terça-feira, 14 de abril de 2020

HOMENAGEM A MORAES MOREIRA



Ilustração do livro "A história dos Novos Baianos em Cordel", 
lançado pela Editora IMEPH na Bienal do Livro de SP, em 2018.


Cordel: A Chegada de Moraes Moreira no Céu

Além de músico, artista morto nesta segunda (13) também se destacou na literatura de cordel; leia homenagem do poeta Elton Magalhães


Moraes, Elton Magalhães e José Walter Pires


O cantor Moraes Moreira, que faleceu nesta segunda-feira (13), aos 72 anos, além de ter se eternizado na música popular brasileira com grandes clássicos como 'Preta Pretinha', 'Chame Gente', 'Chão da Praça', entre muitos outros, também se destacou pela sua produção poética através da literatura de cordel.

Em 2015, passou a ocupar a cadeira de número 38 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, que tinha como patrono o poeta paraibano Manoel Monteiro. Desde então, suas apresentações passaram a ser um misto de música e recital.
Além de ter escrito um livro contando “A História dos Novos Baianos e Outros Versos”, publicou também “Poeta Não Tem Idade” e o álbum “Ser Tão”, no qual equilibra canções e textos. Numa das faixas, inclusive se assume nessa nova fase: “De Cantor Para Cantador”.

Também poeta e cantador, o professor baiano Elton Magalhães compôs, com exclusividade para o CORREIO, um poema que fala da chegada de Moraes no plano superior (tipo de homenagem bem comum entre os cordelistas). Por lá, é recebido por outros bambas baianos que deixaram saudade e entraram para a eternidade. Confira o texto na íntegra.



Arte: Amanda Lima/Divulgação

A CHEGADA DE MORAES MOREIRA NO CÉU
Autor: Elton Magalhães

Em tempos de pandemia
O mundo respira o mal
Mas os grandes da Bahia
Vão de morte natural
Pr’um outro plano fazer
Um bonito Carnaval.

Assim foi com Riachão
Que abriu as portas do céu
Dizendo: - Saaaaamba, São Pedro!
Com seu lencinho e chapéu
Ganhando dos seus amigos
Um merecido troféu.

Com o samba comendo solto
A multidão foi chegando:
Batatinha deu o tom
Ederaldo foi somando
E o clã baiano no céu
Logo foi se amontoando.

Raulzito, inebriado,
Sentou-se pra observar
Ao lado de Dorival
A baianada chegar
Acompanhada do trio
De Dodô e de Osmar.

A festa estava montada
Santa Dulce abençoando
E ao som da guitarra elétrica
Com os mestres no comando
A chegada de outro mito
O trio ia anunciando.

São Pedro saiu da roda
Pra deixar a porta aberta
E nesse exato momento
A todos fez um alerta:
“Abram alas pra Moraes
Que pr’este plano desperta!”

Tímido, ele foi chegando
E no trio já foi subindo
Foi pegando o microfone
E pro seus mestres sorrindo
Disse a todos “salve salve!
Veja só que dia lindo!”

Pra manter o ritual,
Puxou o Pombo Correio
Dizendo: “sempre sonhei
Em ver esse bloco cheio
Mas cadê meu grande mestre?
Por que será que não veio?”

Certamente ele falava
Do bruxo João Gilberto
Que até mesmo lá no céu
Mantinha o hábito certo
De ficar enclausurado
Com seu pijama coberto.

Mas a comoção foi grande
E logo João chegou
Pois Caymmi, seu amigo,
Da mesa se levantou
Puxou João pelo braço
E este de pronto aceitou.

João Gilberto que estava
Calado até o momento
Disse: “Moraes você é
Sim o meu maior rebento
O grande orgulho da raça:
Receba o meu cumprimento!”

“Acabou chorare, gente!
Eu agora sou eterno
Fugi do triste Brasil
Que se tornou um inferno
Espero que o céu se mostre
Em tudo um lugar fraterno.

Deus me faça brasileiro
Criador e criatura
Nessa terra que é de todos
Distante dessa amargura
E que os meus que lá ficaram
Tenham jogo de cintura.

Nasci em Ituaçu
Lá no Sertão da Bahia
Terra de todo o encanto
Terra de força e magia
Sou filho de Dona Nita
Que sempre foi minha guia.

Com um baiano aprendi
A arte do violão
Tom Zé, o primeiro mestre,
Deu grande contribuição
Pois pra mim a Tropicália
Foi de grande inspiração.

Com os amigos Pepeu,
Baby, Paulinho e Galvão
Tracei uma linda história
Que levo no coração
Os Novos Baianos foram
Pra mim a grande lição.

Segui dando o meu melhor
Para o carnaval baiano
E aos poucos do trio elétrico
A história eu fui mudando
À fobica eu dei a voz
E segui me alumbrando.

Com o meu irmão mais velho,
Zé Walter, o menestrel,
Aprendi métrica e rima
Peguei caneta, papel
E logo fui descobrindo
O universo do Cordel.

Assim, fiz minha passagem
De cantor pra cantador
Exaltando o meu sertão
E esse povo de valor
Homenageei os mestres
Que em vida eu dei valor.

O grande artista do século
É o nosso Rei do Baião
Nesses versos de carinho
Exaltei nossa nação
Através do maioral:
O eterno Gonzagão”.

Foi assim que num rompante
Mestre Lua apareceu
Com seu fole de cem baixos
E a todos ali deu
Um presente: a Asa Branca
O céu todo comoveu.

Moraes Moreira chorando
Diante da emoção
Foi cantando “chame gente”
E assim uma multidão
Foi pelas nuvens pulando
Em grande celebração.

Tocaram Frevo Mulher
Depois Cara e coração
Desabafo e desafio
E Pedaço de canção
Mas o que veio depois
Explodiu a multidão:

Carnaval em cada esquina
Só não foi mais badalada
Do que a épica Vassourinha
Que deixou embriagada
Toda uma multidão
Que estava ali deslumbrada.

Riachão também subiu
No trio causando um rebu
Carregava cachacinha
Meladinha no caju
E pegando o microfone
Foi puxando Besta é tu.

Raul, chegado ao “caju”
Sendo de pouca etiqueta
Também chegou na fobica
E tirou duma maleta
Sua gaita pra tocar
O Mistério do Planeta.

Caymmi também subiu
Preparado para a guerra
Levando João no braço
(Esse é certo: nunca erra)
Com Moraes então fizeram
O Samba da minha terra.

Depois dessa grande festa
E justa recepção
O mestre Moraes, sereno,
Iniciou um sermão
Pra todos ali presentes
Eis sua declaração:

“Sigo sendo como posso
E mostrando como sou
Morri dormindo, e assim
Sei que Deus me abençoou.
Pela vida que vivi
Orgulhoso aqui estou.

Na minha velha Bahia
Quando era bem menino
E eu ainda digo mais:
Menino e beduíno
Com jeito de mercador
Preparei singelo hino!

Peço a Deus que nesse instante
Se compadeça do povo
Que na terra, isolado,
Quer viver livre de novo
E que essa pandemia
Deixe de ser um estorvo.

Para o povo lá da Terra
Eu só queria escrever
‘Tudo passa e em breve
Todos poderão dizer:
Abra a porta e a janela
E vem ver o sol nascer’”

Elton Magalhães, 13/04/2020

Fonte: JORNAL CORREIO (da Bahia)

segunda-feira, 13 de abril de 2020

ADEUS AO POETA


Stand da editora IMEPH, Bienal do Livro de São Paulo 2018
Lançamento do livro "A História dos Novos Baianos em Cordel", com Rouxinol
do Rinaré, Lucinda Azevedo, Antonio Francisco e Crispiniano Neto.


Morre aos 72 anos cantor baiano Moraes Moreira


Moraes era membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel – ABLC. Ele estava na casa no Rio de Janeiro e faleceu durante o sono

O cantor baiano Moraes Moreira morreu nesta segunda-feira (13) no Rio de Janeiro. Segundo o Blog do Marrom, o também cantor e compositor Paulinho Boca de Cantor confirmou a informação. Muito emocionado, Paulinho mal conseguia falar e contou que ele faleceu durante o sono.
A causa da morte de Moraes ainda não foi informada. Também não há informação sobre quando e onde será o sepultamento.


(Foto: Divulgação)

Nascido Antônio Carlos Moreira Pires na cidade de Ituaçu, Moraes começou a carreira tocando safona em festas de São João. Na adolescência, aprendeu a tocar violão enquanto estudava em Caculé. Depois, se mudou para Salvador e conheceu Tom Zé. Formou com Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão os Novos Baianos, ficando com o grupo de 1969 até 1975.
Com Luiz Galvão, compôs a maioria das canções do grupo, que é responsável por um dos discos mais icônicos da música brasileira, Acabou Chorare, de 1972. O disco foi eleito o melhor da música nacional pela edição brasileira da Rolling Stone em 2007. "Obra-prima dos Novos Baianos, Acabou Chorare nasceu do choque entre o grupo e João Gilberto (engana-se quem imagina que a influência musical foi unilateral. Vale ouvir João Gilberto, o 47º colocado desta mesma lista, e perceber imediatamente que se trata do outro lado de uma mesma moeda.) Depois de um primeiro disco semitropicalista, um tanto psicodélico e essencialmente roqueiro gravado em São Paulo (É Ferro na Boneca, de 1970), a trupe se mudou de mala e cuia para o Rio de Janeiro e por lá se instalou", diz trecho da matéria.
Em 2012 Moraes gravou o disco A Revolta dos Ritmos, que trazia 12 composições inéditas dele. Paralelo ao novo CD, Moraes viajou pelo Brasil, ao lado do seu filho Davi Moraes, com uma turnê comemorando os 40 anos de Acabou Chorare.
Em 2016, foi a vez de fazer uma turnê comemorativa com os Novos Baianos. Depois de 17 anos, Moraes, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão se reencontram para a nova turnê, batizada com nome do disco mais famoso do grupo.
Moraes foi o primeiro artista a cantar num trio elétrico no Carnaval, junto com  o Trio Elétrico Armandinho, Dodô & Osmar. A partir daí, seus frevos ‘trieletrizados’, como ele denominava, passaram a ser marca registrada do nosso Carnaval: Pombo Correio, Chame Gente, Eu Sou o Carnaval, entre outros.
O cantor foi homenageado pelo Carnaval de Salvador em 2017, ao completar sete décadas de vida. Naquele ano, o trio dele teve um problema na embreagem que atrasou bastante a saída. Mas o público se manteve fiel, esperando Moraes, que estava acompanhado do filho Davi.


Último trabalho do artista foi fortemente influenciado pela Literatura de Cordel


 “Tentaram melar meu baba, mas não conseguiram. O povo baiano viu que eu estava lá com minha história, meu repertório, com Davi Moraes, a banda e uma equipe dedicada”, comentou o cantor ao CORREIO.
 “Nossas canções resistiram a tudo e a todos, dando mostras de que vieram para ficar. Passada a euforia dos sucessos imediatos, elas ressurgem gloriosas, no gogó dos foliões, inteiras e renovadas pela juventude. Reforçam assim um conceito que tenho: um bom Carnaval se faz com passado, presente e futuro”, analisou.


Moraes Moreira em visita à ABLC - Academia Brasileira de Literatura de Cordel

Na última entrevista concedida, ao jornal O Globo, publicada há menos de duas semanas, Moraes criticou Baby do Brasil. O motivo da desavença foi o espetáculo musical que conta a história dos Novos Baianos, com direção de Otávio Muller e direção musical de Pedro Baby, filho dela, e Davi, filho do cantor. Moraes afirmou que Baby queria um espetáculo que "fosse evangélico" e ignorasse o uso de drogas por parte dos Novos Baianos. Hoje evangélica, a cantora afirmou que a peça é "ficção".
Moraes se irritou. "Dizer que o musical não retrata os Novos Baianos é uma mentira deslavada. Baby queria que o espetáculo fosse evangélico. Que não dissesse que fumou maconha, que tomou ácido, que fez tudo. Assim, os Novos Baianos não seriam revolucionários. João Gilberto deve estar se mexendo na sepultura. Porque o nosso grupo fumou, sim, tomou ácido, sim, fez músicas maravilhosas em estado de fumar maconha, sim. A gente fazia música de inclusive pra ela. As canções dela que fizeram sucesso, como "A menina dança", "Tinindo, trincando", "Os pingos da chuva" e tantas outras, foram feitas na onda, porque naquele tempo a onda era essa", afirmou.
Ele disse ter adorado o espetáculo e aproveitou para fazer uma crítica política ao momento do Brasil. "Vamos parar de mentir em nome de Deus! Éramos fãs de Jimi Hendrix, Janis Joplin. Estávamos afinados com a geração daquele tempo. Será que os Beatles fariam músicas tão lindas se não tivessem tomado ácido? Não morremos de overdose porque a gente era esperto, malandro, seguramos a barra. Isso é preconceito de evangélico. Vai votar em Bolsonaro!".
Durante a quarentena, no mês passado, Moraes escreveu um cordel. Falava da covid-19, mas também do medo da violência e no final faz uma referência a Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018.
Fonte: Jornal CORREIO da Bahia

A história dos Novos Baianos em Cordel,
lançamento Editora IMEPH




MORAES MOREIRA FEZ CORDEL SOBRE O CORONAVÍRUS
Quarentena (Moraes Moreira)

Eu temo o coronavirus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida

Assombra-me a pandemia
Que agora domina o mundo
Mas tenho uma garantia
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão
Merece mas atenção
O sentimento é profundo

Eu não queria essa praga
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito,
Os males não são eternos
Pois os recursos modernos
Estão aí, acredito

De quem será esse lucro
Ou mesmo a teoria?
Detesto falar de estrupo
Eu gosto é de poesia,
Mas creio na consciência
E digo não a todo dia

Eu tenho medo do excesso
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
As vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido

Até aceito a polícia
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta,
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta

Com tanta coisa inda cismo….
Estão na ordem do dia
Eu digo não ao machismo
Também a misoginia,
Tem outros que eu não aceito
É o tal do preconceito
E as sombras da hipocrisia

As coisas já forem postas
Mas prevalecem os relés
Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles,
Em meio a um mundo efêmero
Não é só questão de gênero
Nem de homens ou mulheres

O que vale é o ser humano
E sua dignidade
Vivemos num mundo insano
Queremos mais liberdade,
Pra que tudo isso mude
Certeza, ninguém se ilude
Não tem tempo,nem idade

***