ANIVERSÁRIO DE NASCIMENTO
DE MESTRE AZULÃO
Xilogravura de ERIVALDO
Mestre Azulão visitando a minha
residência.
Se
alguém falar no poeta José João dos Santos, cordelista e editor, alguns,
certamente, o confundirão com João José da Silva, criador da Luzeiro do Norte,
uma das principais editoras de cordel nas décadas de 1950-60. Porém se
acrescentar, logo após o nome de batismo, o apelido que o celebrizou, aí não
restará mais dúvidas. José João dos Santos é ninguém menos que o Mestre Azulão,
paraibano da cidade de Sapé, onde nasceu aos 8 de janeiro de 1932, filho de João Joaquim dos Santos e de
Severina Ana dos Santos.
Figura
notável no universo do cordel, Azulão migrou muito jovem para o Rio de Janeiro,
onde fez dupla com outros cantadores de fama, dentre os quais o famoso
Palmeirinha. Ambos foram projetados através do quadro Onde está o poeta?, num
programa de rádio apresentado pelo famoso Almirante.
Para
a campanha de defesa do folclore brasileiro, Azulão gravou o disco Literatura
de cordel, em 1975, onde interpreta de forma brilhante o poema ‘O marco
brasileiro’, de Leandro Gomes de Barros, inserindo uma belíssima introdução ao
som da viola, que seria reaproveitada posteriormente por Lenine, na gravação de
‘O Marco Marciano’, composição sua e de Bráulio Tavares, inclusa no CD ‘O dia
em que faremos contato’ (BMG).
Lembro-me
de havê-lo conhecido pessoalmente em dezembro de 2000, por ocasião de minha
posse na ABLC – Academia Brasileira de Literatura de Cordel, em sessão
realizada na Federação das Academias de Letras da América Latina, no Rio de
Janeiro. Bem antes disse eu já havia travado contato com a sua obra e tinha alguns
de seus folhetos na minha coleção particular, dentre os quais ‘Peleja de Mestre
Azulão com Zé Limeira’, exemplar que pertenceu ao saudoso Jocelyn Brasil, um
dos heróis da campanha “O petróleo é nosso”, ocorrida ainda na Era Vargas.
Em
outubro de 2012, o jovem diretor Fernando Assunção realizou uma série de
documentários em vídeo com os acadêmicos da ABLC. Fui um dos entrevistados e,
no dia seguinte, a convite de Chico Salles e do próprio Fernando, fui assistir
à entrevista de Mestre Azulão na Barraca da Chiquita, na Feira de São
Cristóvão. Em dado momento da entrevista, perguntei se Mestre Azulão havia
conhecido o poeta Rafael de Carvalho, famoso ator paraibano, que utilizava a
poesia popular como um de seus instrumentos de trabalho.
Gravando o cordel O BATIZADO DO GATO
Azulão
começou relembrando o famoso Comício da Central do Brasil, ou Comício das
Reformas, (realizado no dia 13 de março de 1964, na cidade do Rio de Janeiro,
na Praça da República, situada em frente à estação da Central do Brasil). Segundo
o poeta, uma multidão incalculável ali se reuniu, sob a proteção de tropas do I
Exército, unidades da Marinha e Polícia, para ouvir a palavra do Presidente da
República, João Goulart, e do governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola.
As bandeiras vermelhas que pediam a legalização do Partido Comunista Brasileiro
e as faixas que exigiam a reforma agrária foram vistas pela televisão, causando
arrepios nos meios conservadores.
O
desfecho desse episódio, todos já conhecem, o comício histórico da Central do
Brasil desencadeou o golpe militar e instauração da ditadura que perdurou por
duas longas décadas. Pois bem, naquela época Azulão já havia travado amizade
com Rafael de Carvalho e, a pedido deste, escreveu um folheto sobre o Comício
da Central, em linguagem progressista e simpática à causa comunista. Foram
impressos 10 mil exemplares, segundo relatou Azulão, e as vendas iam de vento
em popa, quando o Golpe Militar foi deflagrado. Os militantes mais ativos
começaram a ser perseguidos e um certo dia, eis que o poeta Rafael de Carvalho
aparece em sua casa, em Engenheiro Pedreira-Japeri, na Baixada Fluminense,
pedindo abrigo por alguns dias, pois estava na mira da repressão. Azulão
abrigou o amigo, porém com muito receio, e certa noite, levantou-se de madrugada
e fez um buraco no quintal, onde enterrou um pacote contendo todo restante da
tiragem do referido folheto. Segundo ele, só foi desenterrar o pacote muitos
anos depois da restauração da democracia, e não encontrou mais nada que se
aproveitasse, apenas uma massa disforme destruída pela ação do tempo.
No palco da Praça do Cordel, Bienal do Livro do Ceará
GLOSADOR E GOZADOR
Mestre
Azulão foi uma das grandes atrações do I Festival Internacional de Trovadores e
Repentistas, promovido por Rosemberg Cariri nas cidades de Quixadá e
Quixeramobim, no período de 29 de outubro a 2 de novembro de 2004. Esse evento
teve a participação de muitos poetas, xilogravadores e também compositores do
porte de Elomar, Xangai, Ednardo e Renato Teixeira, dentre outros. Um repórter
de uma emissora local, ao deparar com aquele velhote baixinho, de chapéu e
óculos fundo-de-garrafa, o interpelou para uma entrevista, pensando tratar-se
de Patativa do Assaré, à época já falecido. Azulão, um gozador de marca, deixou
a coisa fluir e só esclareceu a verdade nos momentos finais da entrevista,
deixando o pobre radialista meio apalermado. É nisso que dá, fazer entrevistas
sem se inteirar previamente a respeito do entrevistado.
Zé Maria, Azulão, Arievaldo e Geraldo Amâncio
Depois
dessa aventura em Quixadá, Azulão tornou-se “figurinha carimbada” na Bienal do
Livro do Ceará, sempre convidado como atração da “Praça do Cordel”, espaço
coordenado pelo artista multimídia Klévisson Viana. Além de resgatar as antigas
toadas do cordel, na reprodução de clássicos como ‘A chegada de Lampião no
Inferno’ e ‘Romance do Pavão Misterioso’, cuja toada aprendera com o próprio
José Camelo de Melo, Azulão também declamava trabalhos de sua autoria e fazia
versos de improviso, de acordo com os temas fornecidos pela plateia. Numa de
suas passagens por Fortaleza, levamos o poeta até o estúdio Pro-áudio, do amigo
Marcílio Mendonça, onde ele gravou diversas faixas, inclusive uma participação
especial no CD do projeto Acorda Cordel, o poema ‘O batizado do gato’, de minha
autoria.
Até
mesmo quando interrogado a respeito da sua terra natal, Azulão não deixava de
lado a sua verve humorística e relembrava um episódio que lhe contavam na infância,
de uma vaca que teria comido um papagaio num ano de seca crucial:
Na
terra de Azulão
Não
chove no mês de maio
O
povo de lá só vive
De
fazer cesto e balaio
É a terra aonde a vaca
Engoliu
um papagaio.
Na
sua opinião, a vaca confundira o verde papagaio com uma moita de capim. Na
última vez que o entrevistei, durante a Bienal Internacional do Livro do Ceará de 2014,
recolhi, dentre outras, essas duas estrofes, a primeira criticando o fanatismo
religioso de algumas pessoas e a outra uma sátira à descida da Missão Apolo 11
na lua:
Tem
muita gente fanática
Por
jogo e religião
Ídolo
de televisão
E
todo tipo de prática...
Feitiçaria
asiática
Presta
adoração a bruxa;
Lambe
os pés, batina, e puxa,
Saco
do Papa de Roma
E,
se lhe der, ainda toma,
UM
CHÁ DE XIXI DA XUXA!
Foi
na viagem primeira
Da
Missão Apolo Onze
Uma
plaqueta de bronze
Um
mastro e uma bandeira
Eles
viram uma clareira
Lá
na lua prateada
Depois
da nave pousada
Foram
saber o que era
Só
acharam na cratera
Prego,
martelo e mais nada!
ATENÇÃO!
Este ensaio será publicado integralmente no livro "NO TEMPO DA
LAMPARINA", de Arievaldo Vianna, que será lançado em breve. AGUARDEM!
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