quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

A LIÇÃO DE PATATIVA

Patativa do Assaré - caricatura de Arievaldo Vianna

Que estrofe maravilhosa e apropriada para esse momento difícil que atravessamos... o PODER da união do povo, no poema do imortal PATATIVA DO ASSARÉ:

As formiga a defendê
Sua casa, o formiguêro,
Botando o boi pra corrê
Da sombra do juazêro,
Mostraro nessa lição
Quanto pode a união;
Neste meu poema novo
O boi zebu qué dizê
Que é os mandão do podê,

E as formiga é o povo.”

Cenário de Patativa do Assaré

Por: Marcos França

Muita gente ainda confunde poesia matuta com Literatura de Cordel. Em 2009, ano do Centenário de nascimento do poeta Patativa do Assaré, considerado o maior expoente do gênero, os admiradores do poeta precisam fazer essa distinção. Patativa, ao longo de sua vida, escreveu e publicou cerca de vinte folhetos de cordel.

Dentre os quais destacam-se: "Abílio e seu cachorro Jupi", "A morte de Arthur Pereira envenenado por sua filha Francisca Amélia", "Aladim e a lâmpada maravilhosa", "O Padre Henrique e o dragão da maldade", dentre outros, todos em linguagem correta, como é prática comum nesse gênero desde os tempos de Leandro Gomes de Barros. O grosso de sua produção, contudo, são poemas matutos, onde a linguagem procura reproduzir o modo de falar dos sertanejos de outrora, como se pode ver nesta obra a seguir:

O boi zebu e as formigas

Um boi zebu certa vez
Moiadinho de suó,
Querem saber o que ele fez
Temendo o calor do só
Entendeu de demorá
E uns minuto cuchilá
Na sombra de um juazêro
Que havia dentro da mata
E firmou as quatro pata
Em riba de um formiguêro.

Já se sabe que a formiga
Cumpre a sua obrigação,
Uma com outra não briga
Veve em perfeita união
Paciente trabaiando
Suas foia carregando
Um grande inzempro revela
Naquele seu vai e vem
E não mexe com mais ninguém
Se ninguém mexe com ela.

Por isso com a chegada
Daquele grande animá
Todas ficaro zangada,
Começou a se açanhá
E foro se reunindo
Nas pernas do boi subindo,
Constantemente a subi,
Mas tão devagá andava
Que no começo não dava
Pra de nada senti.

Mas porém como a formiga
Em todo canto se soca,
Dos casco até a barriga
Começou a frivioca
E no corpo se espaiado
O zebu foi se zangando
E os cascos no chão batia
Ma porém não miorava,
Quanto mais coice ele dava
Mais formiga aparecia.

Com essa formigaria
Tudo picando sem dó,
O lombo do boi ardia
Mais do que na luz do só
E ele zangado as patada,
Mais força incorporava,
O zebu não tava bem,
Quando ele matava cem,
Chegava mais de quinhenta.

Com a feição de guerrêra
Uma formiga animada
Gritou para as companhêra:
- Vamo minhas camarada
Acabar com os capricho
Deste ignorante bicho!
Com a nossa força comum
Defendendo o formiguêro
Nos somos muitos miêro
E este zebu é só um.

Tanta formiga chegou
Que a terra ali ficou cheia
Formiga de toda cô
Preta, amarela e vermêa
No boi zebu se espaiando
Cutucando e pinicando
Aqui e ali tinha um moio
E ele com grande fadiga
Pruquê já tinha formiga
Até por dentro dos óio.

Com o lombo todo ardendo
Daquele grande aperreio
zebu saiu correndo
Fungando e berrando feio
E as formiga inocente
Mostraro pra toda gente
Esta lição de morá
Contra a farta de respeito
Cada um tem seu direito
Até nas leis da natura.

As formiga a defendê
Sua casa, o formiguêro,
Botando o boi pra corrê
Da sombra do juazêro,
Mostraro nessa lição
Quanto pode a união;
Neste meu poema novo
O boi zebu qué dizê
Que é os mandão do podê,
E as formiga é o povo.


Do livro Ispinho e Fulô – Patativa do Assaré

Fonte: www.culturanordestina.blogspot.com.br

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