quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O GRANDE DEBATE

INFLUÊNCIAS IBÉRICAS NO CORDEL
 NORDESTINO... EXISTEM OU NÃO?

Novas Cantorias - Manoel e Maria com João Zero


 
Uma interessante e produtiva “polêmica” movimentou o mundo do cordel na semana passada, no blog do poeta Varneci Nascimento. O debate foi protagonizado, principalmente, pelos poetas Prof. Aderaldo Luciano e Arievaldo Viana. Debate saudável, diga-se de passagem, pois ambos são bons amigos. Houve opiniões também de Gerson Lopes e Aldy Carvalho que são interessantes registrar. Afinal de contas, há ou não influência da poesia ibérica no romanceiro popular nordestino? Leiam o debate e tirem as suas conclusões...
IMPRESSÕES SOBRE O I FÓRUM DE SÃO PAULO

Prof. Aderaldo Luciano, Varneci Nascimento e Dra. Jerusa Pires Ferreira

Se alguém perguntar a um poeta quem é o pai do cordel, a resposta é taxativa: Leandro Gomes de Barros. Se a conversa parar por aí você fica convencido, mas se insistir onde nasceu essa literatura, o poeta se trai dizendo que foi em Portugal por volta do século XVII. Mas como pode ter sido lá se Leandro não é desse tempo e nunca esteve em Portugal. Essas questões sempre me intrigaram, afinal Leandro é um paraibano e não um europeu, daí como foi conceber o cordel além mar?
Quando doutor Aderaldo Luciano, defendeu em sua tese que só herdamos dos portugueses a palavra cordel, e começou a expor seu pensamento, alguns poetas discordaram dele, que continuou expondo sua tese baseado em pesquisas. No fórum voltou a tocar nesse assunto, afirmando que o cordel produzindo em qualquer outra parte do mundo é cordel apenas no formato do folheto, mas não na forma de escrever. A professora doutora Jerusa o interrompeu e disse que era exatamente isso, citado como exemplo os cordéis que ela viu na Índia.
Ou seja, nós herdamos esse nome por causa do suporte, mas não pela poesia. No fórum confirmou-se aquilo que tantas vezes vi o poeta João Gomes de Sá afirmar nas palestras que fizemos, que em Portugal é chamado cordel tudo que se pendura em um barbante, ou seja uma receita de bolo, piada, conto, jograis etc.
Houve uma simbiose na fala da professora Jerusa com a do Aderaldo. Não sei porque tantos poetas e pesquisadores insistem que é o nosso cordel é o mesmo daquele produzido na Europa. Alguns vão mais longe dizendo que o cordel estava presente na idade média? Quem faz tal afirmação, deveria ter a coerência intelectual de assumir que dessa forma, Leandro não é o pioneiro do cordel. Todavia alguns fazem certas afirmações para agradar e não discordar do que muitas vezes, está posto, erroneamente, e assim se confirma um adágio que “uma mentira repetida várias vezes se torna uma verdade”. Foi o que fizeram com o cordel dizendo que veio de Portugal.
Por isso temos de tirar o chapéu e agradecer a esses dois estudiosos doutora Jerusa e doutor Aderaldo pela coragem que tiveram de expor aquilo que pesquisaram indo de encontro as verdades estabelecidas equivocadamente.

Folheto de cordel português: o mesmo suporte,
a mesma métrica, a mesma feição gráfica...

COMENTÁRIOS

Em 8/09/2011, às 08:10:54, ARIEVALDO VIANA | página pessoal disse:
Gostaria apenas de lembrar que tanto em Portugal, quanto na América Espanhola (México, Chile, Argentina) também se produziu o cordel em versos, utilizando a quadra (principalmente) a sextilha e os motes glosados em dez pés. Isto é um fato e contra fatos não há argumentos. LEANDRO é o pioneiro da literatura popular em versos no Brasil - o chamado ROMANCEIRO NORDESTINO, que, queiram ou não, recebeu influencias do cordel europeu. Há como negar isto, diante de histórias como Carlos Magno e os Pares de França, Pedro Cem, Princesa Magalona, Imperatriz Porcina etc.? E o Cego Baltazar Dias, da Ilha da Madeira? E os trovadores da Lyra Popular Chilena?
Concordo com Aderaldo e Dra. Jerusa em parte... o tipo de poesia popular produzido no Nordeste brasileiro é único, diferente de tudo que foi feito noutras partes do mundo, mas nem por isso podemos negar as influências ibéricas.
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Em 8/09/2011, às 20:37:29, Gerson Lopes de Araujo | e-mail disse:
Não estou aqui para criticar nem desafiar conhecimentos pois ainda sou um embrião no cordel mas pelo pouco que tenho lido nas consultas que fiz eu tenho mais que concordá com Arievaldo viana, e pois se o nósso amigo e conterraneo Leandro Gomes de Barros é mesmo o pai do cordel, e porque existe cordeis em lugares em que eli nem andou?
E as vezes ate mesmo antes de ele ter nascido?
Com esses desncontros de informacões eu fico em situacão porque as vezes eu vou em escolas falar da obra que estou escrevendo. E quando alguem me perguntar sobre á verdadeira origem do cordel o que vou dizer? pois eu ate concordo que haja desencontro de informacões maz não dentro da mesma cultura. Tem que haver um acordo, pois do contrario fica dificil de se explicar a essa\ gente desinformada que nós temos todos carentes de informacão:
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Em 9/09/2011, às 00:33:40, Aderaldo Luciano disse:
Eu havia decidido que não comentaria mais nos blogs e fotologs, mas fui citado. Os cordelistas de São Paulo estão protagonizando o melhor momento do cordel no Brasil: a discussão estética, a reflexão teórica, a revisão histórica. Acredito mesmo que esse seja o caminho natural para os outros rincões do Brasil. Já fico contente e satisfeito em ver que nessas discussões o termo "literatura de cordel" aos poucos vai cedendo espaço apenas para "cordel". É um avanço. Faço algumas perguntas aos meus antagonistas (em termos intelectuais, fique claro, pois respeito e gosto de todos), mas faço as perguntas: o que é o cordel brasileiro? Quem o fez e faz? Tem forma esse cordel? É rígida essa forma ou deixa se malear ao bel prazer do poeta? As sextilhas têm que ser rimadas, em rimas alternadas ou se pode colocar uma sextilha sem qualquer rima no cordel? Existe um cordel em prosa? Se um poeta, utilizando a técnica do cordel escrever apenas 5 sextilhas e chamar de cordel nós aceitaremos? Dêem-me os títulos de 200 obras adaptadas do cancioneiro ibérico? E mesmo se me derem, essa produção diante dos 20 mil títulos de cordel já escritos em 100 anos, no Brasil, determinará o quê? A louvável coleção Clássicos em Cordel, dirigida por Marco Haurélio, a mais bem sucedida em todos os tempos, porque de qualidade e ininterrupta, já adaptou bom número de obras universais e chegará, espero, aos 100 títulos (já tem vinte). Ela vai determinar uma dependência do cordel? Se me responderem essas perguntas, encontrarão uma saída. Agora, entenda-se: toda vez que se fala em influências ibéricas, recorre-se invariavelmente a Carlos Magno, Teodora, Porcina, Magalona, Pedro Cem, João Soldado e fica-se aí, na solidão. Todos foram adaptados para o cordel brasileiro, mas se isso aconteceu é porque o cordel preexistiu a eles em forma. Como disse Cascudo, foram vertidos para as sextilhas do cordel. E saibam que todos eles foram publicados originalmente em sua forma no Brasil. Circularam como eram na Europa.
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Em 9/09/2011, às 00:46:56, Aderaldo Luciano disse:
Circularam e profusamente. O poeta de cordel, citemos Leandro, apaixonado pela trama recontou-os em cordel. Aconteceu com os contos folclóricos, acontece com clássicos da literatura brasileira. Todos recriados na forma clássica do cordel. Agora, a quadra é ibérica, a sextilha é ibérica, a setilha é ibérica, a décima é ibérica. Mas se responderam às perguntas feitas verão que a aura que definirá o que é o cordel exigirá não um amontoado de estrofes contando uma história (como o faz o poema matuto), pois bem o cordel quer mais. As influências ibéricas no cordel são as influências de todo motivo universal. Daqui a pouco será lançada a Divina Comédia, de Dante, em cordel. Dirão que o cordel tem influência da renascença italiana? Ah, mas Arievaldo Viana recontou Luzia-Homem. Dirão que sofre influência do Naturalismo brasileiro? Peraí, recontaram Chapauzinho Vermelho e Branca de Neve, terá influências dos Grimm, de Perrault, de La Fontaine. Claro que tem, são os motivos da literatura universal. O cordel é uma forma poética consequentemente dialogará com todos e se afastará de todos porque tem vida própria. Por último: é preciso passar o que nos disseram a tanto tempo a limpo. Tenhamos coragem de ler e discutir como São Paulo o está fazendo!
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Em 9/09/2011, às 09:08:11, ARIEVALDO VIANA | página pessoal disse:
Os poetas mais antigos, Manoel D'Almeida Filho e Joaquim Batista de Sena, principalmente, rejeitavam com veemência o rótulo "Literatura de Cordel" e abominavam o termo "cordelista", preferindo ser chamados de 'poetas populares', "trovadores" ou "poetas de bancada". E, dentre as razões citadas, diziam que o romanceiro popular em versos tinha identidade própria no Nordeste, porém não negavam as influências vindas d'além mar. É inútil ignorar essa influência, ela está infiltrada nas raízes mais profundas da poesia popular nordestina, não apenas nas histórias adaptadas, mas na forma de escrever e cantá-las... Que são são os cantadores de hoje, senão os menestréis e jograis do passado? Existe uma árvore frondosa, cujo tronco e raízes se chamam TROVADORISMO... Foi daí que surgiram as ramificações: cantoria, aboio, embolada, chula, pagode, calango, cururu, poesia matuta, cordel e até mesmo o rap.
Ninguém nega que os poetas nordestinos foram os mais inspirados e prolíficos, com mais de 30 mil titulos lançados. Mas ninguém pode negar que a Lyra Popular Chilena, por exemplo, tinha excelentes poetas contando histórias em sextilhas, setilhas e motes de dez pés. Não nego a grande contribuição do movimento paulista para renovação do cordel, mas não posso simplesmente omitir o trabalho grandioso e consistente de renovação do gênero feito pelo pessoal do Ceará (e também Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco). Se eu não puxar brasa para nossa sardinha, quem o fará?
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Em 10/09/2011, às 08:29:23, Aderaldo Luciano disse:
Qualquer pesquisador de bom senso jamais negará essa influência de além-mar, mas, por ter bom senso, obrigatoriamente saberá discernir um produto português ou espanhol do nosso. Não se pode assemelhar porque não existe a semelhança. A única coisa que existe é o motivo, mas o motivo é universal e, sendo universal, não tem pátria. O contador de histórias mais conhecido do mundo foi um cego grego chamado Homero, este, sim, pai de tudo que veio. Foi anterior a Cristo ne fundou toda a literatura ocidental contando as lendas e as façanhas dos heróis gregos. Começava a contar suas histórias pla manhã e se prolongava até à noite, sempre em tempo real. Mas ele não se assemelha aos nossos poetas. A prática é diferente. Outra coisa, todas as manifestações poéticas do novo mundo aassemelhadas ao cordel são também outros produtos regionais, algumas até são o prolongamento do cancioneiro ibérico, mas quando comparadas ao cordel não encontrarão sustentação em seu sistema de criação e divulgação, mas isso é outro estudo. Quanto ao Trovadorismo, ele não é o pai de tudo. É um tronco que, pelo estudo e observação, sediará alguns elementos, mas não será o pai de todos. Os índios brasileiros, e americanos no geral, detinham um forte cancioneiro sem nunca terem conhecido o trovadorismo, leiamos a experiência dos nossos cronistas e viajantes (Jean de Lery, Gabriel Soares de Souza, Hans Staden, Fernão Cardim e outros citam essas manifestações), até Montaigne recita canções indígenas em plena França. A cultura afro também irrigou nossas histórias sem saber desse trovadorismos. Então, ele não é tudo. É um pouco. Lembro também que contadores de história e poetas itinerantes existiram em todas as sociedades e em todos os tempos. No Japão e na China, na Bulgária e nos Países Baixos. A história está repleta de suas indicações. Nossos contadores e poetas estão amarrados a esse todo universal porque tudo faz parte da alma humana de gostar de ouvir e contar histórias.
Tanto gostavam de contar histórias e influenciar a plateia que Platão os queria longe de sua República pois temia que os soldados fossem atemorizados por monstros mitológicos.

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Em 11/09/2011, às 21:23:25, Aldy Carvalho | e-mail disse:
Ainda vou ouvir mais até dizer minha “dizida” mas os pontos de confluência entre os dois contendores é que são, a meu ver, mais importantes para as reflexões e esclarecimentos.
Parece-me que os pontos discordantes partem do não entendimento do que um e outro, outro e um querem determinar. Ao que entendi o prof Aderaldo não disse em momento algum que não há influências..., e nem poderia, ele as cita em sua tese já esplanada em algumas ocasiões. O que ele tem defendido é que o Cordel, como configurado, no Brasil, é único, portanto, dessa forma, eminentementebrasileiro.
Toda a polêmica, ao que parece, se inicia e se estende por conta do nome Cordel, pois que antes de tudo isso (a polêmica), como já foi dito, visto, a partir de um ponto de partida, este, lá longe, era tudo "folheto", "verso", "Literatura de Cordel" "romance", "folheto de trovador" além de nomes diversos nos outros países - como por ex "Colportage, Canards" na França -onde o gênero "poesia popular impressa", "livreto”, “folheto”, “volante" já eram e ainda continuam , escassamente, publicados. O gênero "folheto", "verso", "cordel", passou a chamar mais atenção, inclusive de literatos, e de uma gama mais instruída da sociedade brasileira a partir de artigo publicado por Origenes Lessa em 1955.
Encontramos citações em ensaios, crônicas, matérias diversas para jornais e revistas sobre o assunto da seguinte forma: "...Essa literatura popular impressa existiu em diversos países. É no Brasil que essa produção popular persiste." "...essa literatura popular tem parentes entre os lusos."
Essa ainda, como disse, não é a minha dizida, mas posso afirmar que o Cordel nosso está vivinho da silva, inovando e possibilitando novas inserções, discussões, diáldiálogos, pesquisas.
"Cordel" é uma denominação de Academia incorporada pelos "autores populares", e daí também o neologismo "cordelista"?
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Em 12/09/2011, às 06:41:03, ARIEVALDO VIANA | página pessoal disse:
Meu caro Aderaldo, o pior cego é o que não quer ver. O amigo há de lembrar que desde o início eu afirmo que a poesia popular nordestina tem um formato único, definido, assim como os corridos mexicanos têm as suas peculiaridades, como a Lyra Popular Chilena tem as suas etc. etc. Ouça um desafio em sextilhas ou setilhas entre o cantador gaúcho Teixeirinha e sua parceira Mary Terezinha e me diga se não há a mesma métrica, a mesma oração e o mesmo esquema de rimas do cordel e da cantoria nordestina? Essa história de Homero é interessante, mas você esquece Salomão e os profetas bíblicos que também fizeram salmos em poesia. É a velha história do OVO E DA GALINHA... Quem nasceu primeiro? Me diga?
Repito: os "corridos mexicanos", a trova gaúcha, a "lyra popular chilena" e o romanceiro popular nordestino todos tiveram a mesma matriz: a TROVA IBÉRICA! Que talvez tenha bebido nas fontes de Homero, nos lamentos árabes (olha o alaúde entrando na conversa) e assim por diante...
Corrido Mexicano em versos, prova incontestável da tradição ibérica

Um comentário:

  1. Arievaldo parabéns pela coerência com a qual você defende sua visão. Não há presença pura sem mistura, em nenhum país. Qualquer pessoa medianamente informada sabe que toda criação artística desconhece fronteiras geográficas. Com a literatura de cordel não poderia ser diferente. O Nordeste imprimiu a sua marca a partir das matrizes herdadas do Velho Mundo. Quando Aderaldo Luciano defende um cordel genuinamente brasileiro, mas aponta Homero como a origem de tudo cai numa contradição sem volta. Se Homero é o pai quem trouxe o cordel ou a sua matriz para cá? Os indios Karajá?

    Profa. Maria Aparecida Costa

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