O advento de seu Centenário
de nascimento em 2020 fará com que João Cabral de Melo Neto, um dos poetas
nordestinos de maior reconhecimento, ganhe uma edição completa de sua
obra.O legado do escritor pernambucano
será celebrado em 2020 com livro de entrevistas, fotobiografia e coletâneas.
Nascido em Pernambuco,
em 1920, a literatura de cordel ensejou
os primeiros contatos de Cabral com as letras. Ainda menino, o escritor lia folhetos
e romances para os trabalhadores do engenho do seu pai. Essa vivência com o
cordel explica a escolha da redondilha maior (versos de sete sílabas) na
elaboração de seu poema mais famoso:
TRECHO DE “VIDA E
MORTE SEVERINA”
— O meu nome é
Severino,
como não tenho outro
de pia.
Como há muitos
Severinos,
que é santo de
romaria,
deram então de me
chamar
Severino de Maria;
João Cabral de Melo
Neto (1920-1999) foi um poeta e diplomata brasileiro. Autor de Morte e Vida
Severina, poema dramático que o consagrou. Tornou-se imortal da Academia
Brasileira de Letras. Nasceu no Recife, Pernambuco, no dia 9 de janeiro de
1920.
Filho de Luís Antônio
Cabral de Melo e de Carmem Carneiro Leão Cabral de Melo, João Cabral era irmão
do historiador Evaldo Cabral de Melo e primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo
Gilberto Freyre. Passou sua infância entre os engenhos da família nas cidades
de São Loureço da Mata e Moreno. Estudou no Colégio Marista, no Recife. Amante
da leitura, lia tudo o que tinha acesso, no colégio e na casa da avó. Dentre
suas leituras prediletas, os folhetos da LITERATURA DE CORDEL.
OS FOLHETOS QUE INSPIRARAM “O AUTO DA
COMPADECIDA”
Arievaldo Vianna
Ariano Suassuna sempre admitiu que a principal fonte de
inspiração de suas peças teatrais foi a cultura popular nordestina, em especial
o nosso romanceiro, também chamado de Literatura de Cordel. O livro que o
motivou a beber nessa fonte inesgotável foi “Violeiros do Norte”, do
folclorista cearense Leonardo Mota, cuja primeira edição, de 1926, traz uma
dedicatória ao pai do dramaturgo, o então governador da Paraíba João Suassuna.
Três dessas histórias estão contidas no livro de Leota: “O
dinheiro – O testamento do cachorro”, de Leandro Gomes de Barros, publicado em
1909; “O cavalo que defecava dinheiro”, também de Leandro, “O Castigo da
Soberba”, atribuído a Silvino Pirauá de Lima, mas que Leota recolheu da boca do
cantador cearense Anselmo Vieira de Sousa (1867 – 1926). Leonardo Mota, após a
transcrição do poema, informa que no Cancioneiro do Norte (Tip. Minerva,
Fortaleza-CE, 1903), de Rodrigues de Carvalho, foi registrado um poema parecido
com o título de “A Peleja da Alma”.
Além dos folhetos citados, convém acrescentar, é claro, o
clássico “As proezas de João Grilo”, do pernambucano João Ferreira de Lima, que
data do início da década de 1930, numa versão de apenas 8 páginas (intitulada
“As palhaçadas de João Grilo”), ampliada posteriormente para 32 páginas pelo
poeta Delarme Monteiro da Silva, a pedido do editor João Martins de Athayde.
Embora Mestre Ariano tenha se utilizado de muitos temas
populares na elaboração de sua peça mais famosa, estes poemas são as fontes
principais. CONFIRA A NOVA ABERTURA DA MINI-SÉRIE:
CADERNO VERSO TRAZ LONGA MATÉRIA
SOBRE A REPRISE DE “O AUTO DA COMPADECIDA”
Imagem da nova abertura, clique para ampliar.
Reportagem de Diego Barbosa
Eis alguns trechos e o link da matéria:
Série “O Auto da Compadecida” é reexibida,
com forte
influência também no Ceará
Reprise acontece 20
anos após a primeira exibição; trabalhos cearenses perpetuam o legado da
aclamada produção audiovisual
Selton Mello e Matheus
Nachtergaele ficaram marcados na memória do público por darem vida a Chicó e
João Grilo
Não parece, mas já se passaram 20 anos desde a primeira
exibição da série “O Auto da Compadecida”. De lá para cá, muita coisa no Brasil
mudou, seja a configuração política ou a própria maneira de fazer audiovisual,
donde a atração deriva.
Mas ainda é bem viva na memória nacional o carisma e humor
indefectíveis de João Grilo e Chicó que, feito guias, vão nos conduzindo a uma
trama de aventuras e causos no sertão nordestino regada a muitos regionalismos,
saberes populares e farta gama de personagens e situações inesquecíveis.
Na pele de João Grilo,
Matheus Natchtergaele afirma:
“Me ensinou a ser feliz na tristeza"
Baseado na peça teatral homônima do poeta, dramaturgo e
romancista paraibano Ariano Suassuna (1927-2014), o seriado logo caiu no gosto
do público e ganhou uma versão inclusive para o cinema, com 100 minutos a menos
do tempo total do programa.
A partir desta terça-feira (7), a audiência mergulha
novamente no fabuloso enredo a partir da reexibição da série na TV Globo, após
a novela “Amor de Mãe”. Os quatro episódios serão veiculados até sexta (10),
totalmente remasterizados, com nova abertura e tendo a identidade visual do céu
e inferno repaginadas por computação gráfica.
Em entrevista, Guel Arraes, que assina a direção e roteiro da
produção, comenta o caráter singular de uma história que já nasceu clássica, a
qual narra as vivências de dois nordestinos pobres que vivem enganando os
habitantes de um pequeno vilarejo no sertão da Paraíba para sobreviver.
“‘O Auto da
Compadecida’ oferece beleza, alegria e dramaticidade atemporais. Sempre é tempo
de revisitar o povo brasileiro, que é safo e sobrevive quase sem ajuda.
Especialmente o nordestino que, apesar de todas as dificuldades, sabe se
divertir e tem vocação para ser feliz”.
Filmados em Cabaceiras,
no sertão da Paraíba, série e filme utilizaram elementos populares e sacros
para contar aventuras
Matheus Nachtergaele que o diga. Intérprete do desnutrido
João Grilo, malandro conhecido pela astúcia, ele enumera os aprendizados que
reuniu com o personagem.
“Me ensinou a ser feliz na tristeza, a rir nas horas mais
perigosas e desgraçadas da vida. Gosto das cenas com Selton Mello porque foi um
encontro especial. Precisamos um do outro para que elas acontecessem como
aconteceram. Mas me comovo também profundamente na hora do julgamento, em que a
Compadecida livra o João Grilo do inferno”, confessa.
Selton, por sua vez, na pele do compulsivo e metido a
galanteador Chicó, dimensiona que há uma carreira antes e depois do trabalho.
Na visão de Selton
Mello, há uma carreira antes e depois de Chicó
“É o personagem mais popular da minha vida, e olha que já fiz
muita novela, um formato que te deixa em evidência por meses”, situa,
sublinhando ainda o que representa o retorno do programa.
(...)
CORDEL
A opinião sintoniza-se com a ótica de Arievaldo Viana –
embora o cordelista tenha conhecido “O Auto da Compadecida” depois de se
aprofundar na trajetória do paraibano Leandro Gomes de Barros (1865-1918), o
qual foi biografado pelo cearense.
“Ele foi a principal referência na obra de Suassuna. Eu, que
já conhecia os textos dos cordéis, enfeixados no livro ‘Violeiros do Norte’, de
Leonardo Mota (1926), fiquei encantado com o modo como Ariano costurou o
enredo, valendo-se das passagens mais engraçadas e marcantes dos folhetos para
criar as ações e diálogos dos personagens”.
O Dinheiro - Capa de Marcelo Soares
Alguns versos de “O Dinheiro” – folheto escrito por Leandro,
em 1909 – foram utilizados, inclusive, na fala de Padre João, vivido pelo ator
Rogério Cardoso na série e cinema.
"― Mim quer enterrar cachorra!
Disse o vigário: ― Oh! Inglês!
Você pensa que isto aqui
É o país de vocês?
Disse o inglês: ― Oh! Cachorra
Gasta tudo desta vez
Ele antes de morrer
Um testamento aprontou
Só quatro contos de réis
Para o vigário deixou
Antes de o inglês findar
O vigário suspirou
― Coitado! ― disse o vigário,
De que morreu esse pobre?
Que animal inteligente!
Que sentimento mais nobre!
Antes de partir do mundo Fez-me presente do cobre!"
(O Dinheiro, Leandro Gomes de Barros, 1909)
Ilustração de Jô
Oliveira para o cordel “O cavalo que defecava dinheiro", de Leandro Gomes
de Barros, cujos versos inspiraram Ariano Suassuna
Também partes de “O cavalo que defecava dinheiro” e “O
Castigo da Soberba”, este último escrito por Silvino Pirauá de Lima, integraram
o roteiro, assim como “As proezas de João Grilo”, do poeta pernambucano João
Ferreira de Lima.
Arievaldo considera ainda que o cordel influenciou
definitivamente na peça, a ponto de afirmar que, sem essa linguagem, a montagem
não existiria ou não teria tido metade da aceitação que obteve por parte do
público.
Autor da biografia de
Leandro Gomes de Barros, Arievaldo Viana
dimensiona alcance do Auto nas letras
“Os lances mais engraçados, como o testamento e enterro da
cachorra, o animal que defecava moedas de ouro, a gaita mágica que ressuscita
defuntos, e até mesmo a burla da bexiga cheia de sangue de galinha, estão nos
folhetos de Leandro, que certamente baseou-se em contos populares, transmitidos
oralmente geração após geração. Daí a empatia imediata que o público teve pela
obra, ao reconhecer de imediato as velhas matrizes de narrativas que faziam
parte de sua tradição oral”.