TARANTELA E MACARRÃO
EM SÃO JOSÉ DOS CACETES
EM SÃO JOSÉ DOS CACETES
Eu fiz muitas travessuras
No meu tempo de menino
Já roubei cuia de cego
Já cortei corda de sino
Só nunca fui pederasta
Mas passei tirando um fino.
(O poeta gozador – Oliveira de Panelas)
Cheguei para
morar em Canindé-CE com 12 anos de idade, em fevereiro de 1980 e ali permaneci
ininterruptamente por mais 12, até 1992, quando mudei-me para capital em busca
de trabalho. Naquele tempo todo mundo curtia a música brega que tocava nos
botequins e barracas do rio Canindé durante os festejos de São Francisco. A
grande novidade era o maranhense Raimundo
Soldado & Grupo de Ouro, com um disco que parecia ter sido gravado
dentro de uma cumbuca (seria Cumbuca
Records, o nome do estúdio?), onde pontificava o mega-sucesso Não tem jeito que dê jeito. Dez entre
dez romeiros do Piauí e Maranhão pediam essa música quando chegavam num desses
estabelecimentos. Trabalhando como camelô eu freqüentava esses locais e me
familiarizava com essas músicas. A penúltima faixa do disco (uma das menos
conhecidas) era uma música de ‘protesto’ intitulada Vamos economizar, onde o autor criticava a inflação, a violência no
trânsito etc. Eu fiz uma paródia da mesma com o título de Desse jeito assim não dá recheada de versos ingênuos, mas que já
continham métrica, rima e alguma visão social. Essa ‘pérola’ foi inscrita num
show de calouros promovido pelo colégio em parceria com o comércio local,
dentre os quais o ex-prefeito Antônio Monteiro dos Santos. Eis a minha paródia
da música de Raimundo Soldado:
Eu
não gosto de ver rico
Com o bolso cheio de grana
E dinheiro pra gastar
Enquanto o pobre com fome
No trabalho se consome
Desse jeito assim não dá...
(Refrão: ai, ai, desse jeito assim não dá / ai,
ai, desse jeito assim não dá)
Porém tem outro que falha
Com a sua obrigação
Praticando a malandragem
Vivendo de agiotagem
Promovendo a inflação.
O político brasileiro
Fica esperto e bem matreiro
Quando é tempo de eleição
Levando o povo no bico
Só pensando em ficar rico
E lascando com a nação.
(...)
Tinha outras estrofes que não recordo. Ora, quando
fui apresentar a tal paródia, devidamente acompanhado pelos músicos Chico
Dentão e Filomeno Pereira, num palco improvisado no pátio do colégio Frei
Policarpo, eu tremia de nervoso. Acho que era a primeira vez que eu pegava num
microfone e depois de cantar a primeira estrofe, esqueci alguns versos da
segunda e só então me dei conta que havia perdido a ‘cola’ onde havia anotado a
letra da música. Senti-me tal e qual o Charlie Chaplin, cantando aquela famosa
tarantela em Tempos Modernos. Foi aí que um dos violonistas teve uma idéia
‘salvadora’.
- Você sabe outra música?
Lembrei-me do grande sucesso do momento nas
barracas do Rio Canindé, o coco “Briga em São José dos Cacetes”, da dupla
Cachimbinho e Geraldo Mouzinho, e já fui logo enfiando o danado, sem esperar
que os músicos fizessem pelo menos uma introdução. Chico Dentão ria, fazendo
uma espécie de percussão no tampo do instrumento, enquanto eu desfiava os
versos da dupla:
No sítio do Periquito
Eu fui nascido e criado
No São José dos Cacetes
Onde
eu fui batizado;
Fui a primeira festa
Perto de Pau Enfincado.
No São José dos Cacetes
Lá ninguém se ‘afragela’
Lá o povo briga tanto
No beiço de uma panela
Nem tampouco fura o fundo
Nem ofende as beiras dela!
(...)
O Sr. Antônio Monteiro fazia sinais de incentivo,
de lá da platéia. Mal terminou a apresentação, levantou-se aplaudindo. A nota
máxima era cinco, mas ele foi logo dizendo:
- Dez! Dez para o São José dos Cacetes!!!
E eu, todo empolgado, pensei cá comigo: Ganhei o
premio. Se não me engano era uma roupa patrocinada pela Casa Campos.
Que nada, o jurado seguinte, uma professora
moralista e puritana foi logo protestando:
- Isso não é musica pra se cantar em colégio, principalmente
cantada por uma criança, Minha nota é zero!
Foi uma ducha de água fria nas minhas pretensões
de intérprete do cancioneiro popular nordestino. As notas seguintes também
foram baixas, influenciadas, talvez, pelo discurso moralista da tal professora.
Resultado: ganhei, como premio de consolação, um fardo de macarrão da marca
Veneza, fabricado pioneiramente em Canindé pelo saudoso Antonio Monteiro dos
Santos.