sábado, 2 de julho de 2011

A CRÔNICA DE DRUMMOND

LEANDRO X OLAVO BILAC

Carlos Drummond de Andrade
Caricatura de Baptistão


Carlos Drummond de Andrade, na sua importante crônica intitulada Leandro, o Poeta, publicada no Jornal do Brasil de 9 de Setembro de 1976, faz uma crítica ao título dado à Olavo Bilac de Príncipe dos poetas divulgado pela revista FON FON.

A crítica do poeta é atualíssima e contraria interesses daqueles que a título de bajulação criam tais títulos sem o devido valor.

Assim, levanta quem, de fato, merece os louros pela força da palavra rimada, pela qualidade dos versos, das imagens, da cultura popular retratada com esmero e competência.

(Comentário extraído do blog do poeta Merlânio Maia)

Olavo Brás dos Guimarães Bilac


EIS UMA SÍNTESE DA CRÔNICA:

“ Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, de um total de 173, elegeram por maioria relativa  Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros.  Atribuo o resultado a má informação porque o título, a ser concedido, só podia caber a Leandro Gomes de Barros, nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição promovida pela revista Fon-Fon!, mas, vastamente popular no norte do país, onde suas obras alcançaram divulgação jamais sonhada pelo autor do ‘ ouvir estrelas”.

(...) E aqui desfaço a perplexidade que algum leitor não familiarizado com o assunto estará sentindo ao ver  defrontados os nomes de Olavo Bilac e Leandro Gomes de Barros.

      Um é Poeta erudito, produto de cultura urbana e burguesia média;  o outro, planta sertaneja vicejando a margem do cangaço, da seca e da pobreza. Aquele tinha livros admirados nas rodas sociais, e os salões o recebia com flores. Este espalhava seus versos em folhetos de Cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pés no chão...” 

 Ainda completa Drummond com sua afinadíssima verve, comparando os estilos e fechando com a perfeição peculiar:

“ A poesia parnasiana de Bilac, bela e suntuosa, correspondia a uma zona limitada de bem estar social, bebia inspiração européia e, mesmo quando se debruçava sobre temas brasileiros, só era captada pela elite que comandava o sistema de poder político, econômico e mundano. 

A de Leandro, pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco*, era a que tocava milhares de brasileiros humildes, ainda mais simples que o poeta, e necessitados de ver convertida e sublimada em canto a mesquinharia da vida. (...)” E conclui: “ Não foi  príncipe de poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão e do Brasil em estado puro”.


Leandro Gomes de Barros

* Na biografia de Leandro Gomes de Barros, trabalho que escrevi entre 2005 e 2010 e que ainda permanece inédito por falta de editor interessado, contesto essa afirmativa de Carlos Drummond de Andrade. Leandro tinha sim, métrica, ritmo, conhecimento de gramática e apoio livresco. Mesmo sendo um poeta popular, era sobrinho materno do Padre Vicente Xavier de Farias, latinista e mestre-escola na Vila do Teixeira, seu tutor dos 9 aos 15 anos, de quem recebeu a educação escolar. Na obra de Leandro é possível entrever algumas de suas leituras: o livro de Carlos Magno e os doze pares de França, a Donzela Teodora, O mártir do Gólgota, a Bíblia Sagrada, romances de José de Alencar e muitos outros fizeram parte de suas leituras prediletas. No folheto "O Recife", o poeta cita todos as tipografias, bem como os jornais, revistas e outras publicações que circulavam em Recife no distante ano de 1907, prova de que estava sintonizado com o que se escrevia na sua época. Não podemos esquecer que Leandro era compadre e amigo de Chagas Batista, dono de livraria e editora na capital da Parahyba (hoje João Pessoa) e que, sendo um homem de letras, ao hospedar-se na casa deste por dias e dias, conforme atesta Paulo Nunes Batista, uma de suas atividades prediletas era ler jornais, livros e revistas ali disponíveis. 
Tal análise encontra suporte nos escritos dos pesquisadores Salomão Rovedo e Marco Haurélio, dois estudiosos da vida e da obra do mestres de Pombal-PB. 

 (ARIEVALDO VIANA)


GOSTARIA MUITO DE COLHER OPINIÕES
DOS LEITORES SOBRE ESSA POSTAGEM...

As mais interessantes poderão ser aproveitadas
no capítulo que trata deste assunto, na Biografia (inédita)
de Leandro Gomes de Barros.

8 comentários:

  1. Postagem MUITO interessante. Realmente devemos dar o devido valor à quem merece. E mais, concordo com você. Leandro de Barros e acho que todos os poetas populares tem sim ritmo e tudo mais. Alguns inconscientemente, o que não é o caso dele. E pra terminar, lute para publicar essa biografia. Lute mesmo.

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  2. Caro Dija Darkdija, é uma honra tê-lo como leitor de nosso blog. Obrigado pelo incentivo. Estamos lutando para publicar esta biografia de Leandro em dois volumes, o segundo seria uma Antologia, com poemas representativos de sua obra.

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  3. É preciso ter em conta que Bilac, em muitos momentos, um grande artíficie do verso, tanto que às soa artificial,representava o fastígio da Belle Époque, em que de fato a literatura nacional apenas emulava os modelos franceses em voga. Drummond, um modernista de segunda hora, na sua própria obra se utiliza bastante da redondilha menor, medida medula do cordel. Tenha-se em mente que Drummond, em certa medida, representa o despertar do Brasil de um olhar interno menos hostil, com a valorização do folclore e consequentemente dos cordelistas clássicos, em que a figura de Leandro Gomes de Barros representa um momento de fundação e definição das formas do cordel em sua versão brasileira.

    2 de julho de 2011 08:36

    Verificação de palavras

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  4. Gostaria de cumprimentar o blogueiro pela inclusão das postagens anônimas e com nome/url, bem menos penosas para o internauta. Afora os cretinos que nada tem a dizer e tentam poluir algums páginas com certas cavalices, típicas dos qualiras juramentados e praticantes.

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  5. Silvio Rober (revisado)2 de julho de 2011 às 08:45

    É preciso ter em conta que Bilac, em muitos momentos, um grande artíficie do verso, tanto que às vezes soa artificial,representava o fastígio da Belle Époque, em que de fato a literatura nacional apenas emulava os modelos franceses em voga. Drummond, um modernista de segunda hora, na sua própria obra se utiliza bastante da redondilha menor, medida medula do cordel. Tenha-se em mente que Drummond, em certa medida, representa o despertar do Brasil de um olhar interno menos hostil, com a valorização do folclore e consequentemente dos cordelistas clássicos, em que a figura de Leandro Gomes de Barros representa um momento de fundação e definição das formas e da temática do cordel em sua versão brasileira.

    2 de julho de 2011 08:36

    Verificação de palavras

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  6. Isto é no que dá proclamar títulos a poeta. O melhor título de poeta, a meu ver, é poeta. Seguindo essa moda hierárquica, tínhamos então que ter o conde da poesia, o visconde, o almirante, o marechal... Tanto Leandro quanto Bilac são poetas enormes. Ambos souberam expressar sua sensibilidade sem arrodeios. Ou, como diria Bilac, "sem mostrar os andaimes do edifício". Sinto muito, poeta, mas a célebre crônica de Drummond pareceu-me sempre um tanto ressabiada. E não sei por quê. Mas parabéns pelo resgate. Quero ver lançado em seu livro biográfico de Leandro, inclusive, com fac-símile do jornal da época. Uma relíquia.

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  7. Meu amigo Pedro Nunes Filho, escritor de nomeada e parente de Leandro Gomes de Barros prometeu-me ajudar na penosa tarefa de procurar editores para a obra. Crei que deste ano não passa. Gostaria muito de lançá-la no dia 19 de novembro, data do aniversário do poeta.
    Muito abalizadas as opiniões dos poetas Pedro Paulo e Silvio Roberto. Tanto Leandro quanto Bilac foram dois monstros sagrados da poesia, cada qual na sua seara.

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  8. Na crônica de Drummond, do começo ao fim, a opção é pelo confronto. Vejamos um trecho:
    "Um é Poeta erudito, produto de cultura urbana e burguesia média; o outro, planta sertaneja vicejando a margem do cangaço, da seca e da pobreza. Aquele tinha livros admirados nas rodas sociais, e os salões o recebia com flores. Este espalhava seus versos em folhetos de Cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pés no chão..."

    Até onde sei, Leandro não utilizava xilogravuras toscas, o que já evidencia um equívoco no argumento que se vale da comparação. Mas, vamos a outro trecho:

    "A poesia parnasiana de Bilac, bela e suntuosa, correspondia a uma zona limitada de bem estar social, bebia inspiração européia e, mesmo quando se debruçava sobre temas brasileiros, só era captada pela elite que comandava o sistema de poder político, econômico e mundano.

    A de Leandro, pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco, era a que tocava milhares de brasileiros humildes, ainda mais simples que o poeta, e necessitados de ver convertida e sublimada em canto a mesquinharia da vida."

    A comparação agora se dá sob o prisma do estético. E, vale dizer, desta vez Leandro fica em desvantagem por conta de outro grave equívoco de Drummond. Sua poesia não era "pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco". Uma das características da (boa) literatura de cordel é a riqueza rítmica, musical, e nesse contexto triunfam Leandro e vários outros autores. Afirmar que ele não tinha apoio livresco é cair no reducionismo dos que julgam o poeta "popular" alguém à margem da cultura oficial. Leandro, embora não tenha tido acesso a uma boa instrução formal, era um grande leitor. Em sua obra encontramos versões de contos das Mil e Uma Noites, de Livros do Povo (conforme definição de Teófilo Braga emulado por Câmara Cascudo) e, até mesmo, de um clássico do nosso romantismo. Refiro-me a Noite na Taverna, admiravelmente relido em Meia-noite no Cabaré. Enfim, o texto de Drummond, na tentativa de fazer justiça, carrega nos estereótipos, principalmente quando uma análise atenta comprova que ele sabia menos de Leandro e de sua obra do que se alardeia.

    Um abraço!

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