Entre
os nomes verdadeiramente legendários e inapagáveis na tradição oral dos
cearenses, o Padre Alexandre Francisco Cerbelon Verdeixa é um dos raros vultos
cuja sobrevivência se alicerça sobre anedotas. Uma fama perpetuada por facécias
e diabruras, muitas delas autênticas,
outras tantas incrivelmente exageradas, e
ainda outras, talvez mais numerosas,
de pura invencionice dos pósteros.
(Leonardo Mota, in "Quando e onde nasceu o Padre Verdeixa"
- Revista do Instituto do Ceará)
ABC DE JOÃO
ANDRÉ – O “CANELA PRETA”
(Padre Verdeixa)
João Brígido, no livro
CEARÁ, LADO CÔMICO (1894), fala de um ABC
escrito pelo Padre Verdeixa, que foi lido pelo próprio autor numa sessão do
júri na cidade do Icó, na década de 30 do século XIX. O poema em quadras foi
preservado (e muito deturpado pela tradição oral). Na opinião de João Brígido,
trata-se de “uma versalhada péssima e bandalha, desde o A até o TIL,” que o
autor teria lido acompanhada de trejeitos, momices e falsetas. Verdeixa era o
tipo do declamador que sabia prender a atenção da plateia. Começava em tom
baixo, rouco e pausado, para ir subindo de clave, em trote progressivo, até a
voz em grita, de tão estridente, e rápida emissão, que as palavras por fim mal
se desprendiam umas das outras. Segundo Brígido, chamavam a isto falar de
carretilha.
Eis os versos do
famoso ABC, retidos de memória pelo povo e reproduzidos por João Brígido, com
todas as variantes e deturpações que o povo costuma dar nesses casos:
A muitos anos vivia
João André fazendo
morte,
Deixando órfãos e
viúvas
Lastimando a sua
sorte.
Basta ver, em vinte e
quatro,
O que ele praticou,
Quatro livres
brasileiros
Que ele aqui fuzilou.
Carregado de tormentos
É mui bom que pague
agora,
Entregando a sua vida
Numa forca, sem
demora.
Da morte do
Cavalcante,
Um pobre velho
aleijado,
Puni, Justiça Divina,
Este assassino
malvado!
Eu me chego a
horrorizar
Dos crimes deste
malvado;
E como seja assassino
Deve morrer enforcado.
Foi o mesmo João
André,
Pois que tudo ele
supunha,
Que mandou Manoel
Vicente
Matar a Manoel da
Cunha.
Graças aos Céus, que
já temos
Um Governo Imperial
Que, com justas
providências,
Evitou do Icó o mal.
Huma víbora infernal
Este João André
Teixeira,
Chegou a dar bofetadas
No sobrinho do
Bandeira.
Isto mesmo, João André
Foi do pai
‘maldiçoado’
Pelos crimes que já tem
Merece ser fuzilado.
(Falta a letra J)
Ladrão ele sempre foi
Nesse tanto, sem
parelha,
Não só roubava as
vidas,
Também a fortuna
alheia.
Morto vi este malvado
De cacete, no Icó,
Por mão de quatro
curingas
Que o moeram sem dó.
Não vias, Canela Preta,
Que a tua enorme culpa
Havia de ser punida
Com o grau de pena
última?
Olha a sorte que já
teve
O Joaquim Pinto
Madeira,
Que no júri lá do
Crato
Teve a sua
derradeira...
Porém o crime do Pinto
Foi só de rebelião,
E os teus, Canela
Preta,
São de assassino e
ladrão.
Quer ver que João
André
É um imbecil pintista,
Que apanhou com um
chicote
No sítio da Boa Vista.
Ralhava contra seu
pai,
Pobre velho de capelo,
E mandou surrar-lhe a
fêmea
E cortar o seu cabelo.
Sabendo que o “Cagaé”
Já vinha da Capital,
Mandou seus cabras
sangrá-lo,
Lhe queria muito mal.
Tendo ido a Pernambuco
Mandou seu genro
primeiro
Que matasse o
Cavalcante
A poder do seu
dinheiro.
Vendo este réu malvado
Que da morte do
Tenente
Por via de
‘habeas-corpus’
Passeava livremente.
Xamou pelos
guarda-costas
Que lhe faziam parelha
E mandou fosse matar
O Cavalcante, da
Telha.
Zombem todos icoenses
De João André dar
carreira,
E querer também capar
O pulha Manoel
Ferreira.
~ (TIL) não fique de
fora!
Sem ter mais
dilatação,
Enforquem o João André
E degradem a geração.
FIM