sábado, 13 de janeiro de 2018

Cultura Popular:



Rosemberg Cariry lança livro 
sobre Cego Aderaldo

O cineasta e pesquisador da cultura popular Rosemberg Cariry lançou no último dia 22 de dezembro o livro "Cego Aderaldo - o homem, o poeta e o mito", às 18h, dentro da programação do Pequeno Encontro de Violeiros e Repentistas do Sertão Central, na Casa de Saberes Cego Aderaldo, em Quixadá (CE). A obra sucedeu a realização do documentário "Cego Aderaldo - o cantador e o mito" (2012), que foi exibido antes, às 16h, no mesmo evento. Após a exibição, o cineasta participou de um bate-papo com o público.
O livro de Rosemberg contempla 10 anos de pesquisa sobre vida e obra do poeta e cantador cearense Cego Aderaldo (1878-1967), nascido no Crato. Editada pela Casa de Saberes Cego Aderaldo e Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE), a publicação (Interarte) traz 87 recortes ou "sequências de vida" de Aderaldo, divididas em três atos ao longo de pesadas 780 páginas.
Além do lançamento em Quixadá, Rosemberg Cariry também vai lançar o livro na Escola de Saberes de Barbalha (CE), no próximo dia 28.

Diretor de filmes como "Corisco & Dadá" (1996), "Patativa do Assaré - Ave ou poesia" (2007) e, mais recentemente, "Pobres Diabos" (lançado em 2013 no circuito nacional de festivais e somente este ano nas salas comerciais do País), Cariry explica, em entrevista por e-mail, que a publicação terá, apesar da dimensão robusta (quase 800 páginas e mil fotos de época), distribuição gratuita para instituições culturais, escolas e universidades.
"Essa é uma edição popular. Mas uma pequena quantia de livros será separada para a venda a pesquisadores, como forma de permitir o acesso nacional à obra, que interessa a muitos estudiosos", situa.
O cineasta destaca que, pelo interesse em torno do livro, ainda antes do lançamento, já está sendo pensada uma segunda edição, "a cores e com capa dura", detalha.
Rosemberg Cariry recapitula que a ideia de levantar a publicação surgiu bem antes do lançamento do documentário. Ele conta que há 21 anos, na França, ouvia um disco ("Folk Songs", 1981) do trio Egberto Gismoni, Jean Garbarek e Charles Haden, incluindo a faixa "Cego Aderaldo".
"Já havia também a homenagem feita pelo Baden Powell, Nara Leão e Cirino, entre outros. Então eu me perguntei: por que o Ceará resolveu esquecer esse grande artista? A partir daí dediquei-me às pesquisas e a juntar documentos e depoimentos para realizar o filme. Estou contente", revela.
Com o lançamento de "Cego Aderaldo - o homem, o poeta e o mito", Rosemberg Cariry se diz com a "missão cumprida" e enfatiza que o Ceará volta a valorizar um artista popular de "extraordinária grandeza. Mais do que uma pessoa histórica revelada em sua biografia, temos também a importante dimensão do mito", observa.

Percurso
Indagado se o plano era lançar o livro em paralelo ao documentário, há cinco anos, Rosemberg confirma que havia, sim, essa expectativa. Mas o plano original não vingou e o filme já traz uma reputação consolidada.

"Foi lançado em vários festivais (a exemplo do Cine Ceará em 2012), (e ainda) terá exibição nacional, através da TV Brasil, no próximo ano", adianta o diretor.
Nas resenhas do próprio filme, os textos dão conta do trabalho do cineasta em contornar fontes "imprecisas" (algumas histórias só tinham registro pela oralidade das fontes) para levantar a pesquisa minuciosa sobre a trajetória do Cego Aderaldo.
Sobre essa checagem, ele explica que "havia a própria memória do Cego Aderaldo, organizada e publicada pelo escritor Eduardo Campos. Também muitos acervos jornalísticos, além de artigos e ensaios com referências que vão de Leonardo Mota a Rachel de Queiroz, de Rogaciano Leite a Câmara Cascudo, de Zélito Magalhães a Cláudio Portela, de Geraldo Amâncio a Oswald Barroso, cada um contribuindo ao seu modo", especifica.
Ele complementa que "também a oralidade foi de grande importância, sobretudo as indicações e memórias de dona Nair de Oliveira Brito (viúva de Mário Aderaldo) e do historiador João Eudes Cavalcante Costa, entre tantos outros. Talvez por isso três páginas do livro são apenas de agradecimentos às minhas fontes", destaca o cineasta.


Futuro
Rosemberg Cariry reconhece que, embora tenha entregue uma obra de longo fôlego a respeito de Cego Aderaldo, a riqueza do mito e a intrigante biografia do homem (ele adquiriu deficiência visual no curso da vida, mas não se entregou às limitações do bloqueio) ainda pedem novos olhares de pesquisadores e de interessados em geral pela cultura popular.
"O Cego Aderaldo não é apenas um fenômeno da força, do heroísmo e da cultura da gente cearense, ele é também um lugar para se pensar esse País imenso, contraditório e desigual. Através dele é possível pensar e vislumbrar o Brasil profundo, ao mesmo tempo original e herdeiro universal de culturas e povos", reflete Cariry.



Fonte: Diário do Nordeste

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

08 de janeiro

ANIVERSÁRIO DE NASCIMENTO 
DE MESTRE AZULÃO


Xilogravura de ERIVALDO


Mestre Azulão visitando a minha residência.

Se alguém falar no poeta José João dos Santos, cordelista e editor, alguns, certamente, o confundirão com João José da Silva, criador da Luzeiro do Norte, uma das principais editoras de cordel nas décadas de 1950-60. Porém se acrescentar, logo após o nome de batismo, o apelido que o celebrizou, aí não restará mais dúvidas. José João dos Santos é ninguém menos que o Mestre Azulão, paraibano da cidade de Sapé, onde nasceu aos 8 de janeiro de 1932, filho de João Joaquim dos Santos e de Severina Ana dos Santos.
Figura notável no universo do cordel, Azulão migrou muito jovem para o Rio de Janeiro, onde fez dupla com outros cantadores de fama, dentre os quais o famoso Palmeirinha. Ambos foram projetados através do quadro Onde está o poeta?, num programa de rádio apresentado pelo famoso Almirante.
Para a campanha de defesa do folclore brasileiro, Azulão gravou o disco Literatura de cordel, em 1975, onde interpreta de forma brilhante o poema ‘O marco brasileiro’, de Leandro Gomes de Barros, inserindo uma belíssima introdução ao som da viola, que seria reaproveitada posteriormente por Lenine, na gravação de ‘O Marco Marciano’, composição sua e de Bráulio Tavares, inclusa no CD ‘O dia em que faremos contato’ (BMG).
Lembro-me de havê-lo conhecido pessoalmente em dezembro de 2000, por ocasião de minha posse na ABLC – Academia Brasileira de Literatura de Cordel, em sessão realizada na Federação das Academias de Letras da América Latina, no Rio de Janeiro. Bem antes disse eu já havia travado contato com a sua obra e tinha alguns de seus folhetos na minha coleção particular, dentre os quais ‘Peleja de Mestre Azulão com Zé Limeira’, exemplar que pertenceu ao saudoso Jocelyn Brasil, um dos heróis da campanha “O petróleo é nosso”, ocorrida ainda na Era Vargas.
Em outubro de 2012, o jovem diretor Fernando Assunção realizou uma série de documentários em vídeo com os acadêmicos da ABLC. Fui um dos entrevistados e, no dia seguinte, a convite de Chico Salles e do próprio Fernando, fui assistir à entrevista de Mestre Azulão na Barraca da Chiquita, na Feira de São Cristóvão. Em dado momento da entrevista, perguntei se Mestre Azulão havia conhecido o poeta Rafael de Carvalho, famoso ator paraibano, que utilizava a poesia popular como um de seus instrumentos de trabalho.


Gravando o cordel O BATIZADO DO GATO

Azulão começou relembrando o famoso Comício da Central do Brasil, ou Comício das Reformas, (realizado no dia 13 de março de 1964, na cidade do Rio de Janeiro, na Praça da República, situada em frente à estação da Central do Brasil). Segundo o poeta, uma multidão incalculável ali se reuniu, sob a proteção de tropas do I Exército, unidades da Marinha e Polícia, para ouvir a palavra do Presidente da República, João Goulart, e do governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola. As bandeiras vermelhas que pediam a legalização do Partido Comunista Brasileiro e as faixas que exigiam a reforma agrária foram vistas pela televisão, causando arrepios nos meios conservadores.
O desfecho desse episódio, todos já conhecem, o comício histórico da Central do Brasil desencadeou o golpe militar e instauração da ditadura que perdurou por duas longas décadas. Pois bem, naquela época Azulão já havia travado amizade com Rafael de Carvalho e, a pedido deste, escreveu um folheto sobre o Comício da Central, em linguagem progressista e simpática à causa comunista. Foram impressos 10 mil exemplares, segundo relatou Azulão, e as vendas iam de vento em popa, quando o Golpe Militar foi deflagrado. Os militantes mais ativos começaram a ser perseguidos e um certo dia, eis que o poeta Rafael de Carvalho aparece em sua casa, em Engenheiro Pedreira-Japeri, na Baixada Fluminense, pedindo abrigo por alguns dias, pois estava na mira da repressão. Azulão abrigou o amigo, porém com muito receio, e certa noite, levantou-se de madrugada e fez um buraco no quintal, onde enterrou um pacote contendo todo restante da tiragem do referido folheto. Segundo ele, só foi desenterrar o pacote muitos anos depois da restauração da democracia, e não encontrou mais nada que se aproveitasse, apenas uma massa disforme destruída pela ação do tempo.


No palco da Praça do Cordel, Bienal do Livro do Ceará


GLOSADOR E GOZADOR

Mestre Azulão foi uma das grandes atrações do I Festival Internacional de Trovadores e Repentistas, promovido por Rosemberg Cariri nas cidades de Quixadá e Quixeramobim, no período de 29 de outubro a 2 de novembro de 2004. Esse evento teve a participação de muitos poetas, xilogravadores e também compositores do porte de Elomar, Xangai, Ednardo e Renato Teixeira, dentre outros. Um repórter de uma emissora local, ao deparar com aquele velhote baixinho, de chapéu e óculos fundo-de-garrafa, o interpelou para uma entrevista, pensando tratar-se de Patativa do Assaré, à época já falecido. Azulão, um gozador de marca, deixou a coisa fluir e só esclareceu a verdade nos momentos finais da entrevista, deixando o pobre radialista meio apalermado. É nisso que dá, fazer entrevistas sem se inteirar previamente a respeito do entrevistado.


Zé Maria, Azulão, Arievaldo e Geraldo Amâncio

Depois dessa aventura em Quixadá, Azulão tornou-se “figurinha carimbada” na Bienal do Livro do Ceará, sempre convidado como atração da “Praça do Cordel”, espaço coordenado pelo artista multimídia Klévisson Viana. Além de resgatar as antigas toadas do cordel, na reprodução de clássicos como ‘A chegada de Lampião no Inferno’ e ‘Romance do Pavão Misterioso’, cuja toada aprendera com o próprio José Camelo de Melo, Azulão também declamava trabalhos de sua autoria e fazia versos de improviso, de acordo com os temas fornecidos pela plateia. Numa de suas passagens por Fortaleza, levamos o poeta até o estúdio Pro-áudio, do amigo Marcílio Mendonça, onde ele gravou diversas faixas, inclusive uma participação especial no CD do projeto Acorda Cordel, o poema ‘O batizado do gato’, de minha autoria.
Até mesmo quando interrogado a respeito da sua terra natal, Azulão não deixava de lado a sua verve humorística e relembrava um episódio que lhe contavam na infância, de uma vaca que teria comido um papagaio num ano de seca crucial:

Na terra de Azulão
Não chove no mês de maio
O povo de lá só vive
De fazer cesto e balaio
É a terra aonde a vaca
Engoliu um papagaio.

Na sua opinião, a vaca confundira o verde papagaio com uma moita de capim. Na última vez que o entrevistei, durante a Bienal Internacional do Livro do Ceará de 2014, recolhi, dentre outras, essas duas estrofes, a primeira criticando o fanatismo religioso de algumas pessoas e a outra uma sátira à descida da Missão Apolo 11 na lua:

Tem muita gente fanática
Por jogo e religião
Ídolo de televisão
E todo tipo de prática...
Feitiçaria asiática
Presta adoração a bruxa;
Lambe os pés, batina, e puxa,
Saco do Papa de Roma
E, se lhe der, ainda toma,
UM CHÁ DE XIXI DA XUXA!

Foi na viagem primeira
Da Missão Apolo Onze
Uma plaqueta de bronze
Um mastro e uma bandeira
Eles viram uma clareira
Lá na lua prateada
Depois da nave pousada
Foram saber o que era
Só acharam na cratera

Prego, martelo e mais nada!

(...)


Com Mestre Azulão e Bule-Bule, no antigo Centro de Convenções do Ceará


 ATENÇÃO! Este ensaio será publicado integralmente no livro "NO TEMPO DA LAMPARINA", de Arievaldo Vianna, que será lançado em breve. AGUARDEM!