quarta-feira, 11 de maio de 2011

Problema de autoria no CORDEL

O Cantor da Borborema e o Pavão Mysterioso
Arievaldo Viana *
Pavão Misterioso - desenho de Arievaldo Viana
 
JOÃO MELCHÍADES FERREIRA O Cantor da Borborema, nasceu em Bananeiras-PB aos 07 de setembro de 1869 e faleceu no dia 10 dezembro de 1933. Sentou praça no exército aos 19 anos de idade, ainda na monarquia, sendo promovido a sargento após a Guerra de Canudos, onde combateu. Em 1897 casou-se com Senhorinha Melchíades, com quem teve quatro filhos. Sua filha Santina Melchíades da Silva, prestou excelentes informações sobre o poeta à pesquisadora Ruth Brito Lêmos Terra, autora do livro "Memória de Lutas: Literatura de Folhetos do Nordeste 1983-1930. Nesta obra, a autora publicou a íntegra de uma correspondência dirigida por João Melchíades à sua esposa, em 1914, onde o poeta fala da primeira edição de CAZUZA SÁTIRO, "que sairia com 66 páginas, maior que o de ESMERALDINA E OTACIANA". O poeta informa ainda o custo de impressão e o preço de revenda dos folhetos, o que torna a correspondência uma verdadeira preciosidade.
João Melchíades Ferreira da Silva, o cantor da Borborema

De uns tempos para cá, afirmam os pesquisadores mais autorizados que o Pavão publicado por João Melchíades era na verdade um "plágio" ou "recriação" de obra criada por José Camelo de Melo. Aterrizando esse Pavão voador e dissipando todo o mistério que o envolve, é bom que se esclareça a verdade: o pavão de alumínio, pilotado sorrateiramente pelo cantador Romano Elias, fugiu em noite silenciosa da oficina de seu criador JOSÉ CAMELO DE MELO (nascido na povoação de Pilõezinhos, município de Guarabira-PB e falecido em Rio Tinto-PB, aos 28 de outubro de 1964), um poeta que "cantou, mas não teve sorte" como ele próprio afirma no final de um romance de sua autoria - indo parar no "telhado" de Melchíades. Camelo já havia composto a história do Pavão mas não a havia publicado, limitando-se apenas a cantá-la em suas apresentações.
Melchíades, de posse de uma cópia do poema e aproveitando-se da ausência de Camelo, reescreveu o tema e o publicou. Uma versão deste episódio, atribuída ao poeta Joaquim Batista de Sena, (admirador da obra de Camelo e seu amigo pessoal), dá conta de que na época em que o "Pavão" foi publicado, José Camelo teve que deixar a Paraíba para refugiar-se no interior do Rio Grande do Norte devido uma situação complicada. José Camelo de Melo era, além de grande poeta, um exímio xilógrafo, dado que vem a ser confirmado por Átila de Almeida e José Alves Sobrinho em seu Dicionário Biobibliográfico dos Repentistas e Poetas de Bancada. Como tal, teve seu trabalho de xilógrafo requisitado por donos de alambiques para falsificar selos e burlar a fiscalização da Fazenda paraibana. A atividade ilícita veio a ser descoberta e José Camelo fugiu de seu estado natal temendo ser preso. Teria sido justamente nesse período que o cantador Romano Elias, de posse de uma cópia do poema, o teria apresentado a João Melchíades que reescreveria o tema e o publicaria em seguida.
É inadmissível a afirmativa de que João Melchíades teria simplesmente usurpado a autoria da obra. No mínimo, ele reescreveu a história do Pavão, fazendo sensíveis modificações em sua estrutura (alguns afirmam que para pior), o que achamos mais provável. Vejamos o depoimento de Maria de Jesus Silva Diniz, filha de José Bernardo da Silva: ela assegura que o Pavão de José Camelo teria 40 páginas, enquanto a versão de Melchíades, que chegou ao nosso conhecimento e que ela publicava em sua tipografia, tem apenas 32 páginas, tratando-se evidentemente de uma versão mais resumida. O poeta Expedito Sebastião da Silva, chefe gráfico da Lira Nordestina, ainda teria mais um dado a acrescentar. Segundo ele, José Camelo de Melo ficou revoltado porque o público tinha larga preferência pela versão de Melchíades o que o levou a destruir os seus originais. Detalhe, na versão de José Camelo de Melo, publicada após a de Melchíades, Evangelista, o personagem central da trama, destrói o Pavão Misterioso a pedido do engenheiro Edmundo, inventor do aeroplano.
A RELEITURA DO PAVÃO - Em 1992, encontrei o já consagrado cartunista/ilustrador JÔ OLIVEIRA no Salão Nacional de Humor de Campina Grande-PB e ele me mostrou, empolgado, as primeiras pranchas do Pavão Misterioso, com texto em prosa e um formato que mais lembrava um álbum de HQ. Posteriormente, ele utilizou o tema para desenvolver selos para os Correios. O Pavão voou os quatro cantos do mundo no traço de Jô Oliveira, e acabou ganhando três edições com texto em prosa. Início de 2007, reencontrei o Jô por acaso e ele me falou do seu desejo de recontar a história do PAVÃO em cordel, com linguagem mais atual, mais apropriada para o público infanto-juvenil, colocando alguns personagens no Nordeste (no caso os irmãos João Batista e Evangelista, o cavalo Ventania e o cachorro Corisco, estes últimos criação sua, que não aparecem na antiga versão de Melchíades/Camelo). Topei o desafio e fiz uma síntese da trama em sextilhas, apresentando novos personagens e fazendo ajustes necessários para o público de hoje (a versão primitiva é de 1926). O resultado ficou satisfatório e a prova disso é que antigos fãs do folheto de cordel ficaram encantados com o novo formato. É gratificante, também, notar o interesse de pedagogos e arte-educadores, que o adotam como paradidático desde 2007. A edição do mesmo ficou a cargo da editora cearense IMEPH, que atua no mercado há poucos anos, mas já tem um catálogo de mais de 100 publicações, a maioria utilizando a linguagem do Cordel. A parceria com Jô Oliveira vem rendendo novos frutos...  Além do "Pavão Misterioso" ilustrado, temos também na versão "cordelivro" A AMBIÇÃO DE MACBETH, O BICHO FOLHARAL, CASOS DE ROMUALDO EM CORDEL, JOÃO DE CALAIS E SUA AMADA CONSTANÇA, ARTIMANHAS DE JOÃO GRILO, e EL CID, todos em cordel, pelas editoras IMEPH, CONHECIMENTO, CORAG, FTD e CORTEZ.

* Arievaldo Viana. Poeta popular, radialista e publicitário, nasceu em Fazenda Ouro Preto, Quixeramobim-CE, aos 18 de setembro de 1967. Desde criança exercita sua verve poética, mas só começou a publicar seus folhetos em 1989, quando lançou, juntamente com o poeta Pedro Paulo Paulino, a Coleção Cancão de Fogo. Em 2000, foi eleito membro da ABLC. É o criador do Projeto ACORDA CORDEL na Sala de Aula, que utiliza a poesia popular na alfabetização de jovens e adultos.

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