domingo, 13 de janeiro de 2013

OBRA PRIMA DE SILVINO PIRAUÁ DE LIMA


Folheteiro - ilustração de Jô Oliveira


SILVINO PIRAUÁ DE LIMA - Nasceu em 1848 no município de Patos, Paraíba. Na seca de 1898 emigrou para o Recife, onde fixou residência. Cantador, glosador e poeta popular, discípulo do famoso repentista Romano do Teixeira. Alguns pesquisadores insistem em afirmar que Pirauá foi o iniciador do romance em versos, embora não haja nenhum folheto antigo, anterior aos de Leandro e Chagas Batista, que comprove essa informação. Percorria todo o Nordeste em companhia dos cantadores José Galdino da Silva Duda, Antonio Batista Guedes e Josué Romano, cantando improvisos nas feiras e nas festas. Pobre como a maioria dos cantadores, quando sua esposa faleceu, Silvino, não tendo dinheiro, foi cantar para ganhar o necessário para fazer o enterro. Escreveu e publicou, entre muitas outras, as histórias Desafio de Zé Duda com Silvino Pirauá; Descrição da Paraíba; Descrição do Amazonas; História de Crispim e Raimundo; História do Capitão do Navio; As três moças que quiseram casar com um só moço; A Vingança do sultão. Morreu de varíola, quando estava cantando na cidade de Bezerros, em Pernambuco, em 1913.

Autor:  Silvino Pirauá de Lima

E Tudo Vem a Ser Nada

Tanta riqueza inserida
Por tanta gente orgulhosa,
Se julgando poderosa
No curto espaço da vida;
Oh! que idéia perdida.
Oh! que mente tão errada,

Dessa gente que enlevada

Nessa fingida grandeza
Junta montões de riqueza,
E tudo vem a ser nada.
Vemos um rico pomposo
Afetando gravidade,
Ali só reina bondade,
Nesse mortal orgulhoso,
Quer se fazer caprichoso,
Vive até de venta inchada,
Sua cara empantufada,
Só apresenta denodos
Tem esses inchaços todos
E tudo vem a ser nada.
Trabalha o homem, peleja
Mesmo a ponto de morrer,
É somente para ter,
Que ele tanto moureja,
As vezes chove e troveja

E ele nessa enredada

À lama, ao sol, ao chuveiro,
Ajuntam tanto dinheiro,
E tudo vem a ser nada.
 
Temos palácios pomposos
Dos grandes imperadores,
Ministros e senadores,
E mais vultos majestosos;
Temos papas virtuosos
De uma vida regrada,
Temos também a espada
De soberbos generais,
Comandantes, Marechais,
E tudo vem a ser nada.
Honra, grandezas, brasões;
Entusiasmos, bondades;
São completas vaidades
São perfeitas ilusões,
Argumentos, discussões;
Algazarra, palavrada,
Sinagoga, caçoada,
Murmúrios, tricas, censura,
Muito tem a criatura,
E tudo vem a ser nada.
Vai tudo numa carreira
Envelhece a mocidade,
A avareza e a vaidade
É quer queira ou não queira;
Tudo se torna em poeira,
Cá nesta vida cansada
É uma lei promulgada
Que vem pela mão Divina,
O dever assim destina
E tudo vem a ser nada.
Formosuras e ilusões,
Passatempos e prazeres;
Mandatos, altos poderes;
De distintos figurões,
Cantilenas de salões;
E festa engalanada,
Virgem donzela enfeitada
No gozo de namorar,
Mancebos a flautear,
E tudo vem a ser nada.
Lascivas, depravações
Na imoral petulância,
São enlevos da infância,
São infames Corrupções;
São fingidas seduções
Que faz a dama enfeitada
Influi-se a rapaziada
Velhos também de permeio
E vivem nesse paleio,
E tudo vem a ser nada.
Bailes, teatros, festins,
Comadre, drama, assembléia,
Clube, liceu, epopéia;
Todos aguardam seus fins,
Flores, relvas e jardins,
Festas com grande zoada,
Outeiro e Campinada
Frondam, copam e florescem,
Brilham, luzem, resplandecem
E tudo vem a ser nada.
 
O homem se julga honrado,
Repleto de garantia,
De brasões e fidalguia
É ele considerado,
Mas, quanto está enganado
Nesta ilusória pousada
Cá nesta breve morada.
Não vemos nada imortal
Temos um ponto final;
E tudo vem a ser nada.
Tudo quanto se divisa
Neste cruento torrão,
As árvores, a criação,
Tudo em fim se finaliza,
Até mesmo a própria brisa,
Soprando a terra escarpada,
Com força descompassada
Se transformando em tufão,
Deita pau rola no chão,
E tudo vem a ser nada.
Infindo só temos Deus,
Senhor de toda a grandeza,
Dos céus e da natureza,
De todos os mundos seus.
Do Brasil, dos Europeus,
Da terra toda englobada
Até mesmo da manada
Que vemos no arrebol:
Nuvem, lua, estrela e sol,
Tudo mais vem a ser nada.

FIM


Um comentário:

  1. A Cara do meu sertão
    Carlos Silva - poeta e cantador


    Pedaço de chão batido,
    restos de coisas jogadas, trapos no meio do nada
    sede incessante de ser.
    Vida amargada em lembrança,choro azedo de criança,
    vivendo na beira da estrada,bebendo a secura em não ver.
    E este azedume no rosto, é fonte que perde o gosto, no grito abafado medonho, é retidão de fracasso, é luta travada no braço,sepulcro de vida tombada, num quadro esquecido e tristonho.
    Sou eu no farejo da lida, lambendo a minha ferida que já se findou cicatriz, é rogo de sina e de luta, trajada feito uma puta,bebida a dizer sou feliz.
    de onde me vem remissão, do prato jogado ao chão que um alferes ofertou,contando uma nova lorota, meu cuspe lavou sua bota,que o pó do sertão desenhou.
    E assim sob um sonho nutrido,num corpo tão só desvalido, ralhado pedindo clemência, e chora as dores do parto, naqueles seios não fartos, secura da própria existência.
    Rompendo a dor e o sorriso, sonhando com o paraíso a boca fechada não come, e já se lhe vem desventura, lambendo a própria amargura, de quem chama a sorte de fome.
    São lentos algozes feridos, matando estes desnutridos, de sonhos de paz e de vida, arrancam temores em eito, dilacerando o peito, perdendo as forças da lida

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