quinta-feira, 7 de julho de 2011

DA "MALA DA COBRA"

O HUMOR NA CANTORIA – PARTE I*



Por: Arievaldo Viana

Luiz Antonio foi um dos cantadores mais espirituosos que conheci. Faleceu há pouco tempo. Residia em Mossoró-RN, onde presidiu por algum tempo a Casa do Cantador do Oeste Potiguar. Sempre que eu ia àquela cidade costumava encontrá-lo na recepção da Rádio Rural, aguardando o início do programa do poeta Crispiniano Neto. Já idoso, nunca havia publicado um folheto de cordel. Eu estava reunindo, na época, adaptações em versos para uma antologia composta de contos populares recolhidos pelo eminente folclorista Luís da Câmara Cascudo. Essa tarefa culminou com a publicação da caixa “12 contos de Cascudo em folhetos de cordel”, pela Editora Queima-Bucha, de Gustavo Luz. Coube a Luiz Antonio adaptar o curioso conto “Couro de piolho”, que na sua versão transformou-se em “O rapaz que encheu um saco de mentiras”.  Versejador desembaraçado, fez uma adaptação brilhante do referido conto por mim indicado, terminando por compor um dos melhores folhetos da coleção.
Portador de uma propalada feiúra, mas humorista incorrigível brincava com a própria falta de atributos físicos que lhe negara a natureza. Certa feita viajava de ônibus e uma velhinha começou a rodeá-lo, querendo puxar assunto. Depois de olhar fixamente na sua cara, saiu-se com esta:
- Estou lhe achando parecido com uma pessoa?!...
O poeta respondeu, em cima da bucha:
- Eu sou uma pessoa, dona!
Essa outra quem contou-me foi Crispiniano Neto, ex-Secretário de Cultura do Rio Grande do Norte e inspirado poeta:  Quando o Café Kimimo ainda era do empresário paraibano conhecido como Pitéu, eram comuns os bingos em Mossoró. Quando o governo os proibiu, Pitéu que tinha feito muitos deles, não se deu por vencido. Bolou uma excelente ideia de marketing. Fez um bingo onde ninguém comprava a cartela. Quem chegasse com dez embalagens de Café Kimimo vazias, ganhava a cartela e ia concorrer a inúmeros prêmios. No dia marcado, lá ia o poeta tentar a sorte. Quem sabe, um carrinho para viajar e fazer cantorias. O bingo era de manhã. Terminou e o poeta não chegou nem perto de armar, quanto mais de bater. Voltava a pé, pois os coletivos, diante da imensa demanda de um final de bingo, não tinham uma vaga nem pelo amor de Deus. Já perto de casa, após andar vários quilômetros a pé, suor empapando a camisa, cansado e morto de fome, eis que uma vizinha lhe aborda aos berros:

- "Seu" Luiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiz, foi pro bingo de Pitéééééu????????
- Fui. Respondeu o poeta num fio de voz que denotava o seu imenso cansaço e desgosto.
- E tirou alguma cooooooisa?
- Tirei...
- O quêêêêêêêê, "Seu" Luiz?
- Tirei o dia pra ser besta!

* * *
 Sempre houve um certo preconceito contra o cantador de viola, sobretudo a partir da década de 1960, quando surgiram os primeiros ecos da jovem guarda e a moçada daqui do Nordeste passou a imitar desbragadamente as modas ditadas pela mídia do Sudeste. Lembro de minhas tias, agarradas com revistas de fotonovelas, suspirando por Wanderley Cardoso, Roberto Carlos e Jerry Adriani e copiando os modelos dos vestidos das atrizes da época. Luiz Gonzaga e cantoria nem pensar! Cordel era coisa de velho, sinônimo de atraso.
Foi nessa época que, em nome da modernidade, resolveram dar um fim na mala de folhetos de cordel de minha avó. Primeiramente a dita maleta foi “desterrada” para a casa velha, espécie de armazém de quinquilharias. Deparei com a mesma totalmente empoeirada, em cima do caixão da farinha e comecei a trazer os folhetos de volta para as gavetas dos móveis da sala de jantar. Nesse leva-e-traz acabaram sumindo de vez, sobretudo quando passei a estudar na cidade.
Geraldo Amâncio contou-me certa vez que quando era um iniciante na arte da cantoria, teve de passar à cavalo por Várzea Alegre ou Icó, juntamente com outro companheiro. Logo na entrada da cidade duas mulheres se acotovelaram numa janela e deram o sinal para as vizinhas:
- Olha, mulher! Lá vem dois cantadores!
Aí o mundo desabou... Dezenas de cabeças surgiram nas janelas e começaram a rir, a fofocar e até mesmo vaiar a desafortunada dupla de poetas. Geraldo disse, que para desconto de pecados, a mula em que andava montado se acuou. Aí foi que a galhofa comeu de esmola.
Cena parecida aconteceu com o grande cantador Antônio Marinho. Ao passar numa calçada, com a viola a tira-colo, duas mulheres o interpelaram e disseram:
- O senhor é cantador?
Ante a resposta afirmativa, o poeta foi se afastando. Porém com os ouvidos atentos, aguardando possíveis comentários. Dito e feito, a mais velha e mais feia das duas foi logo dizendo:
- Porque será que todo cantador é feio?
Antonio Marinho rodou nos calcanhares, dirigiu-se à velhota e, entregando-lhe a viola disparou:
- Pegue a viola, dona, cante!!!
Situação similar aconteceu certa feita com o poeta Luiz Antônio. Ao deixar o modesto bairro em que residia, com viola às costas, meia dúzia de meninos, que brincavam despreocupadamente pela rua, de cipós em punho, começaram a imitar o som da viola em tom de deboche:
- Tum, Tum, Tum, Tum, Tum, Tum, Tum...  Nhém, nhém, nhém, nhém, nhém, nhém, nhém...
Luiz Antônio, sem afobar-se, fitou a molecada e disparou:
- Por quê vocês não vão dar os CUS?
Assim, mesmo no plural. Nem precisa dizer que os meninos meteram a viola no saco e pararam imediatamente de importuná-lo.

(In “Mala da cobra – Almanaque Matuto”, livro inédito de Arievaldo Viana)

* Essa postagem foi meu artigo de estréia na coluna MALA DA COBRA, no site "Jornal da Besta Fubana", uma gazeta da bixiga lixa, do Papa Berto I (e único).
O poeta Crispiniano Neto presenteia o então presidente Lula com
um exemplar da caixinha 12 Contos de Cascudo em Folhetos de Cordel


12 CONTOS DE CASCUDO EM FOLHETOS DE CORDEL
Crispiniano Neto presenteia o então presidente Lula com uma caixinha da coleção
Caixa contendo 12 folhetos em versos mais um folheto em prosa:

1 - História Completa do Navegador João de Calais
Autor: Arievaldo Viana

2 - História da Donzela Teodora
Autor: Leandro Gomes de Barros

3 - O Homem que Pôs um Ovo!
Autor: Evaristo Geraldo

4 - O Papagaio Real
Autor: Rouxinol do Rinaré

5 - O Príncipe do Barro Branco e a Princesa do Reino do Vai-Não-Torna
Autor: Severino Milanês da Silva

6 - O Boi Leitão e o Vaqueiro que não mentia
Autor: Francisco Firmino de Paula

7 - A Sorte do Preguiçoso e o Peixinho Encantado
Autor: Antonio Francisco

8 - O Rapaz que Encheu um Saco de Mentiras
Autor: Luiz Antônio

9 - Pedro Malazartes e o Urubu Adivinhão
Autor: Klévisson Viana

10 - História da Moura Torta
Autor: Marco Haurélio

11 - João Besta e a Jia da Lagoa
Autor: Francisco Sales Arêda

12 - O Príncipe das Sete Capas
Autores: Arievaldo & Vidal Santos

Apresentação da Coleção
Marco Haurélio

Nenhum comentário:

Postar um comentário