segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

João Melchíades e a GUERRA DE CANUDOS



João Melchíades Ferreira  
(Resumo biográfico elaborado pela Fundação Joaquim Nabuco)


Lúcia Gaspar
Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco
pesquisaescolar@fundaj.gov.br Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo.

O poeta popular e cantador João Melchíades Ferreira da Silva nasceu em Bananeiras, Paraíba, em 7 de setembro de 1869.
Filho de pequenos proprietários ficou órfão de pai muito cedo. Nunca freqüentou a escola. Aprendeu a ler com o beato Antônio Simão que pregava o catolicismo e alfabetizava adultos e crianças, por ordem do Padre Ibiapina.
Entrou para o exército aos 19 anos e, cinco anos depois, foi promovido a sargento. Combateu os partidários de Antônio Conselheiro na Guerra de Canudos, em 1897, e participou das campanhas do Acre, na disputa de território entre o Brasil e a Bolívia, em 1903.
Em 1904, depois de reformado do Exército voltou a morar na capital paraibana, onde casou e teve quatro filhos, tornando-se poeta popular e cantador. Segundo alguns, era mais poeta popular do que cantador, não se enquadrando como um repentista nato.
Intitulava-se o Cantor da Borborema e é invocado, com nome e codinome, na obra de Ariano Suassuna A Pedra do Reino.
É autor do folheto A Guerra de Canudos, o primeiro cordel sobre Antônio Conselheiro, publicado no início do século XX que, apesar de não ter sido assinado, foi identificado como seu pelo pesquisador José Calasans.
Os seus folhetos, na sua grande maioria, eram revisados e impressos na tipografia do seu amigo Francisco das Chagas Batista.
Considerado um dos grandes poetas populares da primeira geração de cordelistas do Nordeste brasileiro, Melchíades já publicava folhetos com regularidade em 1914.
Era um poeta-cronista da sua região de origem, principalmente da Serra da Borborema, narrando histórias e feitos dos seus habitantes, beatos, heróis e valentes, além de descrever seus usos e costumes.
Estima-se que seja autor de 36 cordéis. Da sua obra podem ser destacados, além d’A Guerra de Canudos, O Pavão Misterioso; História do valente sertanejo Zé Garcia; As quatro órfãs de Portugal ou o valor da honestidade; Combate de José Colatino com o Carranca do Piauí; História de Rosa Branca de castidade; História de Antonio Silvino; A história de Carlos Magno e os 12 pares de França; Peleja de Joaquim Jaqueira com João Melquíades; História do Rei do Meio Dia e a moça pobre; História sertaneja; Quinta peleja dos protestantes com João Melquíades; História do viadinho e a moça da floresta; O príncipe Roldão no Leão de Ouro; A besta de sete cabeças; As quatro moças do céu: fé, esperança, caridade e formosura
João Melchíades Ferreira da Silva morreu em João Pessoa no dia 10 de dezembro de 1933.

Recife, 15 de dezembro de 2008.
(Atualizado em 28 de agosto de 2009).


FONTES CONSULTADAS:
ALMEIDA, Átila Augusto F. de; ALVES SOBRINHO, José. Dicionário bio-bibliográfico de repentistas e poetas de bancada. João Pessoa: UFPB, Editora Universitária; Campina Grande: Centro de Ciências e Tecnologia - UFPB, 1978. v. 1.
BENJAMIM, Roberto. João Melchíades Ferreira: biografia. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/JoaoMelquiades/joaoMelquiades_biografia.html>. Acesso em: 5 dez. 2008.
GRILLO, Maria Ângela de Faria. A arte do povo: histórias na literatura de cordel (1900-1940).255 f. 2005. Tese (Doutorado em História).-
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2005.
JOÃO Melchíades Ferreira: poeta popular. Disponível em:<http://fotolog.terra.com.br/editora_coqueiro%3A503>. Acesso em: 5 dez. 2008.
COMO CITAR ESTE TEXTO:
Fonte: GASPAR, Lúcia. João Melchíades Ferreira. Pesquisa Escolar On-Line, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: dia mês ano. Ex: 6 ago. 2009.



JOÃO MELCHIADES E A GUERRA DE CANUDOS

A visão de JOÃO MELCHÍADES sobre a Guerra de Canudos não poderia ser outra. Ele era militar, membro do Exército Brasileiro e ex-combatente de Canudos. É natural que assumisse a defesa da República, contra a ideologia pregada e praticada por Conselheiro e seus adeptos. Diferentemente de Euclides da Cunha, ele não viu nenhum mérito naquele grupo de valentes sertanejos que se insurgiu (e venceu, em algumas ocasiões) o Exército brasileiro. Eis alguns trechos do poema, possivelmente o primeiro escrito sobre a tragédia que abalou os sertões da Bahia:

A GUERRA DE CANUDOS*

No ano noventa e seis
o Exército brasileiro
Achou-se então comandado
Pelo general guerreiro
De nome Arthur Oscar
Contra um chefe cangaceiro.

Ergueu-se contra a República
O bandido mais cruel
Iludindo um grande povo
Com a doutrina infiel
Seu nome era Antônio
Vicente Mendes Maciel.

De alpercatas, um cajado
Armado de valentia
Seu pensamento era o crime
Outra coisa não queria
Agradou-se de Canudos
Que é sertão da Bahia.

E para iludir ao povo
Ignorante do sertão
Inventou fazer milagres
Dizia em seu sermão
Que virava a água em leite
Convertia pedra em pão.

Criou-se logo em Canudos
Um batalhão quadrilheiro
Para exercitar os crimes
Desse chefe canganceiro
Então lhe deram tres nomes
De Bom Jesus Conselheiro.

(...)

Um dos momentos mais brilhantes da narrativa, onde Melchíades se vê forçado a reconhecer a bravura dos conselheiristas, trata-se justamente do momento da fuga desesperada do General Tamarindo:

No Angico, Tamarindo
Terminou sua partida
Foi varado de uma bala
Dizendo: " - Pela ferida,
Dou quatro contos de réis
A quem salvar minha vida!"

Senhor Major Cunha Matos
Tome conta da brigada
Sustenta o fogo de costas
Com a mesma retirada
E não me deixe morrer
Nas mãos dessa jagunçada.

Escapa, escapa soldado,
Quem tiver perna que corra
Quem quiser ficar que fique
Quem quiser morrer que morra
Há de nascer duas vezes
Quem sair desta gangorra.

* A íntegra do poema pode ser encontrada na Antologia da Literatura de Cordel, de Sebastião Nunes Batista, publicada em 1977 pela Fundação José Augusto, de Natal-RN. Acreditamos que o mesmo tenha sido publicado na Popular Editora, de Chagas Batista, depois que Melchíades foi reformado do Exército e passou a se dedicar ao cordel e à cantoria.

OUTRA VISÃO SOBRE O CONSELHEIRO

Recomendamos também a leitura da obra 'A HISTÓRIA DE ANTONIO CONSELHEIRO', do poeta Geraldo Amâncio, uma obra-prima que narra magistralmente a Saga de Canudos, escrito mais de 100 anos após a publicação do folheto de João Melchíades. Lançamento da Editora IMEPH, com ilustrações do artista plástico Kazane, a obra saiu em edição bem cuidada, impressa em papel de boa qualidade com capa e miolo coloridos. A visão de Geraldo Amâncio é totalmente oposta a de João Melchíades. Uma prova de que o cordel evoluiu não apenas na linguagem, mas também na visão crítica dos fatos que compõem a história.


Seguem trechos de:


A HISTÓRIA DE ANTONIO CONSELHEIRO
(Geraldo Amancio)


Conselheiro foi um homem
De espírito combativo.
Obstinado e valente,
Decidido e combativo.
Com tanta sabedoria
Conselheiro merecia
Por mil anos ficar vivo.


Do homem cresce o valor
Quando a história compara.
O Brasil tem a mania
De enaltecer Che Guevara
Talvez por ser estrangeiro.
Nosso Antonio Conselheiro
Foi uma jóia mais rara.


(...)


Montou primeiro um comércio
Para comprar e vender.
No magistério ensinava
Ler, contar e escrever.
E no foro trabalhava,
De toda forma buscava
Meios pra sobreviver.


Em qualquer trabalho tinha
Bravura e muita coragem.
Porém, Euclides da Cunha
Denegrindo a sua imagem
De uma maneira mesquinha
Diz n"Os Sertões que ele tinha
Tendência pra vadiagem.


(...)


Com o padre Ibiapina
Muitas lições aprendeu.
Esse sim, amou os pobres,
Do que tinha ofereceu.
Angariou donativos...
"É melhor dar pão aos vivos
Do que chorar quem morreu".


Antonio tornou-se arauto
Dos sem pátria, dos sem nome.
Sabia ouvir o sussurro
Da multidão que não come.
Uniu sua mágoa a eles,
Porque também era um deles
Conhecia a dor da fome.


(...)


Conselheiro interpretava
A Bíblia à sua maneira.
Não obedecia a bispo,
Nem a padre, nem à freira.
Se ainda existisse a mão
Da tal Santa Inquisição
Seu destino era a fogueira.


Com isso, logo alguns padres
Mostraram-se intolerantes
Dizendo que as leis da Terra
Tinham de ser como antes:
Que o cobre se desse ao nobre,
Tinha que haver rico e pobre,
Os mandados e os mandantes.


(...)


Naqueles sertões desertos,
De esquisitos carrascais,
Multidões embevecidas
Ouviram sermões de paz
Do maior dos conselheiros.
Isso para os fazendeiros
Era incômodo demais.

2 comentários:

  1. Ary,
    Gostaria de deixar aqui meus versos sobre a polemica autoria do Pavão Misterioso.


    VOA!!! PAVÃO, VOA!!!!
    PAVÃO MISTERIOSO!!!!
    I
    O cordel tem dado mostras
    De sua versatilidade
    Navega na internet
    Com a maior tranqüilidade
    Escreve em verso o jornal
    Cultura imaterial
    É tema da atualidade.
    II
    Chegando à modernidade,
    O cordel virou “global”
    Vem de muitos idos tempos,
    Na TV é cabedal.
    Está presente na tela:
    Acompanhe a novela.
    Lá tem papel virtual.
    III
    Ouvimos muito falar
    De um pavão encantado
    De um pássaro formoso,
    Em um reino afastado
    Repleto de peripécia
    “Que levantou vôo da Grécia”
    De amor acalantado
    IV
    Foi num antigo reinado
    Nos tempos da oralidade
    Onde havia uma princesa
    Menina de pouca idade
    O seu pai muito grosseiro
    Trancou-a em cativeiro
    Num reino de falsidade
    V
    Essa história tem versões
    De poeta afamado
    José Camelo de Melo
    É o mais reivindicado
    Pela autoria dos versos
    Por motivos adversos
    Foi por outro aclamado.
    VI
    Esse outro poeta foi
    O Melquíades Ferreira
    Que vendeu muito folheto.
    João Camelo, na carreira
    Desgostoso e bem zangado
    Rasgou os versos guardados,
    Que não venderam na feira
    VII
    Tá chegando o Carnaval:
    A temática é cordel.
    O Salgueiro homenageia
    Nosso vate menestrel
    O poeta bem atento,
    Acompanha o seguimento
    Observando o plantel
    VIII
    Agora vem o Salgueiro
    Com o Pavão Misterioso
    Trazendo no seu desfile
    Também Boi Misterioso
    Tem zabumba, tem pandeiro
    E tem velho mandingueiro:
    Carnaval ambicioso
    IX
    Pavão Misterioso chega
    Na avenida, vem voando
    Soltando as suas plumas
    A arquibancada gritando:
    Voa, voa meu Pavão
    Hoje é dia do povão
    O Pavão está abafando
    (Rosário Pinto)
    *
    Abra o link e leia mais de 10 edições distintas e, realize suas pesquisas em:

    http://www.docvirt.no-ip.com/asp/folclore.asp?bib=cordel&pasta=C0848

    SILVA, João Melquíades Ferreira da. História do pavão misterioso. Ed. Especial. Campina Grande: [s.n.], 1955. 32 p.

    Observe a nota ao final do folheto:
    Esta edição traz uma nota do poeta Abraão Batista acerca da autoria.

    "Segundo Expedito Sebastião da Silva, poeta gráfico da antiga Editora de José Bernardo. João Melquíades plagiou o Pavão Misterioso, o "original" de José Camelo de Melo. O plágio vendeu melhor do que o original. A gráfica José Bernardo segui o gosto popular. José Camelo, desgostoso rasgou o seu original que perdera a concorrência"
    *
    Viste ainda:
    *
    www.ablc.com.br
    www.cnfcp.gov.br
    http://cordeldesaia.blogspot.com
    http://cantinhodadalinha.blogspot.com

    ResponderExcluir