Nesta deliciosa sátira, o poeta Geraldo Amancio coloca em 'xeque' a teoria da evolução do homem, de Charles Darwin, defendendo a visão criacionista da Bíblia, sem negar, contudo, que aqueles que acham que o homem vem realmente do macaco, têm todo o direito de reverenciar os seus ancestrais, afinal de contas é sempre bom ter respeito e consideração pelos parentes. Nessa mesma linha, em 1910, o poeta Leandro Gomes de Barros publicou no jornal O Rebate, de Juazeiro do Norte, um poema intitulado a Creação do Mundo*, igualmente engraçado, questionando a versão bíblica e também a Teoria da Evolução. Vejam o início do poema do velho Leandro:
A CRIAÇÃO DO MUNDO
Fui ver se estudava a forma
Como foi a Criação
Quase pude conseguir
Como ela foi então,
Faltou-me achar a parteira
Que pegou o velho Adão.
Antes de nada existir
Cousa alguma não havia,
Nem céu, nem terra, nem mar,
Nem luz nem ar existia
Mas nos diz a Escritura
Deus sobre as águas vivia.
Aqui faço reticência…
Nada valeu o estudo
Quem for pensar nesse dogma
É capaz de ficar surdo
Porque se existia água
Assim, não faltava tudo.
Porque nos diz a história
Céu e terra não havia
A mesma história confirma
Que Deus nas águas existia
Porém não diz onde eram
As águas onde Deus vivia.
Creio que Deus disse um dia
Vou fazer a Criação
Mas o céu já estava feito
Que era a sua habitação
Deus não morava nas águas
Que não era tubarão.
(...)
O MACACO E O HOMEM
Geraldo Amancio
Mamãe sempre me ensinou
Desde o tempo de menino,
Que o homem, conforme a Bíblia,
É criação do Divino.
Disse um cientista fraco
Que o homem vem do macaco
Não aceito, nem combino.
Macaco é de uma cor só
Que seja grande ou pequeno.
Homem existe: branco, preto,
Gazo, amarelo, moreno,
Dr, tenha paciência,
No mapa dessa ciência
Tem muita falha e empeno.
Eu ser neto de macaco?
Isso não me satisfaz.
Gente é gente, bicho é bicho
Não misture os animais.
Por que só antigamente
Macaca paria gente
E agora não pare Mais?.
Meu Deus que história fraca
Essa que a ciência inventa,
Quem já viu um pé de manga
Dando goiaba ou pimenta.
Goiabeira dando jaca,
Quem foi que viu uma vaca
Sendo mãe de uma jumenta.
Se o macaco é pai do homem,
O filho não pucha aos pais.
Porque nos procedimentos
São bantante desiguais,
Quem viu macaco roubando,
Matando gente, assaltando
Do jeito que o homem faz?.
Se o macaco é pai do hemem
O que foi que aconteceu?
Se o pai é que ensina o filho
A falar do jeito seu.
Nisso a ciência se entala,
Se o macaco não fala,
Com quem o homem aprendeu?.
Eu não sou contra o macaco,
Nem contra os costumes seus.
Macaco ser pai do hemem,
Isso é coisa dos ateus.
Cada um com seu capricho,
Se é de eu ser filho de bicho,
Quero ser filho de Deus.
Mas quem acredita nisso,
Quem nessas coisas tem fé,
Assim que ver um macaco
Já sabe o seu pai quem é.
Estire o braço e a mão
E diga com educação:
A bênção pai chimpanzé...
FIM
(Todos os direitos reservados ao autor)
Mestre Azulão, Arievaldo e Geraldo Amâncio
fazendo 'macaquices' na Bienal do Livro de Fortaleza.
* Não posso afirmar que o poeta paraibano Leandro Gomes de Barros conhecesse a teoria de Charles Darwin sobre a evolução das espécies. Mas para um homem bem informado como ele, leitor frequente de livros, jornais e revistas, é quase improvável que não soubesse. Cheguei a tal conclusão depois de ler seu curioso poema intitulado “A creação do mundo”, publicado em 1910 no jornal O Rebate, de Juazeiro do Norte-CE. Ainda hoje me surpreende com a sua acuidade mental e as suas ironias bem elaboradas. Leandro foi sobrinho e aluno de um latinista, o padre-mestre Vicente Xavier de Farias( seu tio materno); foi compadre de Chagas Batista, dono de livraria na capital da Parahyba do Norte, foi sogro de Pedro Batista, um homem de letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, e ainda tem quem diga que cordel é coisa de matuto analfabeto. Bom… Cada qual tire as suas conclusões, após a leitura de uma obra como esta. (A.V.)