quinta-feira, 30 de março de 2017

SANTANINHA, O PRECURSOR


Um poeta popular na Capital do Império

PESQUISA JOGA NOVAS LUZES SOBRE OS PRIMÓRDIOS DO CORDEL BRASILEIRO

Alguém já ouviu falar do Santaninha? Os pesquisadores Arievaldo Vianna e Stélio Torquato seguiram as pegadas desse poeta popular citado por Sílvio Romero, Mello Moraes Filho, Barão de Studart e José Calazans (dentre outros) como um dos precursores da Literatura de Cordel. A pesquisa abrange citações em livros do século XIX e primórdios do século XX, notas publicadas em dezenas de jornais e revistas do Ceará, Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro e narra a saga desse poeta potiguar, natural da Vila de Touros-RN, nascido em 1827, autor de, pelo menos, 10 folhetos de cordel publicados entre 1873 e 1883. Com muito esforço os autores obtiveram também o texto integral de quatro poemas de Santaninha, todos em sextilha!
Trata-se de uma biografia e alentado estudo sobre a obra de Santaninha, acompanhado de uma Antologia com os quatro poemas já mencionados, a saber: O Imposto do Vintém, A Guerra do Paraguai, A Seca do Ceará e o Célebre Chapéu de Sol.  O livro sairá em breve pela META EDITORIAL. Lançamento previsto para a BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO CEARÁ.


Folhetos de trovas populares, publicados pela Livraria Quaresma

O OVO E A GALINHA: UM ESTUDO SOBRE OS PRIMÓRDIOS DA LITERATURA DE CORDEL

Quem surgiu primeiro? A grande polêmica entre alguns pesquisadores é saber quem publicou folhetos primeiro, se Leandro Gomes de Barros, considerado o ‘pai da Literatura de Cordel’, ou se tal primazia coube a Silvino Pirauá de Lima, ambos paraibanos. Contando em desfavor do segundo está o fato de não terem se conservado seus folhetos mais antigos, ao passo que boa parte da produção de Leandro está preservada no acervo da Casa de Rui Barbosa e na Biblioteca Átila de Almeida, em Campina Grande, com folhetos datados da primeira década do século XX. Antes desses pioneiros, entretanto, um bardo e também rabequista veio a publicar folhetos populares em sextilhas, através da Livraria do Povo, de Pedro Quaresma, no Rio de Janeiro, com formato muito aproximado do autêntico cordel nordestino, quase duas décadas antes de Leandro.
Trata-se do poeta João Sant’Anna de Maria, o Santaninha, autor do folheto O Imposto do Vintém, publicado em 1880. Antes desse cordel, já havia publicado um poema sobre a Guerra do Paraguai. Santaninha revendia seus folhetos no centro da então Capital do Império, cantando-os ao som da rabeca. Parte do conteúdo desses folhetos encontra-se registrada nos Anais do Museu Histórico Nacional. Também tivemos acesso a um folheto integralmente preservado, com quatro poemas de Santaninha, no acervo da Biblioteca Nacional, publicados entre 1879-1881.
Os cronistas daquela época e até mesmo alguns editores classificavam a produção de Santaninha e outros poetas populares como livretos de “modinhas” à falta de melhor definição, pois o termo Literatura de Cordel, trazido de Portugal, ainda não havia se popularizado no Brasil. Essa, aliás, era prática comum, como ratifica Vicente Sales, informando que a editora Guajarina, de Belém-PA, ao divulgar, por volta de 1920, um catálogo de 35 títulos de autores como Leandro Gomes de Barros, João Melchíades Ferreira e Firmino Teixeira do Amaral (entre outros), classifica os folhetos como “literatura sertaneja” ou “coleção de modinhas”. (SALLES, 1985, p. 152)
Sílvio Romero, contudo, já classifica a produção de Santaninha como Literatura de Cordel. Desde a primeira edição do livro Estudos sobre a Poesia Popular do Brasil, publicada em 1879-1880, Silvio Romero já faz uma leve referência ao “pequeno poeta”:

A literatura ambulante e de cordel no Brasil é a mesma de Portugal. Os folhetos mais vulgares nos cordéis de nossos livreiros de rua são: A história da Donzela Theodora, A Imperatriz Porcina, A Formosa Magalona, O Naufrágio de João de Calais – a que juntam-se Carlos Magno e os Doze Pares de França, O testamento do Galo e da Galinha, e agora bem modernamente – as Poesias do Pequeno Poeta João Sant’Anna de Maria sobre a Guerra do Paraguay [ROMERO, 1977, p. 257]

Da biografia de Santaninha, muitos dados eram desconhecidos até recentemente, a começar pela data e lugar de seu nascimento. O que nunca foi questionado foi o fato que viveu no Ceará, onde acompanhou atentamente o desenrolar da Guerra do Paraguai (1864-1870), escrevendo um longo poema que era uma espécie de carro-chefe de suas apresentações, antes de se mudar definitivamente para o Rio de Janeiro. Sabe-se a data em que teria se fixado na Capital do Império: 1877, como informa o célebre Dicionário Biobibliográfico Cearense, do Barão de Studart, no qual se registram outros dados sobre o autor:

João Sant’Anna de Maria – É o celebre Santaninha, afamado improvisador e tocador de rabeca. Foi trabalhador de um sitio da família Sombra em Maranguape, onde era muito popular, e, tendo se retirado para o Rio em 1877, ali faleceu alguns anos depois, após ter granjeado larga fama como rabequista popular. Publicou: — Guerra do Paraguai. Imposto do vintém. O Célebre Chapéu de Sol. A Seca do Ceará, folheto de pp., Rio de Janeiro, Livraria do Povo, Quaresma & C.a, Rua de S. José, 65 e 67. Além dessas suas afamadas cantigas, há mais Outras Poesias, que vi citadas em um catálogo da antiga livraria de Serafim José Alves, Rio. (STUDART, 1910-1915, verbete “João Sant’Anna de Maria”).



A Revolta do Vintém, tema de um folheto de Santaninha

JUSTIÇA PARA SANTANINHA
(trecho do prefácio do livro, assinado pelo pesquisador Marco Haurélio)

Os esforços envidados pelos poetas e pesquisadores Arievaldo Vianna e Stelio Torquato Lima para trazer à baila a fascinante e fugidia personagem Santaninha, pseudônimo de João Santana de Maria, pioneiro da literatura de cordel brasileira, representam um salto qualitativo poucas vezes visto nos estudos da poesia popular. A certeza fulminante advinda da pesquisa, agora transformada em livro, é a de que a cronologia do cordel precisa ser urgentemente revista. Santaninha antecede, em pelo menos duas décadas, Leandro Gomes de Barros (1865-1918), o paraibano genial que nos legou alguns dos maiores clássicos do gênero.
Por que, então, seu nome não consta ou é citado marginalmente por uma reduzida gama de pesquisadores? Por que não há qualquer referência a ele no Dicionário Biobibliográfico de Repentistas e Poetas de Bancada, de Átila Almeida e José Alves Sobrinho?

Bem, são muitas as perguntas, e os autores deste livro respondem à maior parte delas com a desenvoltura de quem foi além das fontes primárias. À parte a conhecida e repisada citação de Sílvio Romero em seus Estudos da poesia popular, Arievaldo e Stelio recorreram a acervos, recortes de jornal e obras de referência há muito fora de circulação. Se Santaninha, a princípio, era uma personagem distante, quase evanescente, a pesquisa criteriosa, deu-lhe um rosto, esboçou traços de sua personalidade e reconstruiu sua trajetória de migrante que deixou o Ceará e se instalou no Rio de Janeiro, tornando-se, na capital federal, um cronista popular. Citei-o brevemente, reproduzindo, em nota, o verbete do Barão de Studart que também consta deste volume. Sabia de sua importância, mas não fazia ideia de como inseri-lo no universo da literatura de cordel, tal como se estabeleceu a partir do modelo legado principalmente por Leandro Gomes de Barros. Este livro faz isso muito bem e vai além. (...)


Página de rosto de um folheto de Santaninha, 
todo escrito em SEXTILHAS

* * *
SERVIÇO: Lançamento dia 18 de abril (terça-feira), na Praça do Cordel, a partir das 15 horas. Palestra com Stélio Torquato, Arievaldo Vianna, Gilmar de Carvalho e Crispiniano Neto.

Ver programação completa aqui: https://issuu.com/secultceara/docs/programacao_bienal2

2 comentários:

  1. Parabéns ao Santaninha!
    A lavra de artistas prova
    Ser sua a profícua lavra.
    A sua arma, a palavra,
    O vernáculo que não tinha
    Verbalizava na trova
    De perfeita perfeição
    Da mais extremada linha.

    Aqui no nosso litoral catarinense, as décimas do cancioneiro português foram muito usadas. Consta que em Armação do Itapocoróy, um capitão de longo curso aposentado foi um dos maiores trovadores ao desafio - o Senhor João Leite. Consta como uma de suas pérolas, a sequinte décima deturpada: "Prantei uma bananeira / Cortada, não era inteira / Na beira do meu riacho. / Prantei de ponta pra riba / Como tava ruim o crima / Nasceu de ponta pra baixo / E até amode um dispacho / Prantei numa sexta-feira / Domingo já deu um cacho.

    Sou um amante das trovas. Meu avô, açoriano, foi declamador de décimas. Grande abraço. Laerte.

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  2. Obrigado, Laerte, pela leitura do texto e comentário postado aqui no BLOG. Amanhã, 18 de abril, SANTANINHA será tema de uma Mesa Redonda na XII Bienal Internacional do Livro do Ceará.

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