sexta-feira, 22 de setembro de 2017

FIM DO MUNDO VEM AÍ


Gravuras do mexicano José Guadalupe Posada

"CURA GAY" e "TERRA PLANA":
ISSO É MESMO O FIM DO MUNDO!

 Para quem acredita em “Cura Gay”, “Teoria da TERRAPLANA”, “Perna Cabeluda” e outros bichos de orelha tudo é possível! A palhaçada da vez é uma teoria conspiratória que afirma que o mundo acabará amanhã (23 de setembro de 2017), espatifado por um planeta chamado NIBIRU. Não duvido da existência de tal planeta porque o mesmo  já era assunto dos astrônomos da velha Mesopotâmia uns 6 mil anos antes de Cristo. Como os habitantes da Mesopotâmia foram os inventores da CERVEJA, eu não duvido, jamais, da sabedoria desse povo.

Essa  história de FIM DO MUNDO é tão antiga quanto a própria história da humanidade. Em  1900 não se falava noutra coisa. Em 1999 também. É próprio do ser humano alimentar temores, receios e fascínio pelo desconhecido. O dilúvio bíblico, por exemplo, é descrito por quase todas as civilizações. Pode mesmo ter havido um tsunami no Crescente Fértil que dizimou as civilizações então existentes. Os cientistas (que são criaturas preclaras, entendidas e superiores) não duvidam disso.

Leandro Gomes de Barros, o primeiro sem segundo da Literatura de Cordel, riu a bandeiras despregadas quando lhe disseram que o Cometa de Halley iria exterminar a vida na terra em 1910. A sátira do velho poeta de Pombal continua atualíssima, pelo visto.

* * *


O Cometa de Halley, um dos corpos celestes mais famosos na história da astronomia, sempre visto com medo e desconfiança pelas pessoas simplórias do mundo inteiro, passou a ser mais temido a partir de 1881. Não era exatamente o medo de que ele viesse a se chocar com a Terra. O que aconteceu é que um astrônomo descobriu que a cauda de todos os cometas contém um gás letal chamado cianogênio. Essa onda de pânico, alimentada pela imprensa sensacionalista da época, aumentou ainda mais depois que descobriram que o Halley passaria pertinho da Terra em 1910 – o cometa passa a cada 76 anos e cruzou a órbita terrestre novamente em 1986.  Até jornais importantes, como o New York Times, lançaram teorias que toda a humanidade morreria envenenada pelo gás. Foi preciso que cientistas de bom senso analisassem a questão com mais clareza, a fim de acalmar as pessoas, garantindo que a cauda dos cometas, na verdade, é formada por vapor d’água e um pouquinho de hélio e amoníaco, e que nessas quantidades não fazem mal a ninguém. E, de fato, nenhuma tragédia aconteceu quando da passagem do famoso viajante espacial.

Como se vê, o pânico se instaurou em todo o planeta e foi alimentado pela imprensa sensacionalista. Não se tratava, portanto, de um ataque de histeria coletiva das populações do Nordeste, sempre vistas como atrasadas e supersticiosas. O poeta Leandro Gomes de Barros estava a par do assunto desde sempre. Ele viajava constantemente nos trens da Great Western, participava das rodas de conversas no Largo das Cinco Pontas e no Mercado São José, lia também os jornais, revistas e almanaques que circulavam no seu tempo. Em suma, viu nesse episódio um tema para uma deliciosa sátira, onde esbanja a sua finíssima ironia e sarcasmo:


Eu andava aos meus negócios,
Na cidade de Natal,
No hotel que hospedei-me
Apareceu um jornal,
Que dizia que no céu
Se divulgava um sinal.

O sinal era o cometa
Que devia aparecer,
Em Maio, no dia 18
Tudo havia de morrer,
Aí sentei-me no banco,
Principiei a gemer.

Gemi até ficar rouco
Fiquei logo descorado,
Depois o sangue subiu-me
Que fiquei quase encarnado,
Imaginando n’um livro
Que um freguês levou fiado.

Encontramos numa tese acadêmica da PUC/RJ, intitulada “O cometa do fim do mundo: Ciência e superstição na imprensa carioca de 1910”, de Maria Elisa Bezerra de Araujo, algumas considerações do astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão sobre a passagem do famoso cometa no início do Século XX. Na sua análise, as expectativas dos cientistas no início do século com relação à aparição do Halley era de que não houvesse mais reações de medo. Segundo o autor, depois que Edmund Halley, em 1695, descobriu que os cometas obedeciam a leis da física e estabeleceu o ciclo do cometa que leva seu nome, “acreditou-se que todo o temor em relação aos cometas deveria cessar numa civilização racional e tecnologicamente desenvolvida”. No entanto, prossegue Mourão, o que se constatou foi que por todo o mundo surgiam manifestações de pânico. O astrônomo afirma ainda que “a despeito de todo o avanço científico, o homem ainda mantém todo um universo de sentimentos e expectativas onde os cometas continuam a ser mais que astros catalogados astronomicamente, pressagiando desgraças ou renovando esperanças”.

Leandro não embarca nessa onda de histeria coletiva. Além de não levar a sério esse temor infundado, vale-se de sua irreverência e bom humor para criticar a usura dos ingleses e comerciantes, que se apressam em cobrar as dívidas dos seus fregueses antes do “fim do mundo”. É salvo, com toda família, graças a uma poderosa oração, recitada em prosa no final do poema, e o providencial auxílio de uma bendita panelada e um garrafão de sua bebida predileta, a famosa “aguardente Imaculada”, do engenho do Sr. Láu. Trata-se, evidentemente, de um dos melhores folhetos “jornalísticos” do mestre de Pombal-PB.

A esse respeito é importante observar o que escreveu o pesquisador cearense Francisco Cláudio Alves Marques em seu livro “Um pau com formigas ou o Mundo às avessas” (Edusp, 2014): “Geralmente, na literatura de cordel, as histórias em torno do tema da cachaça têm valor como comentário sobre a moralidade do álcool e os costumes da sociedade. Contudo, em Leandro Gomes de Barros, a bebida é concebida como um dos prazeres da vida e não como um vício; válvula de escape e pretexto para que se digam as verdades mais contundentes sobre o sistema e seus representantes”. O autor enxerga neste e noutros poemas de Leandro traços de uma “festa dionisíaca”.

(Arievaldo Vianna)



O COMETA
Leandro Gomes de Barros (escrito em 1910)



Caro leitor vou contar-lhe
O que foi que sucedeu-me,
O medo enorme que tive,
Que todo corpo tremeu-me,
Para falar a verdade
Digo que o medo venceu-me.

Eu andava aos meus negócios,
Na cidade de Natal,
No hotel que hospedei-me
Apareceu um jornal,
Que dizia que no céu
Se divulgava um sinal.

O sinal era o cometa
Que devia aparecer,
Em Maio, no dia 18
Tudo havia de morrer,
Aí sentei-me no banco,
Principiei a gemer.

Gemi até ficar rouco
Fiquei logo descorado,
Depois o sangue subiu-me
Que fiquei quase encarnado,
Imaginando n’um livro
Que um freguês levou fiado.

Disse ao dono do hotel:
Senhor eu estou resolvido,
Antes de 20 de Maio,
Nosso mundo é destruído,
Visto não durar um mês,
Não pago o que tenho comido.

A dona da casa disse-me:
O senhor está enganado,
Se eu for para o outro mundo,
O cobre vai embolsado,
Eu subo, porém em baixo
Não deixo nada fiado.

Me resolvi a pagar,
Foi danado esse processo,
Não paguei, tomaram à força,
O que é verdade, confesso,
Se havia de morrer de desgraça
Antes morrer de sucesso.

Tratei de tomar o trem
E seguir minha viagem
Disse: - Vai tudo morrer
Para que comprar passagem?
Inglês vai perder a vida,
Perca logo essa bobagem.

O condutor perguntou-me:
- Sua passagem, onde está?
Eu disse: - Na bilheteira,
Quando eu vim, deixei-a lá.
Não comprou? – perguntou ele,
Pois paga o excesso cá!

Eu lhe disse: - Condutor,
O mundo vai se acabar,
Para que quer mais dinheiro,
É para lhe atrapalhar?
A mortalha não tem bolso,
Onde é que o pode levar?

Chego em casa muito triste,
Achei a mulher trombuda,
Perguntei: - Filha, o que tem?
Respondeu-me, carrancuda:
- Ora, a 18 de maio
O mundo velho se muda!

Perguntei: - Tem jantar pronto?
Venho com fome e cansado,
Desde ontem, respondeu-me,
Que o fogão está apagado,
Devido a esse cometa
Não querem vender fiado.

Eu estava tirando as botas
Quando chegou um caixeiro,
Esse vinha com a conta,
Que eu devia ao marinheiro,
Eu disse: - Vai morrer tudo,
Seu patrão quer mais dinheiro?

Fui falar um fiadinho,
Que eu estava de olho fundo,
O marinheiro me disse:
- Já por ali, vagabundo!
Eu disse: - Venda Seu Zé,
Que eu pago no outro mundo!

A 19 de maio,
Quando acabar-se o barulho,
Eu hei de ver vosmecê
Que o senhor vai no embrulho,
Só se esconder-se aqui
Debaixo de algum basculho.

Quero 10 quilos de carne,
Uma caixa de sabão,
Quatro cuias de farinha,
Doze litros de feijão,
Quero um barril de aguardente,
Açúcar, café e pão.

Manteiga, azeite e toucinho,
Bacalhau e bolachinhas,
Vinagre, cebola e alho,
Vinte latas de sardinhas,
Duas latas de azeitonas,
Umas dezoito tainhas.

O marinheiro me olhou,
E exclamou: - Oh! Desgraçado!
Então inda achas pouco
Os que já tens enganado,
Queres chegar no inferno,
Com isso mais no costado?

Eu disse: - Meu camarada,
Isso é questão de dinheiro,
Ganha quem for mais esperto,
Perde quem for mais ronceiro,
Aonde foram duzentos
Que tem que vá um milheiro?

Perguntei ao marinheiro:
— Não faz o fiado agora?
O marinheiro me disse:
— Vagabundo vá embora!
Eu lhe disse: — Pé de chubo,
Você morre e está na hora.

Voltei e disse à mulher:
— Minha velha, está danado.
O cometa vem aí,
De chapéu de sol armado,
Creio que no dia 18,
Lá vai o mundo equipado.

Deixe ir lá como quiser,
A cousa vai a capricho,
Comer, nem se trata nel,
Nossa roupa foi ao lixo,
Vamos ver se lá no céu
Tem onde matar-se o bicho.

Fui onde vendiam fato,
Comprei uma panelada,
Comprei mais um garrafão
De aguardente imaculada,
Disse a mulher: - Felizmente,
Já estou de mala arrumada.

A 17 de maio,
A fortaleza salvou,
Eu comendo a panelada
Que a velhinha cozinhou,
Quando um menino me disse:
- Papai, o bicho estourou!

Aí eu juntei os pratos,
Embolei todo o pirão,
Botei o caldo num pote,
Peguei-me com o garrafão,
Me ajoelhei, rezei logo,
O ato de contrição.

A mulher disse chorando:
- Meu Deus, fica a panelada.
Disse o menino: - Papai,
Onde está a imaculada?
Eu disse: - Filho sossega,
Aqui não me fica nada.

E me ajoelhando aí,
Tratei logo de rezar
O ato de confissão,
Senti um anjo chegar
Dizendo reze com fé
Ainda pode escapar.

Aí disse eu:

— Eu beberrão me confesso a pipa, a bem-aventurada imaculada de Serra Grande, ao bem-aventurado vinho de caju, a bem-aventurada genebra de Holanda, vinhos de frutas, apóstolos de deus Baccho, e a vós, oh caxixi que estais à direita de todas as bebidas na prateleira do marinheiro.
Amém.

Quando eu acabei de orar,
Olhei para amplidão,
Ouvia dançar mazurca,
Cantar, tocar violão,
Era um anjo que dizia:
- Bravos de tua oração!

Aí um anjo chegou,
Com uma túnica encarnada,
Disse: - Sou de Serra-Grande,
De uma fazenda falada,
Eu sou o que cerca o trono
Da gostosa imaculada.

Sr. Láu, o proprietário,
Do reino onde ela mora,
Me mandou agradecer-lhe,
A súplica que fez agora,
Aí apertou-me a mão
E lá foi o anjo embora.

Aí eu disse: Mulher,
Visto termos nos salvado,
Desmanchemos nossas trouxas,
Já estava tudo arrumado,
Toca comer e beber,
Foi um bacafu danado.

FIM