sábado, 2 de julho de 2011

A CRÔNICA DE DRUMMOND

LEANDRO X OLAVO BILAC

Carlos Drummond de Andrade
Caricatura de Baptistão


Carlos Drummond de Andrade, na sua importante crônica intitulada Leandro, o Poeta, publicada no Jornal do Brasil de 9 de Setembro de 1976, faz uma crítica ao título dado à Olavo Bilac de Príncipe dos poetas divulgado pela revista FON FON.

A crítica do poeta é atualíssima e contraria interesses daqueles que a título de bajulação criam tais títulos sem o devido valor.

Assim, levanta quem, de fato, merece os louros pela força da palavra rimada, pela qualidade dos versos, das imagens, da cultura popular retratada com esmero e competência.

(Comentário extraído do blog do poeta Merlânio Maia)

Olavo Brás dos Guimarães Bilac


EIS UMA SÍNTESE DA CRÔNICA:

“ Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, de um total de 173, elegeram por maioria relativa  Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros.  Atribuo o resultado a má informação porque o título, a ser concedido, só podia caber a Leandro Gomes de Barros, nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição promovida pela revista Fon-Fon!, mas, vastamente popular no norte do país, onde suas obras alcançaram divulgação jamais sonhada pelo autor do ‘ ouvir estrelas”.

(...) E aqui desfaço a perplexidade que algum leitor não familiarizado com o assunto estará sentindo ao ver  defrontados os nomes de Olavo Bilac e Leandro Gomes de Barros.

      Um é Poeta erudito, produto de cultura urbana e burguesia média;  o outro, planta sertaneja vicejando a margem do cangaço, da seca e da pobreza. Aquele tinha livros admirados nas rodas sociais, e os salões o recebia com flores. Este espalhava seus versos em folhetos de Cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pés no chão...” 

 Ainda completa Drummond com sua afinadíssima verve, comparando os estilos e fechando com a perfeição peculiar:

“ A poesia parnasiana de Bilac, bela e suntuosa, correspondia a uma zona limitada de bem estar social, bebia inspiração européia e, mesmo quando se debruçava sobre temas brasileiros, só era captada pela elite que comandava o sistema de poder político, econômico e mundano. 

A de Leandro, pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco*, era a que tocava milhares de brasileiros humildes, ainda mais simples que o poeta, e necessitados de ver convertida e sublimada em canto a mesquinharia da vida. (...)” E conclui: “ Não foi  príncipe de poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão e do Brasil em estado puro”.


Leandro Gomes de Barros

* Na biografia de Leandro Gomes de Barros, trabalho que escrevi entre 2005 e 2010 e que ainda permanece inédito por falta de editor interessado, contesto essa afirmativa de Carlos Drummond de Andrade. Leandro tinha sim, métrica, ritmo, conhecimento de gramática e apoio livresco. Mesmo sendo um poeta popular, era sobrinho materno do Padre Vicente Xavier de Farias, latinista e mestre-escola na Vila do Teixeira, seu tutor dos 9 aos 15 anos, de quem recebeu a educação escolar. Na obra de Leandro é possível entrever algumas de suas leituras: o livro de Carlos Magno e os doze pares de França, a Donzela Teodora, O mártir do Gólgota, a Bíblia Sagrada, romances de José de Alencar e muitos outros fizeram parte de suas leituras prediletas. No folheto "O Recife", o poeta cita todos as tipografias, bem como os jornais, revistas e outras publicações que circulavam em Recife no distante ano de 1907, prova de que estava sintonizado com o que se escrevia na sua época. Não podemos esquecer que Leandro era compadre e amigo de Chagas Batista, dono de livraria e editora na capital da Parahyba (hoje João Pessoa) e que, sendo um homem de letras, ao hospedar-se na casa deste por dias e dias, conforme atesta Paulo Nunes Batista, uma de suas atividades prediletas era ler jornais, livros e revistas ali disponíveis. 
Tal análise encontra suporte nos escritos dos pesquisadores Salomão Rovedo e Marco Haurélio, dois estudiosos da vida e da obra do mestres de Pombal-PB. 

 (ARIEVALDO VIANA)


GOSTARIA MUITO DE COLHER OPINIÕES
DOS LEITORES SOBRE ESSA POSTAGEM...

As mais interessantes poderão ser aproveitadas
no capítulo que trata deste assunto, na Biografia (inédita)
de Leandro Gomes de Barros.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

CARGA PESADA


O IMPOSTO NA LITERATURA DE CORDEL


Dizem que o povo brasileiro é alienado, que não protesta ante a terrível carga tributária que o oprime. Milhões se reúnem nas ruas para brincar carnaval, torcer pela seleção ou mesmo participar da Parada Gay (por favor não pensem que se trata de homofobia, estou apenas ressaltando que essa manifestação consegue reunir milhões de  cidadãos e cidadãs brasileir@s em torno de uma causa), mas ninguém vai às ruas protestar contra os impostos abusivos e, pior ainda, ninguém está interessado em saber o destino desse dinheiro que deveria retornar em forma de benefícios para o povo, mas que na verdade acaba sendo desviado, na maioria das vezes, por políticos desonestos e inescrupulosos.

Na opinião da socióloga Lúcia Luiz Pinto (Revista de História da BN, agosto de 2007), “o povo não entende a quantidade de impostos que paga. Nem tem conhecimento pleno de que, quando compra cachaça, roupa, comida, esses produtos estão lotados de impostos. Ao contrário do que se diz, não existe uma população à margem da economia. Mesmo o mendigo, a criança de rua, compram seus cigarros, sua comida, e, portanto, pagam impostos.”

Enquanto isso, os ricos vão ficando cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres e a tal da classe média baixa é quem termina pagando o pato. No início do século passado, ainda na chamada República Velha, o poeta popular Leandro Gomes de Barros, ainda hoje considerado o maior expoente da literatura de cordel no Brasil, fez inúmeros folhetos, que eram verdadeiros libelos contra os abusos do governo e o arrocho fiscal em cima das camadas mais pobres da população. Folhetos como “O imposto de honra”, “A mulher e o imposto”, e “O povo na cruz” demonstram a indignação e a clarividência deste porta-voz das massas nordestinas. Graças ao esforço da professora Ivone Maya e sua equipe, os folhetos do grande menestrel paraibano, pertencentes à coleção da Casa de Rui Barbosa, encontram-se digitalizados para consulta na internet www.casaderuibarbosa.gov.br/cordel


O POVO NA CRUZ
(trechos)

Alerta, Brasil, alerta!
Desperta o sono pesado,
Abre os olhos que verás
Teu povo sacrificado
Entre peste, fome e guerra
De tudo sobressaltado.

O brasileiro hoje em dia
Luta até para morrer,
Porque depois dele morto
Tudo nele quer roer,
De forma que até a terra
Não acha mais que comer.

A fome come-lhe a carne
O trabalho gasta o braço
Depois o governo pega-o
Há de o partir a compasso
Estado, alfândega, intendência.
Cada um tira um pedaço.

O médico cobra a receita
O boticário a meizinha,
O juiz confisca logo
Alguns bens, se acaso tinha,
Inda ficando uma parte
Diz a Intendência: - É minha!

Assim morre o brasileiro
Como bode exposto à chuva,
Tem por direito o imposto
E a palmatória por luva
Família só herda dele
Nome de órfão e viúva.
 (O povo na cruz)


Ilustração: Arievaldo / Klévisson Viana

PADRE NOSSO DO IMPOSTO
Autor: Leandro Gomes de Barros

Nunca se viu tanto imposto
Num país como esse nosso
Cobra-se até de quem reza
Padre Nosso.

Nos falta calçado e roupa
Quem compra mais um chapéu?
Acode-nos, pai da pobreza
            Que estás no céu.

Olhe que o pobre matuto
Que vê o milho encostado,
Não pode guardar nem um dia
            Santificado.

Carne fresca e toucinho
O pobre matuto não come,
Ainda que, o que ele implore
            Seja o vosso nome.

Meu Deus! Temos esperança
Só no socorro de vós,
Fazei que um bom inverno
            Venha a nós.

De rato, lagarta e formiga
Vos pedimos, defendei-nos
Imploramos todos os dias
            Ao vosso reino.

Livrai-nos que contra nós
Caia a ira do prefeito
E o mercado da cidade
            Seja feito.

Fazei que caia o imposto
Da municipalidade
Mas, queira Deus eles façam
            A vossa vontade.

O estado  nos oprime,
O município faz guerra,
Nunca se viu tanto imposto
            Assim na terra.

Queixa-se o povo em geral
Que vive como tetéu
E o governo vive aqui
            Como no céu...

Os deputados da Câmara
Conservam-se com grande “roço”
Por terem por honorários
            O pão nosso.

Quando querem nossos votos
Nos tratam com cortesia
Os impostos aumentando
            De cada dia.

O dinheiro do tesouro
Some-se como quem foge,
A fortuna dos prefeitos
            Nos dai hoje!

Destes impostos d’agora
Por caridade livrai-nos
As censuras que fizemos
            Perdoai-nos.

Não temos mais o que fazer
As cousas vão tão insípidas!
Que não podemos pagar
            As nossas dívidas.

Impostos por toda forma
O governo nos traz atroz
Deus queira que ele fique
            Assim como nós.

O procurador nos cobra
Nós tão pobres nos vexamos
Mas quando ele nos deve
            O perdoamos.

Os do governo se unem
Fazem como vós, com os vossos.
É preciso que vós auxilies
            Aos nossos.

O governo nunca deu
Ouvido aos nossos clamores
Aceita queixas dos nossos
            Devedores.

Por qualquer coisa nos multam
Só para nos perseguir
Nas unhas desses tiranos
            Não nos deixeis cair.

O preço baixo da farinha
Nos faz grande confusão
Faz o agricultor cair
            Em tentação.

Escutai nossos clamores
Nas aflições amparai-nos
E desses fiscais carniceiros
Livrai-nos.

Seja vós o protetor
Que nos sirva de fanal
Defendei-nos dos impostos
            E do mal.

Permiti que o inverno
Venha cedo e chova bem
Livrai-nos de todas as multas
            Amém.

Ofereço esse Padre-Nosso
Aos prefeitos do Estado,
Para que nas eleições
Cada um seja votado,
Adiante o município
E cada qual fique arrumado.


quinta-feira, 30 de junho de 2011

O CORDEL PELO MUNDO AFORA

FOLHAS VOLANTES E BENDITOS
NA LITERATURA DE CORDEL NORDESTINA

Por: Arievaldo Viana


Bendito de Jesus no Horto - xilogravura de Stênio Diniz
(Coleção particular de Arievaldo Viana)

Na Literatura de Cordel de outros países como Portugal, Itália, França, México, Chile, Espanha e Nicarágua predominaram as chamadas folhas volantes (pliegos sueltos), alguns em versos, outros em prosa, tratando dos mais variados assuntos. Os corridos mexicanos, por exemplo, tratam, em geral, dos mesmos assuntos abordados pelo cordel brasileiro: tragédias, feitos heróicos, brigas de genros e sogras, peripécias de cachaceiros, fenômenos sobrenaturais etc. A mesma coisa acontece com a Lyra Popular chilena, onde se encontra, inclusive, uma xilogravura idêntica a que surgiu em Juazeiro do Norte-CE. Na Literatura de Cordel portuguesa pontificam temas que foram reaproveitados no Nordeste, tais como: Imperatriz Porcina, Pedro Sem (no Brasil, Pedro Cem), Joana D’Arc, Carlos Magno e os Pares de França, João de Calais, José do Telhado e muitos outros.

Vida de Pedro Sem - Coleção da Biblioteca José Pacheco Pereira

No Nordeste brasileiro adotou-se uma forma fixa para o cordel, folhetos múltiplos de oito páginas, a saber: 8, 16, 24, 32 até 64 páginas. João Martins de Athayde, o maior editor do gênero no Brasil, resolveu partir as grandes histórias em dois volumes de 32 páginas, estratégia inteligente para obrigar ao leitor que teve acesso ao primeiro volume procurar o folheteiro para adquirir o segundo. Mas no cordel nordestino também circularam as chamadas folhas volantes e um rico novenário impresso no mesmo formato dos folhetos. Poetas como Eliseu Ventania, Apolônio Cardoso e Pedro Bandeira publicaram no século passado centenas e centenas de folhas soltas contendo a letra de suas canções. Abaixo, mostro exemplo de algumas dessas folhas, inclusive o célebre poema “Pau-de-arara do Norte”, da autoria de Patativa do Assaré, rebatizado por Luiz Gonzaga com o título de “A triste partida”.
"Pau-de-arara do Norte" - Folha volante de Patativa do Assaré


Flor do Cascalho, poema de Apolônio Cardoso (Col. do autor)


LIRA POPULAR CHILENA

Contrapunto entre el despachero e el tomador (Discussão do bodegueiro e o cachaceiro)

É incrível a semelhança da poesia popular chilena com a Literatura de Cordel brasileira, tanto nos temas, quanto nas gravuras que ilustram os poemas. A diferença consiste no fato da poesia nordestina haver evoluído na forma, nas modalidades e até mesmo na feição gráfica dos folhetos. No Chile, como no México, predominavam as FOLHAS VOLANTES (Corridos ou Pliegos Sueltos).
O poema acima, que trata da discussão de um cachaceiro com o bodegueiro, é todo elaborado em décimas, por José Hypólito Cordero, um dos maiores expoentes da Lira Popular Chilena.

CORRIDOS MEXICANOS
Os corridos mexicanos, que também circularam em folhas volantes no final do século XIX e início do século XX aprsentavam as belíssimas gravuras do artista popular José Guadalupe Posada. No México, essa literatura é supervalorizada. Em viagem que fez àquele país, o poeta cearense Klévisson Viana adquiriu nada menos que 5 álbuns com corridos e gravuras de Posada, quase todos em capa dura e edição luxuosa, em papel de primeira qualidade.

INFLUÊNCIAS IBÉRICAS NO CORDEL NORDESTINO

Há uma tendência, da parte de alguns pesquisadores, em apresentar a Literatura de Cordel como uma expressão genuinamente nordestina, negando ou reduzindo as influências que recebemos dos nossos colonizadores. Realmente o Romanceiro Popular Nordestino é o mais rico, o mais vasto, superando os demais em quantidade e qualidade poética. Leandro Gomes de Barros, Chagas Batista, Silvino Pirauá, João Melchíades Ferreira, José Pacheco, José Camelo de Melo e outros pioneiros deram uma feição nordestina ao cordel brasileiro introduzindo a gesta do gado, o cangaceiro, os beatos e as histórias de valentões, como O valente Zé Garcia que, na opinião de Câmara Cascudo (em Vaqueiros e Cantadores), é um dos melhores do gênero. Segundo o grande folclorista potiguar, essa obra "retrata deliciosamente o sertão de outrora, com as pegas de barbatão, escolhas de cavalos para montar, rapto de moças, assaltos de cangaceiros, chefes onipotentes e vaqueiros afoitos, cantadores famosos e passagens românticas. Pertence bem ao ciclo social que terminou no século XX e que durara o século XIX."

No entanto não podemos negar que bebemos bastante na fonte européia e também na tradição árabe ao mergulharmos nas histórias medievais, com fadas, reis e princesas, gênios, ogros e duendes. Os contos de fada e 'As mil e uma noites' permanecem como fontes inesgotáveis de inspiração para todos os amantes do verdadeiro cordel.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O DISCO DA SEMANA

Severino Januário – Forró danado


Fechando com chave de ouro o ciclo de discos juninos, estamos dando uma dica preciosa para os admiradores do verdadeiro forró. Trata-se desse excelente disco do Severino Januário lançado pela RCA Victor, em 1968 - Forró Danado, que tem participação especial de JOÃO SILVA em várias faixas.  A postagem original está no excelente site FORRÓ EM VINIL, do DJ Ivan.
Destaco desse LP três músicas maravilhosas: “Pra mode dessa mule” do próprio Severino Januário, "Forró do Zé Custódio" de Catarina Melo Gomes e “Baião da saudade” de Anely Miranda de Melo. Quem quiser curtir um São Pedro prá lá de animado, é só baixar essa raridade e botar para tocar!


Severino Januário – Forró danado
RCA Victor – 1968

01. Arrasta pé em Medina (Manoel Gomes de Melo)
02. Forró em Sapucaia (Catarina de Melo Gomes)
03. Seu Januário (Severino Januário)
04. Capoeira (Anely Miranda de Melo)
05. Pra mode dessa mule (Severino Januário)
06. Forró de Mané Pedro (Manoel Gomes de Melo – Carlos Cardoso)
07. Forró em Santo Antão (Manoel Gomes de Melo)
08. Arrasta pé no Jequié (Catarina de Melo Gomes)
09. Forró do Zé Custodio (Catarina de Melo Gomes)
10. Apanheite mano veio (Manoel Gomes de Melo – Milton Santos)
11. Baião da saudade (Anely Miranda de Melo)
12. Arrasta pé no Araripe (Severino Januário)

Para baixar esse disco, clique aqui

Fonte: http://www.forroemvinil.com/severino-januario-forro-danado/

CORDEL E RELIGIÃO



Ilustração: ARIEVALDO VIANA

SÃO PEDRO NA LITERATURA DE CORDEL

Hoje, 29 de junho, os católicos festejam São Pedro. O chaveiro do céu e primeiro papa da Igreja Católica é um dos personagens prediletos dos poetas populares. Talvez porque seja um dos apóstolos mais citados no Novo Testamento, humano, temperamental, cheio de medos e fraquezas... O santo aparece também em dezenas de anedotas recolhidas por Câmara Cascudo, Silvio Romero, Gustavo Barroso e outros estudiosos, narrando episódios de quando Jesus andava no mundo.
Na literatura de cordel é bem extensa a relação de folhetos onde São Pedro, ao lado do Divino Mestre, aparece fazendo trapalhadas. Eis alguns títulos: O grande debate de Lampião com São Pedro, de José Pacheco; Jesus São Pedro e o ferreiro da maldição, de Francisco Sales Arêda; Jesus, São Pedro e o ladrão, de Manoel D’Almeida Filho; São Pedro e o coração do carneiro, de Paulo Roxo Barja, O homem do arroz e o poder de Jesus, de Mestre Azulão; As peripécias de São Pedro, de Eugênio Dantas e muitos outros.
Comecemos, pois, pelo “Grande debate de Lampião com São Pedro”, onde José Pacheco esbanja talento e bom humor:


O GRANDE DEBATE DE LAMPIÃO COM SÃO PEDRO
Autor: José Pacheco da Rocha

(Trechos)

Chegou no céu, Lampião
A porta estava fechada
Ele subiu a calçada
Ali bateu com a mão
Ninguém lhe deu atenção
Ele tornou a bater
Ouviu São Pedro dizer
Demore-se lá. Quem é?
Estou tomando café
Depois vou receber

São Pedro depois da janta
Gritou por Santa Zulmira:
- Traz um cigarro caipira
Acendeu no de São Panta
Apertou o nó da manta
Vestiu a casaca e veio
Abriu a porta do meio
Falando até agastado:
- Triste do homem empregado
Que só lhe chega aperreio

Abriu na frente o portão
Ficou na trave escorado
Branco da cor de um finado
Quando avistou Lampião
Mas com a trave na mão
Não temeu de lhe falar
E disse: -Aqui não se dar
Aposento a gente mal
Senão que entrar no pau
Acho bom se retirar

Lampião lhe respondeu :
Não venha com seu insulto
Você é um santo bruto
Que ofensa lhe fiz eu?
E mesmo o céu não é seu
Você também é mandado
Portanto esteja avisado
Se não deixar eu entrar
Nós vamos experimentar
Quem é que tem bom guardado

- Você não entra, atrevido!
São Pedro lhe disse assim :
- Ingresso a quem é ruim
Nesta porta é proibido
Não sabes que sois bandido
Roubador da vida humana
Alma ferina e tirana
Coração cruel perverso!
Como queres um ingresso
Nesta mansão soberana

- É certo que fui bandido
Perverso, estrompa, voraz
Porém, quem foi não é mais
É mesmo que não ter sido
Mesmo eu sou garantido
Por um provérbio que tenho
Escrito sobre um desenho
Por pessoas elevadas
O qual diz: - Águas passadas
Não dão volta a meu engenho


— Não quero articulação
Você aqui nada tem
— É como você também
Lhe respondeu Lampião
É porque do seu patrão
Você transmite um mandado
Eu tenho visto empregado
Sair do trabalho expulso
Sem direção, sem recurso
Por qualquer trabalho errado

(...)

JESUS, SÃO PEDRO E O FERREIRO DA MALDIÇÃO
Franscico Sales Arêda

Quando Jesus e São Pedro
pelo mundo viajaram
em casa de um ferreiro
uma tarde eles chegaram
e pra descansarem um pouco
nessa casa se arrancharam.

O ferreiro muito alegre
deu uma boa hospedagem
para Jesus e São Pedro
descansarem da viagem
e tratou muito bem deles
com toda camaradagem.

E Jesus aproveitou
enquanto estava hospedado
e falou com o ferreiro
lhe mostrando muito agrado
para ferrar o burrinho
que ele andava montado.

O ferreiro interessado
fez o serviço ligeiro
porém Jesus disse a ele:
— Aqui não tenho dinheiro
mas te sirvo em três pedidos
pode dizer o primeiro.

O ferreiro olhou para Cristo
e começou a sorrir
depois disse: muito bem
tenho três coisas a pedir
porque sei que o senhor
pode isto me garantir.

— Vamos lá disse Jesus
diga que farei urgente
mas antes dele falar
São Pedro tomou a frente
e disse: Amigo ferreiro
me ouça primeiramente...

É verdade que não sei
qual sua finalidade
porém lhe dou um conselho
com toda sinceridade
peça-lhe o reino do céu
pra sua felicidade.

O ferreiro disse: Eu não
que céu não enche barriga
e olhando pra Jesus
lhe disse: Mestre me diga?
se pode dar-me uma coisa
que me serve e não periga.

Jesus disse: é qualquer coisa
que quiser pode falar
disse o ferreiro: Pois bem
quero que quem se sentar
no banco da minha tenda
só saia quando eu mandar.

— Prometo, disse Jesus
a outra coisa qual é?
— Pede-lhe o reino do céu
São Pedro gritou com fé
disse o ferreiro: Ora esta?
não me interrompa seu Zé.

(...)

VER TEXTO INTEGRAL DO POEMA AQUI: http://www.jangadabrasil.com.br/revista/junho67/cn67006b.asp



JESUS CRISTO, SÃO PEDRO E O LADRÃO
Manoel D’Almeida Filho

Jesus Cristo andou no mundo
Ensinando aos malfeitores
Com exemplos e milagres
Convertendo os traidores
No fim ainda deu a vida
Em favor dos pecadores

Os seus exemplos nos chegam
Através da sua glória
Onde muitos malfeitores
Inda alcançaram a vitória
Como esse que eu conto
Nessa pequena história

Jesus fez uma viagem
Com São Pedro certo dia
Por necessidade entraram
Numa grande travessia
Para salvarem um ladrão
Que só para o mal vivia

Mas São Pedro ignorava
O que ia acontecer
Porque Jesus não lhe disse
Para ele não temer
No meio da travessia
Começou escurecer.

(...)

(BATISTA, Sebastião Nunes. Antologia da literatura de cordel)



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terça-feira, 28 de junho de 2011

MESTRES DO CORDEL - VI

VICENTE VITORINO DE MELO



No início da década passada, acho que entre 2000 e 2003, correspondi-me com o poeta Vicente Vitorino de Melo, autor e editor do Almanaque do Nordeste e do célebre folheto “Discussão de um crente com um cachaceiro”, um dos melhores do gênero. Imagino que o poeta seja falecido uma vez que se dizia muito doente em suas correspondências, que cessaram bruscamente. Ele era muito atencioso e costumava enviar alguns folhetos de sua autoria, juntamente com alguns originais inéditos. Um deles foi “O príncipe Alípio ou o julgamento de Satanás” que foi lançado pela Tupynanquim Editora. Enviei a porcentagem do poeta e ele me mandou, em seguida, “A filha da peregrina”, texto que venceu um prêmio literário promovido no Estado de Pernambuco. Ele nasceu em Limoeiro-PE no  e residia em Caruaru, no mesmo Estado, no período em que manteve correspondência comigo. Certa feita demonstrei interesse em fazer uma edição do clássico “Discussão de um crente com um cachaceiro” e ele, prontamente, respondeu que não podia me conceder tal autorização por haver negociado os originais do dito folheto com o editor Giuseppi Baccário, da Casa das Crianças de Olinda. Gostei da sua sinceridade, coisa que às vezes não ocorre com outros poetas populares.

Eu viajando este mês
Pela linha do agreste
Fui parar em uma feira
No dia de São Silvestre
A feira é fraca e de tarde
Dá cachaceiro por peste...

Nessa dita feira o poeta presencia a discussão de um crente com um cachaceiro. Tudo começa quando o crente passa na calçada de um bar, com uma bíblia na mão e o bêbado imprudente o convida para uma bicada. O crente condena veementemente o seu proceder, porém o cachaceiro não se dá por vencido e usa diversos argumentos em defesa da aguardente:

Você já leu alguns livros
De fabricar aguardente?
Pinga-fogo, Canta-galo...
- Deus me livre! – Disse o crente,
De eu ler certas misérias
Disse o bêbado: - São matérias
De conteúdo excelente!

E, prossegue o cachaceiro, na sua esdrúxula defesa da “branquinha”, sem dar a mínima atenção aos argumentos do crente. Depois de citar o milagre das Bodas de Caná, onde Jesus transformou água em vinho, diz o embriagado:

Você não bebe e nem fuma
Cigarros da Sousa Cruz
Não dança devido a cota
Um baralho não conduz
Que lucro dá ao país?
Você é um infeliz
Não um membro de Jesus!

Quando eu bebo Serra Grande
Eu me lembro da ladeira
Que subiu Nosso Senhor
Num dia de sexta-feira,
Lá foi muito judiado
Eu também sou arrastado
Bebendo a cana rancheira.

Todo domingo na missa
Eu ouço o padre ensinar
Coma pão e beba vinho
Para poder se salvar
Eu ouvindo este sermão
Compro do vinho São João
Bebo dele até topar!



Vicente Vitorino de Melo
Por: Arievaldo Viana


Vicente Vitorino de Melo nasceu em Limoeiro-PE, em 16 de novembro de 1917. Foi cantador de viola até 1950, a partir daí começou a escrever folhetos e publicar um almanaque anual de astrologia - o Almanaque do Nordeste, que existe desde 1952 e ainda sobrevive nos dias atuais. Seu primeiro folheto data de 1948: "O exemplo da asa branca profetizado por Frei Damião". Reside atualmente em Caruaru-PE e possui alguns originais ainda inéditos. Um deles foi publicado pela Tupynanquim Editora: trata-se de "O príncipe Alípio - ou o julgamento de Satanás", onde Vicente demonstra ser um bom poeta de bancada. Sua obra mais conhecida é "A discussão de um crente com um cachceiro", um dos clássicos do gênero.
São de sua autoria os seguintes folhetos: A filha da peregrina, A firmeza de Alzira e o heroísmo de Zezinho, A morte do Coronel Ludugero, As anedotas do finado Antônio Marinho, Discussão de um crente com um cachaceiro, Exemplo dos quatro conselhos, História de Alexandrino e Aulina, História de Luizinho e o velho feiticeiro, Horrores que a Asa Branca traz, João Sabido e o cacetinho mágico, O horror da carestia, dentre outros.



ROMANCE DO PRÍNCIPE ALÍPIO
OU O JULGAMENTO DE SATANÁS
(Trechos)

Entrei no mundo dos contos
Comecei a dar um visto
Onde encontrei uma lenda
Que creio que se deu isto
Há oito séculos passados
Depois da vinda de Cristo.

Nesse tempo, na Itália
Residia um rei bondoso
Humilde e caritativo
De um espírito generoso
E a rainha seguia
O exemplo de seu esposo.

Daquele casal bondoso
Nasceu uma linda criança
Encheu a casa de risos
Os corações de esperança
Daqueles pais que queriam
Dotá-lo com sua herança.

Naquele tempo as crianças
Quer menino, quer menina,
Com dois anos de idade
Mandavam ler sua sina
Pelo Oráculo da Sorte
Pra ver o que determina...

Dizia o Oráculo assim
Com 15 anos de idade
Viajará sem destino
Por sítio, vila e cidade
Estendendo suas mãos
Praticando a caridade.

É um decreto do Alto
Sua peregrinação
Para ver se assim alcança
De Jesus a salvação
Porque é muito sujeito
A uma condenação.

Renunciar a riqueza
Abandonar o governo
Dá esmola, amar ao próximo
Pedir para Deus Eterno
Defender a sua alma
Das profundas do Inferno.

(...)

Quando Alípio completou
Seus 15 anos de idade
O rei chamou a rainha
Pois tinha necessidade
De ali, perante os três
Se descobrir a verdade.

Sentaram-se os três na sala
O rei lhe disse: - Meu filho
Sua vida é um mistério,
Tem um pouco de empecilho
Que para vencer, precisa
Por na vida um novo brilho!

Olhe o Oráculo da sina
Leia aí a sua sorte
A sua vida terrena
E a vida depois da morte;
Um homem pra vencer isto
Precisa ser muito forte!

Alípio disse: - Eu aceito,
De todo meu coração
Se é decreto de Deus
Não tem mais apelação
Amanhã começarei
Minha peregrinação...

Quando foi no outro dia
O rei, com toda coragem,
Preparou-lhe dois cavalos
Um deles com a bagagem
E outro com uma sela
Para seguir sua viagem.

O jovem príncipe viaja e mete-se numa grande enrascada. Uma velha feiticeira o acusa de haver roubado uma taça de ouro. O caso vai a julgamento e o príncipe é condenado à morte:

O rei entregou a velha
O objeto "roubado"
Sendo feito o julgamento
O caso foi encerrado
E condenaram o príncipe
Para morrer enforcado.

Mas o Diabo que sabia
Que o príncipe era inocente,
Apelou para São Pedro
São Gabriel, São Clemente,
São João, São Severino,
São Joaquim e São Vicente.

Porém, sem ordens de Deus
Santo nenhum nada faz,
Foi aí que ouviram todos
A fala de satanás:
- Se me soltares, Miguel
Eu vou salvar o rapaz!

São Miguel disse: - Estás solto
Satanás com uma voz desta
Disse: - O diabo está solto
Hoje eu faço a minha festa
Nunca pensei de ganhar
Umas férias com esta!

O diabo, transformado em Duque, tomou a defesa de Alípio para si porque este, toda vez que acendia uma vela para o Arcanjo São Miguel, acendia também uma velinha para o diabo, que se achava debaixo de seus pés. O rei explica ao “Duque” o motivo da execução do rapaz:

Na casa de uma velhinha
Onde ele estava arranchado
Sumiu-se um copo de ouro,
Segundo eu fui informado,
Pela velha que o copo
O príncipe o tinha roubado.

Logo imediatamente
Mandei a polícia atrás
Disse à velha: - Espere aí
Par ver o que se faz
E o copo foi encontrado
Na bagagem do rapaz!

Levei-o a julgamento
Depois dele haver jurado
Saiu favorável a velha
E o copo foi entregado
O pobre príncipe sem sorte
Hoje vai ser enforcado.

Disse o Duque: - Se não fosse
Ambos haverem jurado
Se fazia um novo apelo
Para ver o resultado
Poderia até salvar
A vida de um condenado!

Pois eu tenho aqui um livro
De pura realidade
No ato do juramento
Descobre a pura verdade
Será infeliz aquele
Que jurar com falsidade.


(...)


Este romance é uma das melhores produções do poeta Vicente Vitorino de Melo e foi editado pela Tupynanquim em novembro de 2000. Quem quiser saber o desfecho da trama, procure adquiri-lo junto aos revendedores dessa editora.

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