sexta-feira, 28 de junho de 2013

O CEGO ADERALDO

Aderaldo Ferreira de Araújo
(* 24 de junho de 1878 + 29 de junho de 1967)
Ilustração: Jô Oliveira
 
ADERALDO, O MAIOR CANTADOR DE TODOS OS TEMPOS

 
Por Alberto Porfírio

 

No dia 30 de junho de 1967, o dia amanheceu nas ruas de Fortaleza com os jornais trazendo a seguinte manchete:

“MORREU O CEGO ADERALDO, O MAIOR CANTADOR DE TODOS OS TEMPOS”

Essa homenagem que tanto enaltece aquele poeta, causou celeuma nas reuniões de cantadores de todo o Nordeste brasileiro.

Eram poucos os profissionais da viola que não se mostraram contrários ao que, naquele dia, publicaram os jornais do Ceará em relação ao famoso cego cantador desaparecido. Eles achavam que isso não estava certo. Que o Cego Aderaldo não era merecedor daquela homenagem, quando existiam um Severino Pinto e outros, como os irmãos Batista Patriota e muitos que, como o Aderaldo, já haviam desaparecido e eram, também, estrelas de primeira grandeza.

Eu, por minha parte, não sei se com isso o povo do Ceará fez ou não justiça para com o célebre menestrel cearense.

Também quando foi morto em Sergipe, em 1938, o famigerado bandoleiro Virgulino Ferreira, semelhante manchete inundou toda a imprensa brasileira. O título de maior cangaceiro de todos os tempos, não queria dizer que o Lampião fosse invulnerável. E que nunca se tenha amofinado e corrido para se defender dos ataques e tiroteios de policiais de vários estados que o perseguiam.

O Cego Aderaldo eu conheci. E muito de perto. Tenho a honra de dizer que o acompanhei nos anos de seu apogeu como cantador e poeta.

(...)

Em 1933, quando vinha da romaria que fazia anualmente a Canindé, em Itapiúna, na Pensão da Quixabeira, encontrou-se com Ignácio Leite, cantador potiguar que o esperava. O próprio Aderaldo depois nos relatou:

“Encontrei um peso!... Vi-me em dificuldades ante aquele adversário que me esperava prevenido. Mas - dizia ele – falo sem exagero. Contei com oitenta por cento das palmas (aplausos) e saí como vencedor, quando eu não era melhor cantador do que ele!... Por que isso?”

E continuava:

“Geralmente o bom repentista é somente isso. E, sem que tenha boa voz e saiba fazer a entonação no instrumento que toca, o cantador nunca poderá agradar convenientemente ao seu público ouvinte.”

O cego tinha razão em seu argumento. Conhecemos grandes repentistas que não sabem tocar. E que usam o instrumento apenas para lhe estimular a verve poética. E dá-se que, em meio a calorosos debates, humilham-se diante do seu opositor pedindo-lhe para que a afine a viola.

O Cego Aderaldo quando moço, tinha uma voz forte e agradável e ainda tocava, regularmente, todos os instrumentos mais comuns em sua época. Aliás, a mais de duas dúzias de filhos adotivos ele ensinou a tocar desde o violino, instrumento em que se iniciara, passando por todos os instrumentos de cordas, até o clarinete, instrumento de sopro.

O gramofone com o seu disco, assim como o cinema, embora mudo, ele apresentava aos matutos. Sem falar da Literatura de Cordel, que era também vendida por ele aos sertanejos cooperando no aprendizado da leitura. Assim era o Aderaldo, uma espécie de missionário, pelo que lhe são merecidas todas as homenagens.

(...)
 

É, por exemplo, do cantador João Firmino, também cego, o seguinte martelo que conseguimos colher em Brasília, junto a amigos e conterrâneos que assistiram ao enterro do Cego Aderaldo no Cemitério São João Batista (no dia 30 de junho de 1967):
 

“Foi a forte aroeira que ruiu
A contato do gume do machado.
Foi o ferro melhor já fabricado
Que o mercado do mundo jamais viu;
Foi  o trem, sem destino, que partiu,
E ao longo da estrada deu o prego;
Como Homero, também, ele era cego
A quem todo o seu povo admirava...
Para ser o próprio Homero só faltava
Ao invés de cearense ser um grego!”
 

O Cego Aderaldo foi um ‘assum preto’. O destino lhe furara os olhos para ouvi-lo cantar melhor e deleitar, por alguns tempos, os moradores desse Nordeste moído que se alimenta de cantos, sonhos e esperanças!

(...)

 

In Alberto Porfírio -  “Poetas Populares e Cantadores do Ceará”, editora Horizonte, Brasília, 1978.

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