No próximo dia 31 de outubro (terça-feira), às 19
horas, Arievaldo Vianna estará lançando mais um livro no SESC da Duque de
Caxias (Centro de Fortaleza), dentro do projeto Bazar das Letras. Trata-se da
obra “Encontro com a consciência”, texto em cordel com ilustrações do próprio
autor.
Nascido em 1967, o escritor cearense Arievaldo
Vianna chega aos 50 anos com a invejável marca de 31 livros publicados, por
diversas editoras, e cerca de 150 folhetos de cordel já impressos em sucessivas
reedições. Premiado em concursos literários, quatro vezes selecionado pelo MEC,
através do extinto PNBE (Programa Nacional da Biblioteca na Escola), esse autor
já percorreu o Brasil de norte a sul realizando palestras, recitais, oficinas
de cordel e xilogravura, dentro do projeto Acorda Cordel na Sala de Aula, por
ele criado em 2001.
Arievaldo atuou também como consultor e redator de uma série de programas da TV Brasil (Salto para o futuro), sobre o uso do Cordel no ambiente escolar. Teve vários livros selecionados para o catálogo da Feira Internacional do Livro Infanto-Juvenil de Bologna (Itália), e algumas de suas obras conquistaram o selo “Altamente Recomendável” da FNLIJ.
TRECHOS DA
OBRA
Meus
leitores vou narrar
Um
caso que foi passado
Num
livro muito decente
Foi
o fato relatado
Minhas
são somente as rimas
Nada
aqui é inventado.
O
senhor Ramiro Chaves
Um
grande caminhoneiro
Que
nasceu e se criou
Nos
vales de Tabuleiro
Em
seu livro de memórias
Diz
que o caso é verdadeiro.
Pois
bem, vamos a história.
Do
jeito que foi narrada
Dizem
que um fazendeiro
De
vida boa e honrada
Nas
estradas do destino
Caiu
em grande cilada.
Leonel
dos Santos era
Este
dito fazendeiro
Morava
nos Inhamuns
Era
pacato e ordeiro
Por
ser muito inteligente
Sabia
ganhar dinheiro
Em
novecentos e seis
Do
outro século passado
Veio
ele à Fortaleza
Pedir
dinheiro emprestado
Pra
comprar gado de corte
Com
um lucro avantajado.
(...)
Nesse
tempo se vivia
Com
certa tranqüilidade
O
povo de antigamente
Prezava
a honestidade
Seu
Leonel era um desses
Que
não pensava em maldade.
Mas
foi a fatalidade
Que
este dano originou
Chegando
na oiticica
Os
seus alforjes tirou
Num
galho da dita árvore
Com
cuidado pendurou.
Dentro
de um dos alforjes
A
sua fortuna estava
Mais
de cem contos de réis
O
fazendeiro levava
Com
um lapso de memória
Este
pobre não contava.
Depois
que almoçou bem
Armou
a rede e dormiu
Quando
bateu duas horas
Selou
o burro e saiu
Lá
os alforjes ficaram
E
seu Leonel não viu.
Esqueceu
sua fortuna
Talvez
devido à soneira
No
seu burro de valor
Galopou
a tarde inteira
Coitado,
sem se dar conta.
Da
sua grande leseira.
Na
casa de um compadre
Dormir
ele pretendia
Como
de fato chegou
Ao
toque da Ave-Maria
Cumprimentou
o compadre
Com
afeto e alegria.
Mas
veio o golpe fatal
Quando
tirou a bagagem
Que
não viu os seus alforjes
Pensou
que fosse visagem
Junto
com o seu compadre
Ganhou
de novo a rodagem.
(...)
Caricatura: Jô Oliveira
OUTRAS ATIVIDADES MARCAM
CINQUENTENÁRIO DO POETA
63ª Feira do Livro de Porto Alegre-RS
No período de 13 a 15 de novembro, Arievaldo
Vianna e o ilustrador pernambucano Jô Oliveira participarão de várias
atividades da programação da 63ª Feira do Livro de Porto Alegre, que ocorrerá
no período de 1º a 19 de novembro, como autores enviados pela Editora IMEPH.
Além das atividades programadas no próprio espaço da Feira, que incluem visita
à Escola Portugal (palestra para turmas do EJA) e no projeto Autor no Palco, no
Teatro Carlos Urbim, a dupla foi convidada pela Associação Centro de Tradições
Nordestinas e a Secretaria Municipal de Educação da cidade de Cachoeirinha (que
fica a 17 quilômetros de Porto Alegre) para fazer uma palestra sobre cordel no
bairro Granja Esperança (onde está radicada a maior parte da colônia
nordestina).
Com o parceiro Jô Oliveira - Bienal do Rio de Janeiro (2012)
IMPLANTAÇÃO
DE CORDELTECA EM MADALENA-CE
E LANÇAMENTO DE UM NOVO LIVRO
“NO TEMPO DA
LAMPARINA”
Também em novembro próximo, em data a ser
definida, a Prefeitura Municipal de Madalena irá inaugurar uma Biblioteca de
Cordel com acervo selecionado por Arievaldo Vianna. A Cordelteca Alzira Vianna
de Sousa Lima é uma homenagem à avó do escritor. Foi com ela que Arievaldo
aprendeu as primeiras letras e deu seus primeiros passos como poeta, pois dona
Alzira utilizava os folhetos de cordel como ferramenta auxiliar na educação do
neto.
Ainda este ano, Arievaldo Vianna pretende lançar
seu 32º livro, oitavo em prosa, intitulado “No Tempo da Lamparina – II Volume
de Memórias”. A obra reúne crônicas que retratam a sua infância e adolescência
nos municípios de Quixeramobim, Madalena e Canindé. O texto alterna lembranças
pessoais com fatos importantes ocorridos no período e trata também das
transformações que afetaram o Sertão Central cearense ao longo dos últimos 50
anos, sob a ótica de quem viveu e testemunhou de perto.
Assim, o autor desfila suas reminiscências falando
de artes e tradições esquecidas, como o reisado, a cantoria, o forró de latada,
corridas de cavalo, farinhadas, sonhos com botijas e assombrações, novenas e
procissões invocando chuva. A fazenda Ouro Preto, onde nasceu e se criou, não
tinha luz elétrica. O entretenimento que o poeta conheceu na infância foram
somente o rádio, as cantorias e os folhetos de cordel, guardados com carinho
pela avó numa maleta encantada. Por falar nisso, Arievaldo também descreve as
histórias de encantamento repassadas aos meninos de sua geração pela velha
Bastiana. Uma delas falava de três castelos encantados, localizados na
comunidade vizinha de Três Irmãos, onde está situada a Fonte das Coronhas, um
lugar mágico, tido por alguns como a morada da Iara ou Mãe D’água sertaneja.
EIS UM TRECHO DO LIVRO:
Xilogravura da capa: Maércio Siqueira
“Na infância eu considerava as histórias de
encantamento dos folhetos de cordel como verdadeiras ou, pelo menos,
plausíveis. Por estarem impressas no papel me pareciam mais dignas de crédito
que as histórias de Trancoso contadas oralmente pela velha Bastiana e sua neta
Rita Maria. A própria Bíblia, tida como o mais sagrado e verdadeiro dos livros,
não encerrava a história da jumenta de Balaão, que adquirira voz humana e
falara fluentemente? Moisés não abrira o Mar Vermelho para que os israelitas o
atravessassem a pé enxuto, com a mesma facilidade com que se corta uma talhada
de melancia? O profeta Elias não fizera cair fogo do céu? Não havia dividido as
águas do Rio Jordão com o simples toque de sua capa? O profeta Eliseu, seu
sucessor, não multiplicara milagrosamente o azeite da viúva em cuja casa se
hospedara? O combate do pequeno
Davi contra o gigante Filisteu não poderia ser a própria Batalha de Oliveiros
com Ferrabrás, de que nos fala o livro de Carlos Magno e dos Doze Pares de
França? Se São Jorge, um santo reconhecido pela Igreja Católica, combatera um
dragão, por quê Juvenal, personagem do folheto do poeta Leandro Gomes de
Barros, não poderia ter realizado um feito similar?
Para completar esse universo místico e encantado,
eu ouvia constantemente, no alpendre da casa de meus avós, histórias de
botijas, de alma penada, de lobisomens e até de discos voadores como coisa
absolutamente real, palpável e natural. Nascidos e criados no “tempo da
lamparina”, os meninos de minha geração não dispunham de outras diversões que
não fossem as cantigas de roda, a audição de velhos contos de fadas adaptados à
linguagem sertaneja, os folhetos de cordel e o rádio de pilha. Some-se a isso,
cantorias, vaquejadas, forrobodós, leilões, reisados e novenas.
Eu gostava mesmo era de escutar a prosa dos
adultos, à sombra dos alpendres, em noites de lua cheia ou sob a luz do
candeeiro. Tudo isso era projetado pelo caleidoscópio de uma imaginação fértil
e prodigiosa, da qual sempre fui dotado. De modo que, quando me via sozinho no
meio do mato, imaginava encontrar um desses entes fabulosos descritos pelos
adultos e registrados nas páginas dos cordéis. Dentre todos, o que eu mais ansiava encontrar era o gênio da
lâmpada, das histórias de Alladim, a fim de realizar os três pedidos. O
primeiro deles, sem dúvidas, seria um passeio no tapete voador, elevando-se do
pátio da fazenda de meu avô com destino a serra dos Três Irmãos, Serra do
Peitão, Serrinha do Teixeira e Serra da Cacimba Nova. Desde a mais tenra idade
eu nutria verdadeiro encanto pelas serras, lugar de onde me parecia vir a
chuva. E, como toda criança, eu queria voar. Nessa fase da vida quantas vezes
não sonhei voando?
Complementando tudo isso, havia as histórias
mirabolantes do Chico Pavio, filho da velha Bastiana, que também possuía uma
imaginação prodigiosa. Às vezes ele fazia parte do adjunto de trabalhadores que
auxiliavam meu pai na sua lavoura. No próprio eito ele desfiava alguns causos
interessantes, que eram intercalados pela voz do Chico Cazuza, o Cazuzinha, fã
de cantorias, que sabia de memória muitas glosas atribuídas aos famosos Bentevi
Neto e Cego Aderaldo. Papai dava larga preferência ao segundo, eu gostava,
também, das lorotas do primeiro. Eis um causo contado pelo Chico Pavio: segundo
ele, os serrotes dos Três Irmãos eram três reinos encantados, erguidos em
remotas eras, por uma raça nobre e desconhecida, exuberante e rica. Mas os três
castelos foram encantados pelo poder de gênios do espaço e transformados em
três gigantescos blocos de pedra. Quando eu ia buscar água na companhia de meu
pai, na Fonte das Coronhas, que fica no sopé do primeiro serrote, ansiava
encontrar alguma princesa encantada, avistar a lendária Mãe D’água e até mesmo
o dragão que guardava a porta de entrada do Reino Encantado. Dei asas à
imaginação e descrevi tudo isso em um poema chamado “O Marco Cibernético do
Reino dos Três Monólitos”, que se encontra reproduzido integralmente neste
livro.
(...)
Há quase 300 anos os troncos familiares que deram
origem à minha raça habitam este pedaço de chão. A história desses clãs é
minunciosamente descrita no primeiro livro desta série, cujo título é “Sertão
em Desencanto – I Volume de Memórias”, obra de menor teor poético, porém
fortemente embasada em documentos, daí o seu valor como relato histórico.
Por quê “Sertão em Desencanto”? Dentre muitos
outros motivos e explicações eu diria que aquele encantamento pelo maravilhoso,
pelo heroico e pelo fantástico que acalentei na infância foi quebrado pelo rude
martelo da realidade. Foi minado pelos espinhos e dissabores que
inevitavelmente nos agridem ao longo de nossa caminhada. Mas também pela
descaracterização de nossa cultura, pelo desaparecimento de velhas tradições,
pelo aniquilamento de nossos costumes mais simples e fraternos. O sertão de
hoje em dia está muito modificado!
Por isso tomei a iniciativa de escrever estes
livros de memórias, permeados de causos, de sonhos e encantamentos, para que as
gerações futuras não percam o fio da meada e saibam que o nosso sertão nem
sempre foi assim, displicente, desleixado, alienado e ignorante de suas
matrizes culturais. Subam comigo, a bordo desse tapete voador, e retornemos ao
sertão dos tempos da lamparina, fazendo de conta que o velho candeeiro é a
lâmpada de Alladim.”
P.S. - Essa é a postagem de número 700. O blog está no ar desde maio de 2011 e já ultrapassou a marca de 1 milhão de visualizações.
P.S. - Essa é a postagem de número 700. O blog está no ar desde maio de 2011 e já ultrapassou a marca de 1 milhão de visualizações.