivações, mais que temáticas, servem para afirmar valores com os quais algumas sociedades estabeleceram seus domínios e territórios. Os romances foram até onde a civilização levou, fosse entre lutas e conquistas no mundo velho, fosse nas entradas inaugurais do Novo Mundo, aí embalados pelas ondas do mar desconhecido, quando os missionários cantavam para tornar a viagem menos cansativa. Os romances, como disse Frei Tomás de la Torre, no seu relato sobre o cruzamento do oceano Atlântico, em 1844, foram conotados com os seus propósitos religiosos e, em conseqüência, morais.
Os romances produziram, no Brasil e na América espanhola, ampla coleta e ensejou estudos críticos de elevado nível, comparável com os estudos de Menendez Pidal, e de outros exegetas de tais estórias cantadas. No Brasil moderno, o nome de Bráulio do Nascimento tem corrido como o principal mestre do trabalho interpretativo e tipológico, que ambienta o romance nas terras brasileiras, estabelecendo os pontos de contato, ideológicos e estéticos, necessários à identificação da poesia tradicional.
            O Romance de Carmelita, comum entre os vaqueiros nordestinos, é uma espécie de matriz, da qual descendem diversos outros romances, cantados com a mesma melodia, e com a mesma medida dos versos e estrofes. As trocas, que podem ser vistas como adaptações, asseguram semelhança ao modo de compor e de cantar, singular no universo popular, devendo sugerir uma nova conceituação que mostre filiação formal aos tipos de romances portugueses e espanhóis, alguns deles transformados pelos mestiços brasileiros, como queria o próprio Silvio Romero, ao classificar e publicar sua Antologia.
            A tradição de romances de vaqueiros e dos aboios conserva a melodia única e a temática que abarca personagens permanentes, em tudo equivalentes aos personagens do romance tradicional. O Rei /O Fazendeiro; O Cavalheiro/O Vaqueiro; O Reinado/Os Campos dos Gados, personagens e cenários. A ação transcorre no ambiente típico das vaquejadas, como torneios corriqueiros, lado lúdico dos criatórios que foram, no Nordeste, durante muito tempo, base da economia nordestina.

Folheto de Lucas Evangelista, com a personagem Carmelita

                             
O Romance de Carmelita

1          Chegando o mês de novembro,
            Dando as primeiras chuvadas,
            Reúne-se a vaqueirama,
            Em frente a casa caiada,
            Pra ver se nos campos vastos,
            A rama já tá molhada.
          

2          O vaqueiro da fazenda,
            É quem se monta primeiro,
            Em seu cavalo castanho,
            Bonito e muito ligeiro,
            E vai pros campos pensando,
            Na filha do fazendeiro.


3          Corre dentro da catinga
            Rolando em cima da sela,
            Se desviando de espinho,
            Unha de gato e favela,
            Abóia em verso falando
            Na beleza da donzela.
          

4          E dedica o seu aboio
            A Vaca mansa e bonita,
            Tendo lugar no chocalho,
            Um lindo laço de fita,
            Seu nome é Rosa do Prado,
            Um mimo de Carmelita.
  

5          Peço desculpa aos vaqueiros,
            Em frente a casa caiada,
            Um cabra de voz bonita
            Sai cantando uma toada,
            Que a filha do fazendeiro,
            Fica logo apaixonada.


6          Carmelita quando vê
            O seu amor verdadeiro,
            Todo vestido de couro,
            Começa no desespero,
            Mamãe deixa eu ir embora
            Na garupa do vaqueiro.


7          O vaqueiro adoecendo,
            Coloca os couros na cama,
            Pelo campo o gado urra,
            Como quem por ele chama,
            Na porteira do curral
            Berra toda a bezerrama.
            

8          Diz ele quando eu morrer
            Coloquem no meu caixão,
            Meu uniforme de couro,
            Perneira, chapéu, gibão,
            Pra eu brincar com São Pedro,
            Nas festas de apartação.


9          Não esqueçam de botar,
            As esporas e o chapéu,
            O retrato do cavalo
            Que eu sempre chamei Xexéu,
            Pra eu brincar com São Pedro
            Nas vaquejadas do céu.


10        Diz ele quando eu morrer,
            Não quero choro nem nada,
             Quero meu chapéu de couro
            E uma camisa encarnada,
            Com umas letras bem bonitas:
            Foi o Rei da Vaquejada.


11        Termino me despedindo
            Das terras, dos tabuleiros,
            Dos grotões e das chapadas,
            De todos os bons vaqueiros,
            Dos currais e das famílias
            De todos os fazendeiros.

FONTE: http://www.infonet.com.br/noticias/cidade/ler.asp?id=97400

ROMANCE DE LUCAS EVANGELISTA resgata a personagem CARMELITA:


LINK: https://issuu.com/acervocordeis/docs/a_vida_de_um_vaqueiro_valente


quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

O VELHO RIBA


Ribamar Lopes no lançamento do meu livro 
São Francisco de Canindé na Literatura de Cordel


Ribamar Lopes observa o xilogravador Stênio Diniz
talhando uma matriz



Ribamar Lopes

O DIA EM QUE CONHECI 
RIBAMAR LOPES
A vida tem me ensinado que nada acontece por acaso. A partir de 1998 eu passei a ver a Literatura de Cordel com seriedade, porque antes me considerava apenas um leitor e poeta diletante. Fazia por brincadeira, sem a preocupação de publicar e não obedecia qualquer critério comercial com relação à escolha dos temas. Somente quando resolvi enfeixar parte da minha produção no meu livro de estreia, “O Baú da Gaiatice”, é que constatei que 90% do que havia produzido até ali era tão pessoal, tão restrito ao meu círculo de amizades, que o leitor comum ficaria a ver navios, sem entender patavina. É que antes de deixar Canindé para batalhar pela vida em Fortaleza, os temas de nossos cordéis surgiam nas rodas boêmias ou no balcão da velha Casa Marreiro. Fazíamos uma pequena tiragem na “xerox” e nos dávamos por satisfeitos.
Tanto que ao chegar numa agência de propaganda, onde trabalhavam pessoas da capital e também do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, eu era considerado um bicho do mato, um legítimo matuto, coisa que a princípio me causava algum constrangimento, mas depois, refletindo bem, tornou-se motivo de orgulho. Aqui, acolá, diziam, em tom de gozação:
— Esse bicho saiu do sertão, mas o sertão não saiu dele.
Geralmente, tais comentários eram feitos quando eu aparecia na agência com um folheto de cordel ou com LP’s de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, em plena era do CD e outras mídias digitais!
À medida que eu colecionava folhetos, ia escrevendo meus textos e procurando temas mais abrangentes, que fossem compreensíveis a qualquer tipo de público. A sátira política era um de meus temas favoritos, mas também comecei a me enveredar pelo romance de 16, 24 e até 32 páginas, exercitando a minha poética de forma consciente. Fiz várias pelejas imaginárias, sozinho ou ao lado de parceiros, para testar outras modalidades, como o martelo, o beira-mar, o cantador de vocês, o oitavão rebatido e outros gêneros da cantoria.
Quando me preparava para lançar a “Coleção Cancão de Fogo”, uma caixa com dez folhetos, meus e de Pedro Paulo Paulino, passei na gráfica Simões, que ficava na rua Agapito dos Santos (Centro de Fortaleza), e peguei alguns exemplares dos quatro primeiros títulos que acabavam de ser impressos. Minutos depois passei numa banca de revistas da Praça do Liceu e deparei com um senhor grisalho, de estatura mediana, magro, usando uns óculos grossos e arredondados. A figura me pareceu familiar, embora nunca o tivesse visto pessoalmente. Procurei nos escaninhos da mente e acabei deduzindo que havia visto a sua foto no jornal, em matéria assinada pelo jornalista Eliézer Rodrigues, divulgando o lançamento de seu livro “Cordel, Mito e Utopia”. Era o poeta e pesquisador Ribamar Lopes, organizador da melhor antologia de Literatura de Cordel de que se tem notícia no Brasil, aquela lançada pelo Banco do Nordeste.
Hesitei alguns minutos antes de me apresentar, mas, percebendo que ele já se despedia do Bandeira, dono da banca de revistas, adiantei-me e fiz a pergunta que já estava engatilhada:
— O senhor é o escritor Ribamar Lopes?
— Em carne e osso, disse ele.
— Muito prazer. Tenho ouvido falar de suas pesquisas sobre Literatura de Cordel. No momento estou empenhado na publicação de uma caixa de folhetos.
— Uma caixa de folhetos?!
— Sim, respondi. Como eu e meu parceiro já dispomos de vários títulos, resolvemos lançá-los numa coleção, como aquela de Patativa do Assaré, organizada pelo professor Gilmar de Carvalho, que foi lançada pela SECULT-CE.
Ribamar me olhou meio desconfiado, como que duvidando do meu talento, e rebateu:
— Muito bem. Mas, vocês já têm bagagem para isso? Já publicaram alguma coisa?
— Acabo de receber da gráfica alguns exemplares dos quatro primeiros...
— Deixa eu ver. Se prestar eu digo. Se não prestar... Posso ver?
Meti a mão lá na “aduana”, como diz o Kid Morangueira, e saquei os seguintes títulos: Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, Encontro de FHC com Pedro Álvares Cabral, Peleja de Franciné Calixto com Pedro Tatu e Debate de Zé Limeira com os profetas do fim do mundo. Os dois últimos em parceria com Pedro Paulo, que, salvo engano, também estava presente a esse encontro, ocorrido em julho ou agosto de 1999.
Ribamar esboçou um sorriso maroto, ajustou os óculos na ponta do nariz e abriu o primeiro folheto, lendo-o em voz alta:

Eu admiro o cangaço,
Apesar da violência
Dos engenhos o bagaço
Porque a minha vivência
Tem sido nesse sertão
Pesquisando Lampião
Padim Ciço e Conselheiro,
Cultura que não se esmaga
E ouvindo Luiz Gonzaga
Nosso maior sanfoneiro.

No município de Exu
Divisa com o Ceará,
Nos Sertões do Pajeú,
Do Juazeiro pra lá
Nasceu este nordestino,
Artista desde menino,
Orgulho do meu sertão
Dia treze de dezembro
De doze, ainda me lembro,
Nasceu o REI DO BAIÃO.

O mestre arregalou os olhos, abriu-se num sorriso largo e sincero e perguntou:
— É tudo em dez pés?
— Não, respondemos. Tem folhetos em sextilha, setilha, e também pelejas com outras modalidades da cantoria.
Ribamar leu mais algumas estrofes de outro folheto e acenou com o polegar para cima, como faziam os romanos no Coliseu, quando queriam salvar a vida de um gladiador. Entabulamos um papo animado e ele percebeu, de imediato, que não éramos neófitos nem penetras naquela seara. Então, fez-nos um convite:
— Meninos, eu tenho o que fazer em casa. Moro nesse prédio, quase defronte à banca de revistas. Querem me fazer uma visita?
— Agora?
— Sim, por que não?
Seguimos o Ribamar, e a partir daquele instante estávamos crismados como poetas populares, sagrados cavaleiros das rimas por uma das maiores autoridades no assunto. Quando adentramos no apartamento em que ele morava, não nos surpreendemos com a quantidade de livros nas estantes que havia na sala, no corredor, no seu gabinete de trabalho e outros cômodos da casa. O que nos deixou basbaques, boquiabertos, foi a coleção de folhetos de cordel, composta de quase seis mil títulos, organizada em dois armários de ferro com amplos gavetões, cuidadosamente organizados por assunto, autores, editores etc. Coisa metódica, de um pesquisador sério e organizado.
E que alegria reencontrar folhetos que havíamos lido na infância e que haviam se extraviado, levados por empréstimo, destruídos pela ação do tempo ou perdidos em faxinas e mudanças.
Quis pedir alguns emprestados, mas achei que estaria abusando da confiança do novo amigo e deixei para uma visita futura, que aconteceu logo na semana seguinte. Ribamar, um pouco desconfiado, pegou alguns títulos que tinha em duplicata e me emprestou, dizendo que forneceria outro lote, assim que eu devolvesse o primeiro. Foi assim que pude reler todos os clássicos que havia lido na infância e travar contato com outros títulos igualmente preciosos, como a obra dos poetas Delarme Monteiro e Manoel Camilo dos Santos, que eu mal conhecia. De Delarme só havia lido, até então, “O sino da Torre Negra” e de Camilo apenas o clássico “Viagem a São Saruê”, que aparece um duas ou três antologias. Em setembro daquele mesmo ano, no dia do meu aniversário, o Velho Riba me presenteou com um exemplar da terceira edição da Antologia do BNB, obra espetacular, onde os folhetos aparecem de forma fac-similar, algo que lhe custou muito trabalho, pois na época não se conhecia o scanner e outras ferramentas de tratamento de imagem.
Para encurtar a conversa, além de amigo dileto, Ribamar tornou-se, a partir dali, revisor de minhas obras e, mais das vezes, contribuiu com sugestões maravilhosas. Caso dos livros “São Francisco de Canindé na Literatura de Cordel” e “Acorda Cordel na Sala de Aula”, para os quais escreveu o prefácio, fez a revisão e ainda sugeriu a inclusão de alguns assuntos.
Foi uma perda muito sentida, a sua partida inesperada em janeiro de 2006. Na véspera tivemos um encontro no Fabiano da Panelada, ali na Praça do Liceu, e o Riba, jovialmente, recordou muitos episódios da sua infância em Pedreiras-MA e de sua juventude, na capital São Luís. Poeta de esmerado talento, contista imaginoso e ensaísta consagrado, Ribamar nos deixou um legado literário que, infelizmente, vai sendo aos poucos esquecido, nesse país de desmemoriados. Dentre as amizades que cultivou, os que sempre o relembram em conversas, além de mim, figuram o escritor Raymundo Neto, que o homenageou numa crônica belíssima e o poeta Rouxinol do Rinaré, que adaptou alguns de seus contos para o Cordel.


Artigos de Ribamar Lopes publicados no jornal O POVO

José Ribamar Lopes nasceu no dia 8 de novembro de 1932 em Pedreiras (Maranhão) e faleceu em Fortaleza (Ceará) aos 24 de janeiro de 2006.
Contista, poeta e ensaísta, nas últimas décadas vinha desenvolvendo grande atividade como pesquisador e incentivador da Literatura de Cordel. Deixou publicado os seguintes livros: "Literatura de Cordel (Antologia)", "Quinze Casos Contados" (Contos); "Viola da Saudade" (Poesia) e "Sete Temas de Cordel" (Ensaio), além do inédito "O Dragão da Literatura de Cordel", cujos originais foram confiados à Tupynanquim Editora.

Arievaldo Vianna

(Crônica integrante do livro 
NO TEMPO DA LAMPARINA)


terça-feira, 26 de dezembro de 2017

PARÓDIAS DE JOTA BATISTA


NA PREFEITURA TEM 
UM PAR DE ARMADORES

Reza o velho adágio popular que “uma andorinha só não faz verão”. Talvez tenha sido com esse intento que o cantador Manoel Andorinha, natural de Itatira, resolveu casar-se com dona Júlia e, dessa união, nasceram alguns rebentos, dentre os quais o poeta, compositor e humorista João Batista Azevedo dos Santos, o popular Jota Batista, figura conhecidíssima em Canindé e municípios vizinhos.
Jota Batista despontou em meados da década de 1980 como um inspirado compositor, vencendo diversos festivais de música promovidos em Canindé e outras cidades do interior cearense. Dessa primeira leva de canções, constam “Plangente cantador” e “Nordeste velho pra ter água”, ambas registradas no LP “Rabiscos”, trabalho coletivo, em parceria com Myrza e Di Assis, cuja capa e encarte foram produzidos por mim, ainda nos velhos tempos da prancheta, do nanquim e da “letraset”. Com a renovação da tecnologia e a substituição do disco de vinil pelo CD, Jota Batista gravou o seu segundo trabalho, desta feita sozinho, passeando por vários ritmos musicais, inclusive o brega rasgado de “Pãozinho de amor” e o pegajoso bolero “Dama leviana”, feito em parceria com o poeta Pedro Paulo Paulino. Antes disso, teve a sua composição “Miscigenação”, feita em louvor à romaria de Canindé, gravada em disco por Walter Guimarães, no LP “Praça do Romeiro”, produzido por José Anastácio Pereira, o Zequinha.
Jota Batista tem uma verve aguçada. É um humorista nato, daqueles que perdem um amigo, mas não perdem a piada. Seus trabalhos mais pitorescos estão justamente na forma de cordéis ou paródias, algumas feitas sob encomenda durante as campanhas eleitorais. Duas delas merecem registro. A primeira foi feita para o Chico Mendonça, candidato a vereador por Canindé e a outra para o saudoso Magalhães Neto, candidato a prefeito na mesma cidade. A de Chico Mendonça é uma paródia do samba “Chico Dum-Dum”, de Herivelto Martins e Marino Pinto, magistralmente gravada no acetato pelo eterno boêmio Nélson Gonçalves. Vejamos a versão do Jota Batista:


 CHICO MENDONÇA

Chico Mendonça,
Um candidato sem dinheiro
Se aliou com o ‘Doutor’
Um amigo verdadeiro...
E no bairro do Mateus
Trabalhou com afinco
Esperou muitos votos...
No final só tinha CINCO.

No outro dia,
O Chico Mendonça
Arengou com o ‘Doutor’
E de madrugada, depois de apuradas
As urnas do Mateus... Os votos seus,
Nos “bê-us” não estavam*
Nas urnas não constavam
E o Chico, adeus!

(* B.U. Boletim de Urna)

Já o Magalhães Neto, de saudosa memória, foi candidato a prefeito em Canindé em três ou quatro ocasiões, depois de ter sido nomeado interventor no vizinho município de Aratuba. Há quem diga que ele só perdeu uma eleição porque houve fraude, tamanha era a sua popularidade frente aos opositores. Quando foi Secretário de Educação em Canindé, eu estava justamente na pasta da Cultura e fizemos, além de uma boa parceria, uma sólida amizade. Magalhães Neto era muito sensível à causa da cultura e até já trabalhara na TV Ceará, em programas musicais.
O Magá, como era conhecido pelos conterrâneos, era um cara alegre, bonachão e requisitava sempre a colaboração do Jota para fazer os seus jingles de campanha. O problema é que, às vezes, esquecia de acertar os valores previamente combinados, mas no pleito seguinte fazia-se de esquecido e procurava o Jota novamente. Certa feita, alta madrugada, parou o seu ‘bugre’ em frente à casa do autor de “Pãozinho de amor” e deu umas quatro ou cinco buzinadas. Quando o Batista saiu, com aquela cara de sono interrompido, o Magá abriu os braços, deu-lhe um amplexo efusivo e foi logo dizendo:
— Sou candidato novamente! E dessa vez é para ganhar! Vim encomendar minhas músicas.
Ressabiado e ressacado, o Jota balançou a cabeça a moda lagartixa e assentiu, dizendo-lhe que passasse novamente dois ou três dias depois, para apanhar a encomenda. Por essa época, Elba Ramalho havia estourado um xote intitulado “Pra ninar meu coração”, da autoria de Maciel Melo. Jota Batista aproveitou o ritmo contagiante da canção e encaixou esses versos na pegajosa melodia:

PRA NINAR O ELEITOR

Magalhães Neto a tua vez chegou agora
Tu podes crer que vais ganhar esta eleição
Tem muito nêgo só de ôi na Prefeitura
E se esquecendo dos anseios do povão.

Vem depressa vem matar a tua sede
Vem ligeiro, vem cuidar do eleitor...
Vem, vem, VEM ARMAR A TUA REDE
NA PREFEITURA TEM UM PAR DE ARMADOR.

Ora, alguns adversários do Magá, maledicentes como a maioria dos políticos,  o tinham na conta de preguiçoso, ou pelo menos de acomodado e apregoavam que a letra do Jota era uma vingança velada pelos “chêchos” recebidos nas campanhas anteriores. Política é assim mesmo. Quem entra na chuva é para se queimar, já dizia o saudoso Salomão de Paula Uchoa.

(...)

Essa crônica será publicada integralmente no livro NO TEMPO DA LAMPARINA, Volume II de Memórias, de Arievaldo Viana, que será lançando em 2018. AGUARDEM!