sexta-feira, 8 de novembro de 2013

TARANTELA E MACARRÃO



TARANTELA E MACARRÃO 

EM SÃO JOSÉ DOS CACETES


Eu fiz muitas travessuras
No meu tempo de menino
Já roubei cuia de cego
Já cortei corda de sino
Só nunca fui pederasta
Mas passei tirando um fino.
(O poeta gozador – Oliveira de Panelas)

Cheguei para morar em Canindé-CE com 12 anos de idade, em fevereiro de 1980 e ali permaneci ininterruptamente por mais 12, até 1992, quando mudei-me para capital em busca de trabalho. Naquele tempo todo mundo curtia a música brega que tocava nos botequins e barracas do rio Canindé durante os festejos de São Francisco. A grande novidade era o maranhense Raimundo Soldado & Grupo de Ouro, com um disco que parecia ter sido gravado dentro de uma cumbuca (seria Cumbuca Records, o nome do estúdio?), onde pontificava o mega-sucesso Não tem jeito que dê jeito. Dez entre dez romeiros do Piauí e Maranhão pediam essa música quando chegavam num desses estabelecimentos. Trabalhando como camelô eu freqüentava esses locais e me familiarizava com essas músicas. A penúltima faixa do disco (uma das menos conhecidas) era uma música de ‘protesto’ intitulada Vamos economizar, onde o autor criticava a inflação, a violência no trânsito etc. Eu fiz uma paródia da mesma com o título de Desse jeito assim não dá recheada de versos ingênuos, mas que já continham métrica, rima e alguma visão social. Essa ‘pérola’ foi inscrita num show de calouros promovido pelo colégio em parceria com o comércio local, dentre os quais o ex-prefeito Antônio Monteiro dos Santos. Eis a minha paródia da música de Raimundo Soldado:

Eu não gosto de ver rico
Com o bolso cheio de grana
E dinheiro pra gastar
Enquanto o pobre com fome
No trabalho se consome
Desse jeito assim não dá...

(Refrão: ai, ai, desse jeito assim não dá / ai, ai, desse jeito assim não dá)

Tem rico que até trabalha
Porém tem outro que falha
Com a sua obrigação
Praticando a malandragem
Vivendo de agiotagem
Promovendo a inflação.

O político brasileiro
Fica esperto e bem matreiro
Quando é tempo de eleição
Levando o povo no bico
Só pensando em ficar rico
E lascando com a nação.

(...)


Tinha outras estrofes que não recordo. Ora, quando fui apresentar a tal paródia, devidamente acompanhado pelos músicos Chico Dentão e Filomeno Pereira, num palco improvisado no pátio do colégio Frei Policarpo, eu tremia de nervoso. Acho que era a primeira vez que eu pegava num microfone e depois de cantar a primeira estrofe, esqueci alguns versos da segunda e só então me dei conta que havia perdido a ‘cola’ onde havia anotado a letra da música. Senti-me tal e qual o Charlie Chaplin, cantando aquela famosa tarantela em Tempos Modernos. Foi aí que um dos violonistas teve uma idéia ‘salvadora’.

- Você sabe outra música?

Lembrei-me do grande sucesso do momento nas barracas do Rio Canindé, o coco “Briga em São José dos Cacetes”, da dupla Cachimbinho e Geraldo Mouzinho, e já fui logo enfiando o danado, sem esperar que os músicos fizessem pelo menos uma introdução. Chico Dentão ria, fazendo uma espécie de percussão no tampo do instrumento, enquanto eu desfiava os versos da dupla:

No sítio do Periquito
Eu fui nascido e criado
No São José dos Cacetes
Onde eu fui batizado;
Fui a primeira festa
Perto de Pau Enfincado.

No São José dos Cacetes
Lá ninguém se ‘afragela’
Lá o povo briga tanto
No beiço de uma panela
Nem tampouco fura o fundo
Nem ofende as beiras dela!

(...)



O Sr. Antônio Monteiro fazia sinais de incentivo, de lá da platéia. Mal terminou a apresentação, levantou-se aplaudindo. A nota máxima era cinco, mas ele foi logo dizendo:

- Dez! Dez para o São José dos Cacetes!!!

E eu, todo empolgado, pensei cá comigo: Ganhei o premio. Se não me engano era uma roupa patrocinada pela Casa Campos.

Que nada, o jurado seguinte, uma professora moralista e puritana foi logo protestando:

- Isso não é musica pra se cantar em colégio, principalmente cantada por uma criança, Minha nota é zero!


Foi uma ducha de água fria nas minhas pretensões de intérprete do cancioneiro popular nordestino. As notas seguintes também foram baixas, influenciadas, talvez, pelo discurso moralista da tal professora. Resultado: ganhei, como premio de consolação, um fardo de macarrão da marca Veneza, fabricado pioneiramente em Canindé pelo saudoso Antonio Monteiro dos Santos.

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