Folhetos de Joaquim Batista de Sena, editados em Juazeiro do Norte, na Tipografia CASA DOS HORÓSCOPOS, de Manoel Caboclo e Silva
sábado, 12 de maio de 2012
sexta-feira, 11 de maio de 2012
MEMÓRIA DO CORDEL
Joaquim Batista de Sena - Um
continuador da tradição dos mestres do cordel
Por: Arievaldo Viana
2012 é o ano
do centenário de um dos maiores expoentes da Literatura de Cordel, o paraibano
Joaquim Batista de Sena, que durante mais de quatro décadas palmilhou o
Nordeste inteiro produzindo, imprimindo e revendendo seus folhetos. A partir da
década de 1950 instalou o seu ‘quartel general’ em Fortaleza, onde fundou a
Tipografia Graças Fátima, responsável pela publicação de seus próprios cordéis
e também boa parte da criação literária de José Camelo Rezende, de quem
adquiriu diversos originais. Romancista de primeira linha, Sena procura seguir
a mesma trilha deixada por Camelo, Leandro, Athayde e outros gênios da poesia
popular.
Mas não
desdenhava o folheto-reportagem que também foi um de seus trunfos para
conquistar a simpatia popular. Qualquer crime hediondo, enchente, desastre
automobilístico, aparecimento de entidades sobrenaturais não escapava ao seu
poder de observação, como se vê no folheto ‘O monstro do Cemitério São João
Batista’ que trata de um curioso tema: a necrofilia. Entretanto, foi na passagem
da imagem milagrosa de Nossa Senhora de Fátima, em 1953, que alcançou o seu
apogeu como editor, percorrendo todo o itinerário da imagem pelo Nordeste
afora. Ganhou tanto dinheiro que acabou batizando sua folhetaria com o nome de
“Graças Fátima”. Antes disso, no início da década de 1940, durante a Segunda
Guerra Mundial, sofreu um naufrágio na baía de Quebra-Potes, no Maranhão,
quando o navio em que viajava foi perseguido por um submarino alemão. Conseguiu
salvar-se nadando, mas perdeu uma preciosa mala contendo diversos originais,
dos quais não possuía outra cópia.
Hoje a obra
de Sena parece naufragar em outros mares... o mar do esquecimento, do
ostracismo a que vem sendo relegada a sua valiosa produção poética. Nada mais
justo que a Tupynanquim Editora faça essa justa homenagem ao poeta, relançando
três expressivos romances de sua lavra na passagem do seu centenário.
Capas das obras que serão relançadas pela Tupynanquim Editora
No início da
década de 40, vendeu um sítio de sua propriedade e adquiriu sua primeira
tipografia, que funcionou algum tempo na cidade de Guarabira-PB,
transferindo-se depois para Fortaleza, onde atuou durante muitos anos. Dizia-se
discípulo de Leandro Gomes de Barros e era admirador incondicional de José
Camelo de Melo. Durante a Segunda Guerra Mundial, quando viajava de navio de
Belém a Fortaleza, foi vítima de um naufrágio da Baía de Quebra-Potes
(Maranhão). Salvou-se nadando, mas perdeu
uma mala de folhetos, contendo diversos originais. Na capital cearense sua
tipografia adotou o nome de “Graças Fátima”. O poeta explicava a razão desse
título: durante a passagem da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima pelo
Nordeste, na década de 50, ele conseguiu ganhar muito dinheiro vendendo
folhetos sobre a visita da santa, ampliando consideravelmente seus negócios.
Em 1973
vendeu sua gráfica e sua propriedade
literária para Manoel Caboclo e Silva e tentou estabelecer-se no Rio de
Janeiro, também no ramo da literatura de cordel, mas não foi bem sucedido. De
volta ao Ceará, ainda editou alguns folhetos de sucesso, como o que escreveu em
parceria com Vidal Santos, sobre o desastre aéreo da Serra da Aratanha
(Pacatuba-CE), onde faleceu, dentre outros, o industrial Edson Queiroz.
Sena era um
grande poeta, de verve apurada e rico vocabulário. Conhecia bem os costumes, a
fauna, a flora e a geografia nordestina, motivo pelo qual seus romances eram
ricos em descrições dessa natureza. Pode-se dizer que com a sua morte,
fechou-se um ciclo na poesia popular nordestina e o gênero “romance” perdeu um
de seus maiores poetas. Só agora, no início deste novo século, surgem novos
romancistas que pretendem dar continuidade à trilha deixada pelo mestre.
Dentre as
suas obras de maior aceitação popular, destacamos: A filha noiva do pai ou Amor culpa e perdão; A morte comanda o cangaço;
As sete espadas de dores de Maria Santíssima; Estória de Manoel Seguro e Manoel
Xexeiro; História de João Mimoso e o castelo maldito; História de Braz e
Anália; Os amores de Chiquinha e as bravuras de Apolinário; História do
assassinato de Manoel Machado e a vingança do seu filho Samuel; História do
Príncipe João Corajoso e a princesa do Reino Não-vai-ninguém.
(In
“Acorda Cordel na Sala de Aula”, Arievaldo Viana)
O selinho do CENTENÁRIO é criação do poeta e editor KLÉVISSON VIANA
quinta-feira, 10 de maio de 2012
VITRINE
Acabo de receber a belíssima edição de O REI DO BAIÃO, DO NORDESTE PARA O MUNDO, editora Planeta Jovem, mais um livro que fiz em parceria com o ilustrador JÔ OLIVEIRA. Abaixo, uma relação dos meus principais livros, lançados no período de 1986 a 2012:
- Canindé – da lenda à realidade – HQ em
cordel, Edição do autor, 1986
- O Baú da Gaiatice – Editora Varal, 1999;
- São Francisco de Canindé na Literatura de
Cordel – Edições Livro Técnico, 2002;
- A moça que namorou com o bode, HQ em
parceria com Klévisson Viana, indicada como melhor roteiro para o prêmio HQ-MIX
- 2003;
- Acorda Cordel na Sala de Aula – 2005 –
Editoras Tupynanquim e Queima-Bucha, (a segunda edição, com 5 mil exemplares,
saiu em 2010);
- O Pavão Misterioso (Infanto-Juvenil, parceria com JÔ OLIVEIRA) – Editora IMEPH, 2006;
- O Pavão Misterioso (Infanto-Juvenil, parceria com JÔ OLIVEIRA) – Editora IMEPH, 2006;
- A Raposa e o Cancão – (PNBE 2007 –
Editora IMEPH) do qual já foram feitas várias edições - Ilustrações de Arlene Holanda;
- A ambição de Macbeth e a maldade feminina
– Ilustrado por JÔ OLIVEIRA - (PNBE 2009 - Ed. CORTEZ),
- Padre Cícero, o santo do povo (Ed.
Demócrito Rocha, presente no catálogo da Feira de livros infanto-juvenis de
Bologna-Itália, 2009 - Ilustrações João Pedro Neto e Arlene Holanda;
- Dona Baratinha e seu casório atrapalhado – Projeto Viva Leitura, Edições
Demócrito Rocha - 2009;
- João de Calais e sua amada Constança – Editora FTD – 2010,
selecionado para o PNBE 2012 - Cordel em quadrinhos, parceria com JÔ OLIVEIRA.
- Luiz Gonzaga, o Embaixador do Sertão – Editora Iris, 2011 - Ilustrações de Rafael Limaverde
- Chapeuzinho Vermelho em Cordel – Editora Globo – 2011.
- O Coelho e o Jabuti – Editora Globo – 2011.
- Lendas do Folclore Brasileiro – Curupira, Mãe do Ouro, Boto e
Mula sem cabeça – Edição especial feita pelo CORREIOS, 2011 - Parceria com JÔ OLIVEIRA.
- O jumento Melindroso desafiando a ciência – 2012 – Editora
Prêmius (texto e ilustrações do autor).
- O Rei do Baião – Do Nordeste para o Mundo – Editora Planeta
Jovem, 2012 - Ilustrações de Jô Oliveira.
OBRAS COLETIVAS:
Cantos de Luz - com Manoel Monteiro e Mestre Azulão
Antologia do Cordel Brasileiro - Org. Marco Haurelio.
LIVROS INÉDITOS
A Mala da Cobra - Almanaque Matuto
Leandro Gomes de Barros - Vida e Obra
terça-feira, 8 de maio de 2012
HISTÓRIA DA MOURA TORTA
Ilustração de Severino Ramos
para o livro Contos e fábulas do
Brasil
Ilustração de Severino Ramos
para o livro Contos e fábulas do Brasil |
Uma vez havia um pai que tinha três filhos, e, não tendo outra cousa que lhes dar, deu a cada um uma melancia, quando eles quiseram sair de casa para ganhar a sua vida. O pai lhes tinha recomendado que não abrissem as frutas senão em lugar onde houvesse água.
O mais velho dos moços, quando foi ver
o que dava a sua sina, estando ainda perto de casa, não se conteve e abriu a sua
melancia. Pulou de dentro uma moça muito bonita, dizendo: "Dai-me água, ou
dai-me leite". O rapaz não achava nem uma coisa nem outra; a moça caiu para trás
e morreu.
O irmão do meio, quando
chegou a sua vez, se achando não muito longe de casa, abriu também a sua
melancia, e saiu de dentro uma moça ainda mais bonita do que a outra; pediu água
ou leite, e o rapaz não achando nem uma coisa nem outra, ela caiu para trás e
morreu.
Quando o caçula partiu
para ganhar a sua vida, foi mais esperto e só abriu a sua melancia perto de uma
fonte. No abri-la pulou de dentro uma moça ainda mais bonita do que as duas
primeiras, e foi dizendo: "Quero água ou leite". O moço foi à fonte, trouxe água
e ela bebeu a se fartar. Mas a moça estava nua, e então o rapaz disse a ela que
subisse em um pé de árvore que havia ali perto da fonte, enquanto ele ia buscar
a roupa para lhe dar. A moça subiu e se escondeu nas
ramagens.
Veio uma moura torta
buscar água, e vendo na água o retrato de uma moça tão bonita, pensou que fosse
o seu e pôs-se a dizer: "Que desaforo! Pois eu sendo uma moça tão bonita, andar
carregando água…!" Atirou com o pote no chão e arrebentou-o. Chegando em casa
sem água e nem pote levou um repelão muito forte, e a senhora mandou-a buscar
água outra vez; mas na fonte fez o mesmo, e quebrou o outro pote. Terceira vez
fez o mesmo, e a moça, não se podendo conter, deu uma
gargalhada.
A moura torta, espantada,
olhou para cima e disse: "Ah! É você, minha netinha!… Deixe eu lhe catar um
piolho". E foi logo trepando pela árvore arriba, e foi catar a cabeça da moça.
Infincou-lhe um alfinete, e a moça virou numa pombinha e avoou! A moura torta
então ficou no lugar dela. O moço, quando chegou, achou aquela mudança tamanha e
estranhou; mas a moura torta lhe disse: "O que quer? Foi o sol que me queimou!…
Você custou tanto a vir me buscar!"
Partiram para o palácio,
onde se casou. A pombinha então costumava voar por perto do palácio, e se punha
no jardim a dizer: "Jardineiro, jardineiro, como vai o rei, meu senhor, com a
sua moura torta?" E fugia. Até que o jardineiro contou ao rei, que, meio
desconfiado, mandou armar um laço de diamante para prendê-la, mas a pombinha não
caiu. Mandou armar um de ouro, e nada; um de prata, e nada; afinal, um de visgo,
e ela caiu. Foram levá-la, que muito a apreciou. Passados tempos, a moura torta
fingiu-se pejada e pôs matos abaixo para comer a pombinha. No
dia em que deviam botá-la na panela, o rei, com pena, se pôs a catá-la, e
encontrou-lhe aquele carocinho na cabecinha, e, pensando ser uma pulga, foi
puxando e saiu o alfinete e pulou lá aquela moça linda como os amores. O rei
conheceu a sua bela princesa. Casaram-se, e a moura torta morreu amarrada nos
rabos de dois burros bravos lascada pelo meio.
(Versão de Sílvio Romero,
publicada em Contos populares do
Brasil)
Ilustração de Warwick Goble para a versão inglesa do Pentamerone |
Nota à versão colhida em
Serra do Ramalho Bahia e reproduzida no livro Contos e fábulas do
Brasil: A Moura Torta é
um conto que só não se espalhou pelos quatro cantos da Terra porque esta é
redonda. Sílvio Romero e Câmara Cascudo divulgaram versões muito conhecidas. A
nossa variante aproxima-se da versão de Romero no tocante à quantidade de fi lhos
do rei, três, com a sorte invariavelmente sorrindo para o caçula. Como na versão
de Câmara Cascudo, o herói recebe três laranjas de uma velhinha, que desempenha
a função de “doador mágico”. Ressalte-se ainda em nosso conto a jocosidade por
meio da sede pantagruélica da princesa, que salta da laranja onde estivera, por
conta de um feitiço, aprisionada, e do engano da Moura Torta, que julga ver no
refl exo da princesa seu rosto desagradável. Segue-se o encanto da princesa em
pomba, por meio de um alfinete mágico (“envenenado”), um motivo oriental presente
nas Mil e uma noites. Original em nosso conto é o apêndice, que não consta de
nenhuma variante conhecida e é motivo de riso para as crianças. Ítalo Calvino,
nas Fábulas italianas, redigiu O amor das três romãs, citando como
a mais antiga versão literária I tre cedri (As três cidras),
do Pentamerone de Giambattista Basile. Afanas’ev recolheu, na
Rússia, A pata branca, onde a metamorfose da princesa em ave se dá após
esta banhar-se numa fonte, por instigação de uma feiticeira, que assume o seu
lugar, até a descoberta do malefício e o castigo final. A noiva branca e a
noiva preta, dos Grimm, com a heroína enfeitiçada em uma “patinha branca
como a neve”, aproxima-se da versão russa.
(Marco
Haurélio)
Trecho da versão em cordel
publicada pela Editora Luzeiro, de São Paulo:
Oh, Deusa da
poesia,
Meu verso agora te
exorta,
Do Reino da
Inspiração
Abre-me a sagrada
porta
Para eu versar a
famosa
História da Moura
Torta.
Num reino muito
distante
Houve um monarca
afamado,
Pai de três belos
rapazes,
Orgulho do tal
reinado.
O rei, por possuir
tudo,
Vivia bem
sossegado.
Porém o filho mais
velho,
Que se chamava
Adriano,
Certo dia foi ao
pai,
Com um desejo
insano
De conhecer outras
terras,
Além das do
soberano.
O rei lhe disse: - Meu
filho,
Aqui não lhe falta
nada...
O mundo, pra quem não
sabe,
É uma grande
cilada;
Tire da sua
cabeça
Esta ideia
tresloucada.
O moço disse: - Meu
pai,
Já escolhi meu
roteiro.
O rei lhe disse: - Então
vá,
Mas tem de escolher
primeiro:
Muito dinheiro sem
bênção,
Muita bênção sem
dinheiro.
Disse o moço: - Bênção
não
Enche o bucho de
ninguém!
Não sou doido de
sair
De casa sem um
vintém.
Eu quero é muito
dinheiro,
Pois bênção não me
convém.
O rei deu para o
rapaz
A sua parte da
herança.
Ele saiu pelo
mundo,
Sem achar que fez
lambança.
Na embriaguez da
orgia
Gastou tudo sem
tardança.
Assim, voltou para a
casa,
Muito roto e
maltrapilho.
O rei, que era
bondoso,
Inda recebeu o
filho;
Porém o filho do
meio
Quis seguir no mesmo
trilho.
O filho do meio
tinha
O nome de
Cipião;
Este também foi ao
pai
Para pedir
permissão
Pra conhecer outras
terras
Além daquela
nação.
O moço disse: - Meu
pai,
Agora é a minha
vez.
Mas o velho disse:-
Filho,
Deixe desta
insensatez!
Não vá fazer mais
tolice
Como Adriano já
fez.
Como não o
demovia,
O rei perguntou,
ligeiro:
- Queres dinheiro sem
bênção?
- Queres bênção sem
dinheiro?
O infeliz Cipião
Fez igualmente ao
primeiro.
O moço lhe disse: - Eu
quero
Dinheiro em
demasia,
Bênção e chuva no
mar
Não têm qualquer
serventia!
E sem a bênção
paterna
Viajou no mesmo
dia.
O rapaz pagou bem
caro
O preço da
imprudência,
Pois perdeu todo o
dinheiro,
E, ficando na
indigência,
Voltou pra casa
esmoler,
Implorando ao rei
clemência.
O rei recebeu o
filho,
Pois tinha bom
coração,
Mandou servir um
banquete
Ao indigno
Cipião,
Que, ao recusar a
bênção,
Sucumbiu à
maldição.
Passados uns onze
meses,
Foi o rei
interpelado
Pelo seu filho
caçula,
Que estava
interessado
Em conhecer outras
terras
Para além de seu
reinado.
Então, o jovem
Hiran
Foi procurar o seu
pai,
Mas ele disse: - Meu
filho,
Sinto, mas você não
vai,
Pois quem procura o
abismo,
Tarda, mas um dia
cai!...
O moço disse: - Meu
pai,
Aos meus irmãos
permitiste.
Se me recusares
isto,
Eu ficarei muito
triste
Por não conhecer o
mundo
Que além daqui
existe.
O rei retrucou: -
Hiran,
Teus irmãos já
viajaram;
Tudo a que tinham
direito
Na orgia
dilapidaram.
Quando estragaram tudo,
Na indigência
voltaram.
Hiran disse: - Meu bom
pai,
Sempre fui
obediente,
Mas tenho
necessidade
De correr o mundo
urgente.
Contudo, eu lhe
asseguro:
Desta vez é
diferente.
O rei lhe disse: - Está
bem,
Mas tenho de
perguntar:
Tu queres muito
dinheiro,
Mas sem eu lhe
abençoar?
Ou vais querer muita
bênção,
Mas sem dinheiro
levar?
Hiran respondeu: - Meu pai,
De nada posso lucrar
Do dinheiro, se a bênção
De meu pai eu não levar.
O rei o abençoou
E o deixou viajar.
(...)
In: Marco Haurélio, Meus romances de cordel, São
Paulo: Global, 2011, págs. 139-143.
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