quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

GLOBAL LANÇA ANTOLOGIA DE CORDEL

Capa da Antologia do Cordel Brasileiro, lançamento da Global, com ilustrações de Erivaldo

Por Marco Haurélio

Acabo de receber dos amigos Gustavo Tuna (editor) e Guilherme Loureiro (assessor de imprensa), da Global Editora, a boa-nova do mês de fevereiro, no dia de Iemanjá: acaba de ser lançada a Antologia do Cordel Brasileiro, a mais abrangente do gênero, por reunir autores de várias gerações, incluindo a atual, quase sempre esquecida pelos compendiadores. A iniciativa foi possível com o apoio da Editora Luzeiro, dirigida por Gregório Nicoló, detentora dos direitos de oito dos dezesseis títulos que integram a obra. Abaixo parte da apresentação feita para o livro:

 
A literatura de cordel brasileira, desde os fins do século XIX, vem apresentando uma vasta produção com títulos de excepcional qualidade, é um formidável legado do Nordeste à cultura nacional. Não bastassem os grandes autores, os romances consagrados pela predileção popular e o interesse de estudiosos e artistas de outras searas, o romanceiro nordestino surpreende, não pelo que já foi catalogado ou debatido, mas, principalmente, pelo que ainda pode oferecer. É o que prova esta antologia em que o espaço de mais de um século separa o primeiro título selecionado, O soldado jogador, de Leandro Gomes de Barros, do último, As três folhas da serpente, do autor deste introito e organizador do presente florilégio, Marco Haurélio.

 
Prova irrefutável do vigor deste gênero literário, sempre a contrariar as previsões mais pessimistas.Leandro Gomes de Barros (18651918), Silvino Pirauá de Lima (1848 1913), João Martins de Athayde (1880-1959), João Melquíades Ferreira da Silva (1869 1933), José Galdino da Silva Duda (1866 1931) e José Camelo de Melo Resende (1885 1964), pioneiros do cordel nordestino, ainda são lidos e admirados neste século XXI, em que a cultura do descartável, ditada pelos modismos, impõe regra. O folheto de feira chegou mesmo a receber extrema unção por parte de alguns pesquisadores e jornalistas, no início da década de 1980. As perspectivas, na época, realmente não eram boas: escasseavamse os bons autores (romancistas) e toda uma geração de poetas havia envelhecido. Mas o surgimento de uma nova safra de bons valores, que culminou com a criação da editora Tupynanquim, de Fortaleza, trouxe novas luzes, àquele momento, ao entenebrecido horizonte da poesia popular. Alguns destes nomes integram a presente coletânea. São poetas que mantêm um vínculo com a poesia tradicional, ao mesmo tempo em que estão antenados com as novas possibilidades. Esse é o cordel atemporal, sustentado por duas colunas – a tradição e a contemporaneidade.


(...)

 

Títulos e autores que integram a Antologia do Cordel Brasilleiro:

O Soldado jogador, de Leandro Gomes de Barros

História do caçador que foi ao inferno, de José Pacheco

A guerra dos passarinhos, de Manoel D´Almeida Filho

A Sereia do Mar Negro, de Antônio Teodoro dos Santos

Os três irmãos caçadores e o macaco da montanha, de Francisco Sales Arêda

No tempo em que os bichos falavam, de Manoel Pereira Sobrinho

O valente Felisberto e o Reino dos Encantos, de Severino Borges Silva

O feiticeiro do Reino do Monte branco, de Minelvino Francisco Silva

João sem Destino no Reino dos Enforcados, de Antônio Alves da Silva

João Grilo, um presepeiro no palácio, de Pedro Monteiro

O reino da Torre de Ouro, de Rouxinol do Rinaré

O rico preguiçoso e o pobre abestalhado, de Arievaldo Viana

O conde Mendigo E a Princesa orgulhosa, de Evaristo Geraldo da Silva

Pedro Malasartes e o urubu adivinhão, de Klévisson Viana

As três folhas da Serpente, de Marco Haurélio

 
Mais informações: www.globaleditora.com.br

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

SEMINÁRIO DE CORDEL NO CRATO

Seminário do Verso Popular / ACC
CORDEL DE SAIA tem o prazer de DIVULGAR o 3º Seminário do Versos Popular.

Caríssimos Amigos e Amigas,
  1. Como eu havia anunciado em dezembro, vem aí o 3º Seminário do Verso Popular. Trata-se de um evento muito interessante para quem gosta de cultura popular, educação, comunicação, códigos e linguagens, etc.
  2. As inscrições estão abertas, São gratuitas e limitadas.
  3. Quem tiver trabalho para apresentar por favor me avise - estou cuidando desta parte do Seminário.
  4. Até agora confirmaram presença: Biblioteca Nacional (RJ), Academia Brasileira de Literatura de Cordel (RJ), Moreira de Acopiara (SP), Prof. José Mauro (MG), Pedro Costa (PI), Prof. Gildemar Pontes (UFCG), Arievaldo Viana (Fortaleza).
  5. Um abraço.
Willian Brito
Presidente da Academia dos Cordelistas do Crato - ACC
Leia AQUI, toda a programação:
 
FONTE: Blog CORDEL DE SAIA
Maiores esclarecimentos entre em contato com Rosário Lustosa, pelo email:
rosariodocordel@hotmail.com

Mais uma do MANÉ LIMA


OURO NO “TÔCO PRETO”

Há poucos dias fiz uma homenagem ao meu avô Manoel Barbosa Lima por conta da passagem do seu centenário de nascimento, ocorrida no último dia 14/01. Lamentava, no final da crônica, não ter régua e compasso para traçar-lhe o perfil através de uma biografia romanceada. Alguns colegas escritores, de reconhecido talento, me encorajaram nessa tarefa que estou começando a sentir cada vez mais palpável. Falei, em meus escritos, da conduta honesta e irrepreensível do meu “Avôhai” e disse do seu desapego aos bens materiais. Mas esqueci de dizer que o comércio, mesmo prosperando de maneira honesta, deve aproveitar oportunidades, aliando a inteligência e a perspicácia ao trabalho esforçado.

Vovô costumava abominar a inveja e a ganância. “Só quero o que é meu, ganho com o meu próprio esforço”, costumava dizer. E lembrou-me certa vez, um caso presenciado por mim e pouco conhecido da família, de um astuto freguês que lhe pregou uma peça num raro momento em que a ambição lhe veio à mente. Era um velho amigo lá do Saco da Serra, comunidade que fica depois do Serrote dos Três Irmãos (ou seria o nosso bom e querido sanfoneiro Edmundo, o autor da proeza?) Não lembro... Acho mais provável ter sido o ferreiro Antônio Ângelo (todo mundo chamava “Antõe Anjo”), seu amigo dileto, um velho que andava com um vistoso chapéu de Lampião, um patuá de couro a tira-colo e roupa de mescla azul, que era dado a pregar peças e dizer gracejos. Ou talvez, ainda, fosse o velho Mundoca, mas isso não vem ao caso.

Manoel Barbosa Lima, meu avô




O certo é que este camarada chegou à bodega completamente desprovido de numerário e doido para beber. Mas era exigente. Não era qualquer bebida que agradava o seu refinado paladar. Seu objeto de desejo repousava nas últimas prateleiras do canto direito, na parte mais alta, mais escura e empoeirada do estabelecimento. Era uma safra da aguardente Dandiz, produzida e engarrafada, salvo engano, pelo Sr. Ciryno Nogueira, com duas lindas touceiras de cana entraleçadas no rótulo. Tal bebida havia sido engarrafada há mais de vinte anos, no tempo em que as tampinhas de metal eram protegidas por uma boa cortiça, que ao contrário do plástico, retém melhor o aroma e o paladar do precioso líquido. Em alguns casos, o selo de garantia que cobria a tampa se rompera pela ação do tempo (ou das traças). Em outros estava ali ressequido, quebradiço, devido a cola que fora usada para fixá-lo. A tampa, naturalmente, estava tão enferrujada que era possível perfurá-la com um palito de madeira, sem desprendimento de muito esforço. Havia também exemplares da ‘Douradinha’, da ‘Pitu’, da ‘Ypióca’ e até a rara aguardente ‘Itarumã’, todas em estado semelhante.

O freguês, com ar misterioso e valendo-se da velha amizade, ao invés de falar em fiado ou mesmo pedir uma bicada (que o dono do estabelecimento certamente não negaria), disse ao meu avô que desejava lhe falar em particular um assunto muito importante. Ante a sua insistência e seu ar de mistério, vovô o levou para a parte traseira do estabelecimento, que chamávamos de armazém, onde estavam os costais de rapadura, as sacas de café e açúcar empilhadas sobre estrados de madeira e os tambores cheios de querosene marca ‘Jacaré’. O homem, mantendo o clima de suspense, olhou desconfiado em redor e certificando-se de que ninguém os ouvia, perguntou-lhe a queima-roupa:

- Mané Lima, quanto é que vale uma bolinha de ouro mais ou menos deste tamanho? E fez um gesto com os dedos indicando que a tal esfera teria um tamanho talvez um pouco maior que uma dessas moedas de um real que temos atualmente, um limão dos médios, talvez. Era, sem dúvidas uma pequena fortuna.

Vovô, com a curiosidade acesa e talvez um pouco de cobiça lhe disse:

- Por quê, fulano? Você tem uma dessas?

O homem desconversou, tornou-se reticente, não disse que sim, tampouco que não. Voltou para o balcão e ficou lá, com o mesmo ar pensativo e misterioso de antes. Nessa época (acho que 1977) uns homens do Governo, suponho que geólogos, andavam fazendo escavações e pesquisas de campo na ladeira da Esperança, no sopé do serrote dos Três Irmãos e, principalmente, para os lados da Serrinha do Teixeira. A real finalidade dessa investida nunca se soube ao certo, apenas boatos, especulações, e de certeza mesmo o testemunho de que algumas amostras de pedras haviam sido levadas para exame laboratorial. De concreto mesmo restaram apenas alguns piquetes fincados em certos locais com estranhas numerações feitas pelos “mineiros”, que era assim que todos chamavam os tais visitantes. Eram homens arredios, de pouca conversa, que se locomoviam em jipes possantes. Em suma, apareciam e sumiam sem qualquer explicação aos curiosos nativos. Especulava-se que seria uma jazida de ouro ou talvez outro metal valioso que havia na região. Alguém mais esclarecido lembrava que havia suspeitas de um teste nuclear realizado no local na década de cinqüenta, mas esse, certamente, era uma exceção. O Nascimento (brabo), indígena domesticado, irmão do ‘véi’ Pompílio e tio da Evinha, só queria tomar umas e fazer glosas absurdas:



- Me diga quantas léguas ‘daí’

Do Crato pro ‘Cearai’...



O Valdemar Viana, ignorando certamente que a capital nos tempos do Império também era chamada “Siará” retrucou de imediato: - O Crato é no Ceará! O Crato é no Ceará... Nascimento, sem perder o pique de improvisador nato respondeu em cima da bucha:



- É muita mentira sua,

Que você nunca foi ‘lai’.



 Enquanto isso tudo acontecia, o Chico Pavio, que sempre tivera inspiração sebastianista (eu soube disso muito depois), assegurava que eram vassalos de um “prinspe” estrangeiro que viria desencantar o Reino dos Três Irmãos. Geralmente era o diabo da Dandiz que dava asas a tanta imaginação. Mas essa é outra história que deixarei para depois... Eu, com dez anos incompletos, ouvia e remoia aquelas ponderações e, sempre que tinha dúvidas, consultava minha sábia avó Alzira, afeita às leituras e à cultura radiofônica.

Como todo bom comerciante que se preza, Mané Lima sabia desde cedo que ali talvez estivesse uma boa oportunidade de negócio, quem sabe alguma explicação para a visita dos “mineiros” coisa e tal. E aquela conversa estranha do compadre... Bolinha de ouro... Mané Lima sabia também que a bebida é um excelente remédio para fazer a pessoa soltar a língua, desabafar, confidenciar, às vezes, revelar os segredos mais íntimos. Então resolveu apelar:

- Homem, você quer tomar uma bicada?

E foi logo pegando uma garrafa que estava na prateleira mais baixa e ministrando uma dose de “Cinzano” para seu próprio consumo e insinuando que iria colocar uma segunda para o visitante. Antõe Anjo (seria ele?!) protestou que não. Não estava a fim de beber “Cinzano” (esse apreciado vermouth, criado em 1757 pelo italiano Francesco Cinzano, ainda é produzido hoje em dia).

- Quer beber o quê, então?

- Manezin, eu queria uma dose daquela ‘Dandiz’ mais velha, mais antiga e empoeirada que você escondeu naquela prateleira ali em ‘riba’. Disse o sujeito, fitando o local com seu olhar de cobiça.

A cachaça era especial. O vovô só costumava abrir uma garrafa daquelas quando chegava uma visita pra lá de importante, geralmente algum parente muito chegado que morava na Capital ou por outra algum vendedor bacana, representante de alguma firma comercial com quem mantinha relações. Seu Zé Medeiros, que vendia rapadura num “Chevrolet Brasil” apreciava aquele estoque e o Hermes, um vendedor de miudezas da banda do Quixeramobim também gostava bastante. Não era de seu hábito vender para as pessoas da redondeza, sobretudo os que andavam sem dinheiro, pedindo uma bicada nos pés de balcão. Mas vá lá, o caso era diferente, a mutuca da curiosidade já o havia picado e, talvez, a da cobiça também. Todo ser humano tem seus momentos de fraqueza (os de franqueza eram mais freqüentes no meu avô. Então ordenou-me que subisse numa banca onde guardava o dinheiro, me apoiasse na prateleira mais acima e tentasse retirar uma das tais garrafas, tendo ele o cuidado, logicamente, de se postar logo abaixo para segurar-me caso eu fosse mal sucedido na empreitada.

Subi, e apesar da pouca idade que tinha na época consegui resgatar exatamente a garrafa que era o objeto do desejo. Ao lado dela havia outras, também velhas e empoeiradas, mas de safra mais recente. Aquela, certamente, era do final da década de 1950. Os olhos do visitante encheram-se de alegria e vovô ministrou-lhe uma dose caprichada, quase uma terça. O homem cheirou, provou, aprovou e tomou toda de uma vez, sem fazer careta. Bateu o copo no balcão, fez sinceros elogios à bebida e pediu para repetir. Vovô também tomou uma bicadinha pequena, para acompanhá-lo. Passaram-se uns quarenta minutos, uma hora talvez e nenhuma palavra sobre a misteriosa “bolinha de ouro”. Vovô, por discrição e prudência, refreava a curiosidade esperando o homem voltar ao assunto. O compadre, por sua vez, parecia ter esquecido completamente o negócio da bolinha e se esbaldava na Dandiz. Quando percebeu que a garrafa já estava se esvaziando e que era intenção do camarada pedir uma segunda vovô criou coragem e tocou no assunto abertamente, como era do seu feitio:

- Compadre fulano, e aquele assunto que você me falou em particular, de que se trata mesmo? Você tem uma bolinha de ouro para vender?

- Qual o quê, Manezinho, quem me dera... Só perguntei porque sei que você é comerciante, acostumado a pegar em dinheiro e por isso tem base das coisas. Já pensou...? Com essa história que tão espalhando por aí sobre mina de ouro, quem sabe se eu não encontro uma dessas?!

E saiu todo faceiro, de volta pra casa, enquanto meu avô resmungava com seus botões:

- Nosso Senhor tem muito morador fela-da-gaita!

Eis uma das razões pelas quais o Mané Lima tinha verdadeira aversão à cobiça e à mentira. Se contei alguma “cabeluda”, ele que me perdoe. É que a literatura precisa de tais enfeites que o populacho chama vulgarmente de lorota.
ARIEVALDO VIANA LIMA

(Esse texto é um rascunho para o projeto livro"Sertão em desencanto")

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

DO BLOG DA VILA

LIVRO ÚNICO DE UM GRANDE POETA

Pedro Paulo Paulino (IN www.vilacamposonline.blogsot.com)



Não vai aqui um artigo de pretensa crítica literária. Nossa intenção é apresentar aos leitores do blog o livro “Carne e Alma”, do poeta Rogaciano Leite, um trabalho digno de edição moderna por alguém que se ocupe de nossas letras. Tenho em mãos a edição de 1971, com prefácio de Luiz da Câmara Cascudo. A publicação original, entretanto, é de 1950 (Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro). O livro é dividido em três partes: “Poemas Sertanejos”, “Versos a Esmo” e “Lianas Amazônicas”.

Na primeira parte, Rogaciano extravasa o estro do poeta nordestino nascido na fazenda Cacimba Nova, município de São José do Egito, no dia 1º de julho de 1920. Foi a sua fase de repentista nato que já na adolescência travava desafios de viola com os maiores cantadores da região. O poema que abre o livro é endereçado aos críticos, vazado em redondilha maior e no molde do quadrão, um dos gêneros preferidos dos cantadores:



“Senhores críticos, basta!

Deixai-me passar sem pejo,

Que o trovador sertanejo

Vai seu ‘pinho’ dedilhar…

Eu sou da terra onde as almas

São todas de cantadores:

– Sou do Pajeú das Flores –

Tenho razão de cantar!”



No tanger dos versos, o poeta já revela traços de sua bagagem cultural, adquirida tanto nos livros quanto na sua vida itinerante, pois Rogaciano foi sempre um nômade, seja como poeta, seja como conferencista, escritor e jornalista consagrado que conheceu o Brasil de ponta a ponta; e cita – desculpando-se com modéstia – autores como Lins do Rêgo, Álvaro Lins, Carpeaux, Milliet… A “poesia matuta” de Rogaciano é uma espécie de criação que mais tarde encontrará ressonância nos trabalhos de outros poetas nordestinos, da chamada vertente popular, a exemplo de Patativa do Assaré, talvez um nome bem mais conhecido nos dias de hoje. Em seu poema “Cante Lá, que Eu Canto Cá”, Patativa protesta:



“Poeta, cantô da rua,

Que na cidade nasceu,

Cante a cidade que é sua,

Que eu canto o sertão que é meu”,



reproduzindo nitidamente o que muito antes havia dito Rogaciano:



“Eles cantam suas praias,

Palácios e porcelana,

Eu canto a roça, a cabana,

Canto o sertão… que ele é meu”.



Observa-se com clareza que Rogaciano puxou com maestria um filão que até agora é seguido por uma massa de poetas, alguns deles nem sempre dignos de figurar nessa lista. Em outras composições, ainda na fase “matuta”, Rogaciano Leite evoca temas, cenários, costumes, amor telúrico e saudades, como no “Poema de minha terra”, em que descreve com precisão a casa onde ele nasceu:



“É um casarão de biqueiras,

De esteios, de cumeeiras,

De travessões e soleiras,

Linha, ripa e caibraria”.



Pássaros e árvores típicos do Nordeste, noites de lua, a paisagem da fazenda, o vaqueiro, paixões inocentes, brincadeiras pueris e recordações felizes desfilam na primeira parte do seu livro, à qual comparece também a cigarra boêmia imortalizada por Olegário Mariano:



“Tu és a cigarra-moça

E eu sou o homem-cigarra!

Vamos viver nesta farra,

Vamos morrer de cantar!”



Nota-se, todavia, que mesmo nesse estilo de fazer versos, Rogaciano transportou o universal para o coloquial, numa inversão prodigiosa em que conseguiu transmitir sentimentos sem escorregar no pieguismo. “Rogaciano Leite independe do tempo e do futuro”, assim resume Câmara Cascudo o perfil do poeta.

Já em “Versos a Esmo”, segunda parte do livro, ergue-se o poeta erudito, condoreiro, polimorfo, que cultiva o verso em váriado tamanho, da redondilha ao alexandrino bem acabado, ordenando estrofes também as mais diversas. É no meio do livro que o leitor percebe a comunhão de estros entre Rogaciano e seu antecessor distante, Castro Alves, para quem foi escrito o poema “Acorda, Castro Alves!”, no centenário deste. Os versos são cinzelados em décimas bem ao estilo do poeta baiano:



“Condor, que é de tuas asas

Que os astros arremessaram?

As plumas da águia soberba

Que no infinito brilharam?

Que é do teu grito altaneiro

Que atravessava o nevoeiro

Pra ressoar junto a Deus?

Renasce, Fênix altiva!

Que outra senzala aflitiva

Precisa dos cantos teus!”



É também nesta altura da obra, que encontramos os sonetos de Rogaciano, burilados segundo a rigorosa exigência clássica da arte de Petrarca e de Camões. “À minhã mãe”, "Inversão de racismo”, “Judeu errante” e “Ilusão do suicídio” são alguns dos sonetos deixados pelo poeta. E ainda o mais conhecido soneto de sua autoria, “Se voltares”, que encerra com um conceito de grandeza bíblica:



“Para os que voltam, pelo amor vencidos,

A vingança maior dos ofendidos

É saber abraçar os humilhados”.



Ainda nesta segunda parte do livro o poeta dedica-se à musa de sua inspiração, Mazé, como no soneto “Súplica” e em vários poemas que a têm como motivação recorrente. Outra composição magistral de Rogaciano é o épico “Os expedicionários cearenses”, bem como “Os trabalhadores”, poema que foi depois traduzido em várias línguas e gravado pelo autor em monumento na Praça de Moscou, durante sua temporada pela Europa.

Na terceira e última parte do livro, deominada “Lianas Amazônicas”, Rogaciano mergulha nos segredos, mistérios e lendas da Amazônia, traduzindo em versos toda a grandeza e opulência das águas e florestas daquela região. E o mesmo menestrel do sertão árido vai agora cantar os igarapés e folhagens da selva imensa, onde envolve ainda todo seu amor, em poemas desta vez intitulados “Amor sobre as águas”, “Crepúsculo amazônico” dentre outros…

Foi nesse período, que ele, como repórter itinerante, escreveu a série de reportagens intitulada “Na fronteira do fim do mundo”, que lhe valeu o “Prêmio Esso” em 1965. Mas Rogaciano parece fazer questão de concluir seu livro de poesia voltando-se de novo para o Nordeste e sua problemática. Em versos de uma dramaticidade ainda gritante e atual, ele denuncia, nas derradeiras páginas de seu livro, a miséria e o abandono reinantes no bairro Pirambu, em Fortaleza, assim como denuncia o descaso com as vítimas da seca no Ceará, no poema-reportagem intitulado “Os flagelados”, publicado pela primeira vez na “Gazeta de Notícias”, edição de 10 de maio de 1956:



“Exauriram-se as fontes, tudo é seco; os rios

Com o leito esturricado, ao longo dos baixios,

Eroscam-se no chão, num morno caracol;

As árvores de pé, desnudas como espetos,

Apontam para o céu num gesto de esqueletos

Condenados por Deus, queimados pelo sol”.



Rogaciano Leite morreu com apenas 49 anos, no dia 7 de outubro de 1969, no Rio de Janeiro. Seu corpo foi trazido para Fortaleza, cidade onde viveu boa parte de sua vida e ali bacharelou-se em Letras Clássicas e onde também realizou o primeiro Congresso de Cantadores no Teatro José de Alencar. Homem de vários instrumentos, jamais desprezou suas origens e foi o responsável por introduzir a cantoria de viola nos salões sociais, tanto de Fortaleza como do Rio de Janeiro, revelando talentos como o do Cego Aderaldo. Como compositor, deixou um clássico da MPB, a música “Cabelos cor de prata”, gravada por Silvio Caldas. Os trabalhos contidos em seu livro são datados de vários lugares por aí afora, prova mais uma vez da vida nômade de Rogaciano, um artista múltiplo de inspiração plena. Retomando o primeiro poema do livro “Carne e Alma”, é mesmo ele quem, com sua modéstia exemplar, adverte:



“Finalmente, este volume

De tão fraca ressonância

Tanto tem riso da infância

Quanto guerra, fome e amor…

Numa palavra, senhores,

O livro que vos entrego

É como saco de cego:

– Tem feijão de toda cor!...”



Poeta Rogaciano Leite


Na ocasião dessa postagem no blog VILA CAMPOS, postei o seguinte comentário:
"Um poeta no sentido lato da expressão. Telúrico e universal ao mesmo tempo, sertanejo e cosmopolita, com um pé nos carrascais do agreste que ele tanto palmilhou e outro nos salões engalanados dos teatros. Dizem que fazia sonetos de improviso, o que não duvido. Dimas Batista, nos seus momentos mais inspirados, também fazia o mesmo."   (Cancão de Fogo)

domingo, 29 de janeiro de 2012

LANÇAMENTO


Uma história de resistência






ILUSTRAÇÕES: JABSON RODRIGUES/ DIVULGAÇÃO
 
No livro O Quilombo do Encantado: Marcos Mairton fala sobre um assunto ainda pouco estudado: a relação entre negros e índios nos tempos da escravidão no Brasil
 
Numa volta ao passado do Brasil, o cearense Marcos Mairton discorre sobre a convivência de negros e índios nos tempos da escravidão. O livro "O Quilombo do Encantado" será lançado às 19h30, com bate-papo na Livraria Cultura
Filho de uma africana, trazida para o Brasil ainda menina, com um colono português, o jovem mestiço Antônio tinha olhos cor de mel. Ele vivia no Forte de São Sebastião com a mãe. Por seus traços físicos deixarem transparecer a herança lusitana, ele nunca era mandado para os serviços mais pesados. Ficava sempre perto da casa de seu senhor, ajudando nos afazeres da "Casa Grande".

A vida corria seu ritmo monótono, até que um dia o jovem viu a mãe, Bernarda, ser agredida pelo capataz da fazenda. Sem pensar duas vezes, Antônio parte para cima do homem e depois de açoitá-lo, foge sozinho embrenhando-se na mata. Com os índios Tremembés (inimigos ferrenho dos portugueses), encontra abrigo e uma nova família. Mas, o rapaz mantém sempre viva a memória e a saudade da mãe negra...
Resgate histórico
A partir desse enredo, o escritor e compositor cearense Marcos Mairton aproveita para discorrer sobre um dos aspectos pouco estudados da história brasileira: a convivência de negros e índios em quilombos nos tempos da escravidão.

Numa linguagem simples e acessível, o autor, através da ficção nos põem em contato com essa realidade. E, apesar de o livro "O Quilombo do Encantado" ser direcionado ao público infantojuvenil, a obra não deixa de ser um acesso interessante para os adultos compreenderem um pouco mais da história do Brasil.

A narrativa é complementada por ilustrações do artista plástico Jabson Rodrigues. As imagens conseguem passar ao leitor um registro fiel do drama criado por Marcos Mairton.
Processo
Para falar sobre o processo de produção de "O Quilombo do Encantado" e sua trajetória artística na música e na literatura, Marcos Mairton realiza hoje, às 19h30, um bate-papo no auditório da Livraria Cultura.

"Desde 2008 venho publicando pela Editora Conhecimento. O primeiro livro resultante da parceria foi ´Uma aventura na Amazônia´. Agora, com ´O Quilombo do Encantado´ trago para os jovens leitores uma narrativa que nasce dessa convivência entre índios e negros. Passei um ano pesquisando o assunto, contudo, o único registro histórico encontrado sobre essa relação aqui no País, foi na região Centro-Oeste", justifica.

O escritor também revela que se inspirou na história do índio e do negro no Ceará, incorporando alguns elementos importantes de fatos ocorrido no Estado no drama vivido pelo protagonista Antônio. "Particularmente, eu sempre gostei de estudar esses dois personagens. Ao longo da pesquisa sensibilizei-me com várias questões. Uma delas, trata-se de nossas origens. Temos uma história bonita, porém trágica e com muitos preconceitos. Além disso, há dramas familiares envolvidos na narrativa, quantos encontros e desencontros houve entre mães, pais e filhos. Infelizmente, isso ainda acontece no mundo moderno...O tempo passa, mas a gente parece que não muda", reflete.
Prosa




O Quilombo do Encantado Marcos Mairton

Conhecimento
2010
48 páginas
R$ 25

Bate-papo com o escritor Marcos Mairton sobre o livro "O Quilombo do Encantado", no auditório da Livraria Cultura (Shopping Varanda Mall - Av. Dom Luís, 1010). Hoje, às 19h30. Aberta ao público. Contatos: (85) 3032.7874
Fique por dentro Quilombos no CE
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contabilizou oficialmente, em 2007, 16 comunidades quilombolas no Ceará, a maioria localizada em municípios do interior do Estado. Alguns dos locais encontrados são: Alto Alegre, Base, Queimadas, Horizonte, Pacajus e Crateús. Deste total, nove já solicitaram a titulação definitiva das terras que ocupam. Somente cinco delas se encontram em fase de pesquisa de campo.

Apesar do Incra reconhecer apenas essas comunidades quilombolas, estudos realizados por pesquisadores independentes apontam para a existência de mais de 60 em todo o Estado. Em Fortaleza, elas estariam distribuídas em bairros como Jardim Iracema, Pirambu, Mucuripe e Praia do Futuro.

Conforme a Lei nº 4887/03 - que regulamenta o procedimento para "identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas", de que trata o Artigo 68 da Constituição Federal: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos".

É importante ressaltar, contudo, que, mesmo quando uma comunidade se autodefine como quilombola, são necessários diversos documentos comprobatórias, pareceres, laudos e relatórios técnicos, fruto de investigação conduzida pelo Incra.

ANA CECÍLIA SOARESREPÓRTER

LANÇAMENTO DO JEGUE



Foi um sucesso, teatro lotado, carinho dos amigos, presença especialissima do casal Liduíno Brito - Noeme, do cover de Tim Maia, Ricardo Maia e esposa (Waneza) e muita gente bacana prestigiando e transmitindo carinho, atenção e calor humano. Meu agradecimento especial vai para o JÁDER SOARES (Zebrinha) e família, ótimos anfitriões.
Senti a falta de Barros Alves, Gláucia Lima, Rouxinol do Rinaré e Pedro Paulo Paulino, convidados que bateram fofo... Mas, em resumo, gostei, ganhei o dia!