sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

MENINOS, EU VI



AINDA O LOURO BRANCO

Louro Branco se apresentou ao lado de Zé Viola no I Festival Nordestino da Viola, promovido por Geraldo Amâncio, no Teatro José de Alencar, em 1998. Eu estava nas torrinhas do teatro, com meu irmão Itamar e mais alguns amigos. O apresentador do festival era o compositor César Barreto. Desenvolvendo o mote “Do que a vida me põe para fazer / São as coisas que faço sem gostar”, sorteado pelo apresentador, o piauiense Zé Viola temperou a garganta e soltou o vozeirão numa estrofe inspirada:

Arrancar macaxeira em barro duro
Agradando um patrão que me humilha
Não poder afastar a minha filha
Dos românticos abraços do escuro
Suportar um marmanjo sem futuro
Agarrar uma irmã minha e beijar
Recordar de papai e não chorar,
Ir até a sua casa e não lhe ver...
DO QUE A VIDA ME PÕE PARA FAZER
SÃO AS COISAS QUE FAÇO SEM GOSTAR.

Choveram aplausos,  mas foi Louro Branco quem botou o teatro abaixo com esse gracejo:

Viver liso ou morar detrás da grade
Jantar leite de saco com biscoito
Trocar uma gatona de dezoito
Numa velha de oitenta e seis de idade
Botar grande negócio na cidade
E mandar um ladrão gerenciar
Perguntar se o motel é pra rezar
E se a farmácia tem tripa pra vender...
DO QUE A VIDA ME PÕE PARA FAZER
SÃO AS COISAS QUE EU FAÇO SEM GOSTAR.

O primeiro lugar ficou para a dupla Sebastião Dias e Oliveira de Panellas, que também estavam em noite inspiradíssima. Louro e Zé Viola ficaram em segundo, porém, na saída do teatro, muita gente dizia que Louro e seu parceiro é que mereciam, de fato, o primeiro lugar.




Vejamos, a seguir, matéria publicada hoje no PORTAL VERMELHO sobre o genial repentista cearense:

Poetas e admiradores lamentam morte do repentista Louro Branco

Rapidez de raciocínio, humor aguçado, inteligência, o maior de todos os repentistas. As opiniões sobre Francisco Maia de Queiroz são unânimes. Louro Branco, considerado uma das maiores expressões da cultura popular nordestina, faleceu na última quinta-feira (18), aos 74 anos, vítima de complicações cardíacas. Não faltaram elogios e exaltação ao conterrâneo, filho de Jaguaribe, que se notabilizou como cantador, poeta, repentista, artista popular e divulgador da cultura da região.

Louro Branco era considerado um dos maiores expoentes da cultura nordestina. Para Marcelo Nogueira, o Ceará e a cultura perderam um grande representante. “Louro Branco tinha inteligência, habilidade e agilidade com as palavras. Com linguagem rápida, respondia sempre com raciocínio sofisticado”, elogia. Já o cordelista Cabo Chico recorda de tê-lo visto em diversas apresentações, dentre elas num festival que organizou em Iguatu, cidade localizada na região Centro-Sul do estado, enquanto secretário de cultura do município. “Ele era um grande repentista, de incrível velocidade de raciocínio. Vi Louro Branco ser aplaudido de pé por colegas da viola e pelo povo que tanto o admirava”, ressalta.

O professor Joan Edesson, co-autor do livro Cordel Umbilical, destacou a unanimidade de Louro Branco. “Morreu o poeta, o último grande repentista do Brasil no sentido de ser unânime entre cantadores e apreciadores da viola. Rápido, representava o sentido exato do repente. Depois dele, não surgiu, nas últimas décadas, ninguém com seu talento e habilidade. Sua unanimidade estava também em sua simpatia. Era um sujeito amigo dos cantadores e dos amantes da cantoria”, reconhece.

Para o cordelista Arievaldo Viana, Louro Branco faz parte de uma geração de cantadores essencialmente repentista e improvisador. “Ele não escrevia e nem pensava muito antes de fazer. Sempre trabalhou com uma rapidez assombrosa”, destaca. O membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel recorda de tê-lo visto em diversos festivais e ser, por vezes, injustiçado. “Apesar de ter versos geniais, não tinha boa dicção. Mas quem o conhecia, era acostumado com sua fala. Vindo de ambiente rural, sem muito estudo, tinha excepcional cultura e inteligência luminosa”.

Arievaldo destaca ainda a parceria de Louro Branco com o também cearense e repentista Geraldo Amâncio. “Eles eram uma dupla perfeita. Geraldo fazia de tudo para que Louro se sobressaísse. No nosso jargão, servia de ‘escada’, dando o tema pronto para que ele fizesse seus gracejos”, enaltece.

Considerado um de seus maiores parceiros, Geraldo Amâncio destaca o que Louro representa para a cantoria. “É o maior repentista do mundo”. “Louro Branco foi um grande parceiro, um orgulho para nós cearenses que, ao lado de Patativa do Assaré, nosso maior poeta popular, e de Cego Aderaldo, o mais famoso deles, consolidou a cultura do Estado e da Região de forma brilhante. Com ele se foram a irreverência, o humor e a graça. Para ele não há substituto”, ratifica.

E, em versos, Geraldo Amâncio homenageia o amigo:

A viola calou-se, o som sumiu
Toda rima está vesga, o verso manco
Com a morte do grande Louro Branco
Que a convite de Deus ao céu subiu.
Se tem substituto, ninguém viu
No passado, nem tem atualmente.
Nós perdemos a última semente
Que o roçado do verso safrejou
A lagarta do tempo devorou
Os maiores artistas do repente.

Leia também, no PORTAL VERMELHO: http://www.vermelho.org.br/noticia/306676-1

A cantoria está de luto com a morte do repentista Louro Branco

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