quinta-feira, 19 de maio de 2011

QUANDO OS BICHOS FALAVAM...

A BICHARIA

Luiz Dantas e Leonardo Mota

QUEM É  O AUTOR DE "A BICHARIA"?

Quem será mesmo o autor do célebre poema "A BICHARIA", recolhido por Leonardo Mota e publicado por Luiz Dantas Quezado em seu livro "Glosas Sertanejas", e pelo próprio Leota em seu "Cantadores", de 1921?
Leandro Gomes de Barros? João Martins de Athayde? Luiz Dantas Quezado?
Leia esse texto a seguir e tire suas conclusões...

LUIZ DANTAS QUEZADO

 

Em 1923, quando se preparava para lançar o seu Cantadores, Leonardo Mota recebeu em sua casa a visita do poeta Luiz Dantas Quezado (nascido em 1850  em São João do Rio do Peixe-PB - hoje Antenor Navarro), que vivia no Cariri cearense desde a juventude. O velho poeta encontrava-se em Fortaleza acompanhando a publicação do seu opúsculo Glosas Sertanejas, do qual obtivemos uma cópia fac-similar da 4ª edição “correcta e muito augmentada pelo auctor”, impressa na Tipografia Commercial  em 1925. Na oportunidade, Luiz Dantas  apresentou à Leota o poema A bicharia, que figura na primeira edição de Cantadores, publicado pela Livraria Castilho, do Rio de Janeiro, em 1921. O tema é antigo... Existe uma versão parecida escrita por Leandro Gomes de Barros (talvez anterior à de Luiz Dantas Quezado), também atribuída ao poeta-empresário João Martins de Athayde. Trata-se de um folheto de 8 páginas. Como os poetas antigos gostavam de reaproveitar temas da oralidade (caso de O valente Vilela, Soldado Jogador etc) é possível que “A bicharia” tenha raízes bem antigas. O tema inspirou o compositor Zé Dantas (Siri jogando bola, gravação de Luiz Gonzaga) e, mais recentemente, o cantor e multi-instrumentista pernambucano Antônio Nóbrega (Coco da Bicharada, incluído no CD O marco do meio-dia). Excelente para ser lido e trabalhado nas escolas, apresentamos aqui a versão de Luiz Dantas:

 

A BICHARIA

Autor: Luiz Dantas Quezado


Vi um Tiú escrevendo,

Um Camaleão cantando,

Uma Raposa bordando,

Uma Ticaca tecendo,

Um Macaco velho lendo,

Cururu batendo telhas

Um bando de Rãs vermelhas

Trabalhando n’um tissume

Vi um Tatu n’um curtume

Curtindo couro de Abelhas.


Vi um Coati marceneiro,

Vi um Furão lavrador,

Vi um Porco agricultor,

E um Timbu velho ferreiro;

Um Veado sapateiro,

Caitetu tocando “buzo”,

Punaré fazendo fuso,

Aranha tirando empate,

Vi um besouro alfaitate

Cortando roupa de uso!


Vi um peba fogueteiro

Soltando fogos no ar,

Vi Papa-vento mandar

À rua trocar dinheiro;

Carrapato redoleiro

Comendo farofa pura,

Um bando de Tanajuras

Empregado num café;

Vi um percevejo em pé

Com um grajau de rapaduras!


Vi um peixe de chocalho,

Formigão de granadeira,

Vi um camarão na feira

Comprando queijo de coalho,

Vi Calango num trabalho

Melado em mel de furo;

Seis víboras dentro do muro

Conversando em Monarquia,

Imbuá na freguesia

Tomando dinheiro a juro!


Vi mosca batendo sola,

Mucuim tocando flauta,

Caranguejo de gravata

E cabra jogando bola;

Vi pulga tocar viola,

Tamanduá engenheiro,

Guariba tocar pandeiro,

Vi um mosquito tossindo

Uma formiga parindo,

Procotó era o parteiro!


Vi um morcego oculista,

Cachorro vendendo cana

Jaboti de russiana

E um gafanhoto dentista;

Urubu telegrafista

Um gato tabelião,

Carneiro na Relação,

O Bode n’um escritório

Cassote de suspensório

Eu vi fazendo um sermão!


In Glosas Sertanejas, de Luiz Dantas Quezado, 4ª edição “correcta e muito augmentada pelo auctor”, Typ. Commercial – Fortaleza-CE; 1925. O referido poema figura também na primeira edição de Cantadores, de Leonardo Mota, publicado pela Livraria Castilho, do Rio de Janeiro, em 1921


Capa da 4ª edição de "Glosas Sertanejas"


OS BICHOS QUE FALAVAM ou

O QUE VI, NO TEMPO QUE OS BICHOS FALAVAM

Autor: LEANDRO GOMES DE BARROS *




(* Conforme Átila de Almeida/José Alves Sobrinho e Sebastião Nunes Batista, Antologia da Literatura de Cordel – Fundação José Augusto, Natal-RN, 1977)

 

(TRECHOS)


Vi um Teju escrevendo

Um Camaleão cantando,

Uma Raposa bordando

Uma Ticaca tecendo

Um Burro com um livro lendo,

Um Sapo fazendo telha

Vi mais uma Rã vermelha

Trabalhando num teçume

Vi um Tatu no cortume

Curtindo couro de abelha.


Vi um lacrau enfermeiro

Urubu feito marchante,

Vi um Siri despachante

Vi um Pavão sapateiro

Um Timbu velho ferreiro

Vi uma Pulga tocando,

Uma  Preguiça dançando,

Um Guará fazendo covos

Dois Grilos batendo ovos,

E um Jaboti cozinhando.


Vi um mosquito valente

Promotor e advogado,

Com um pelotão formado

De batalhão “Tiradente”

A Muriçoca na frente

Dizendo à Cabra: - Não pode!

Depois amarrou o Bode

Que estava no campo nu,

Mandou prender o Muçu

Por ter raspado o bigode.


Vi Lesma remar canoa,

Peru mestrando um navio,

Sulcando as águas de um rio

Saltando de pôpa à proa.

No saltar de uma camboa

Quando viu, ficou cismado,

No fundo de um valado

Um caranguejo ainda moço

Com a corda no pescoço

Tinha morrido enforcado.


Vi Mosca batendo sola

Vi Pium fazendo lata,

Vi Goiamum de gravata

E a Cabra jogando bola

Coelho tocando viola,

Catita soprando um “buzo”

Jibóia fazendo um fuso

Cotia num desempate

Vi um Besouro alfaiate

Cortando roupa de uso.


Vi um Cachorro copeiro

Vi Saúva agricultora

Vi Cascavel professora

Vi Gafanhoto caixeiro,

Vi Mucurana barbeiro,

Vi Urso vendendo trapo,

Lagarta deu um sopapo

Chamando tudo canalha

Vi Imbuá de navalha

Fazendo a barba d’um sapo.


Vi um Rato fogueteiro

De sócio mais um Jaguar,

Vi Papa-vento mandar

Na rua trocar dinheiro

Carrapato redoleiro

Contando muita bravura

Vi mais uma tanajura

Trabalhando num roçado

Percevejo namorado

Discutindo a formosura.


(...)



 

Antônio Nóbrega


O COCO DA BICHARADA

Recriação de cantiga e versalhada popular por

Antônio Nóbrega e Wilson Freire


Vou contar, que eu conheço

E você nem acredita:

Uma cidade esquisita

Onde tudo é pelo avesso.

Se quiser dou o endereço

Para visita-la um dia,

Gente lá não tem valia,

Como bicho é tratada

Lá o homem não é nada

Só quem manda é a bicharada.


Avôa, meu Caboré,

Peneira, meu Gavião,

Palmatória quebra dedo,

Palmatória faz vergão.

Quebra tudo, quebra pedra,

Só não quebra opinião.


Vi mosca de camisola,

Vi cavalo num debate,

Vi uma traça alfaiate

Guaxinim tocar viola,

Um siri jogando bola.

Vi um pica-pau ferreiro,

Um veado arruaceiro,

Vi um mosquito tossindo,

Vi uma gata parindo

E o cachorro era o parteiro.


Vi um peixe de chocalho,

Uma perua discreta,

Jabuti que era atleta

Mais veloz que um atalho,

Calango jogar baralho,

Formiga tapando furo,

A lagartixa no muro

Dando uma de alpinista,

E um preá capitalista

Emprestar dinheiro a juro.


Avôa, meu Caboré,

Peneira, meu Gavião,

Palmatória quebra dedo,

Palmatória faz vergão.

Quebra tudo, quebra pedra,

Só não quebra opinião.


Vi um jumento escrevendo

Vi preguiça trabalhando,

Vi a besta reclamando.

Eu vi um morcego lendo,

Caranguejeira tecendo,

Porca em água-de-cheiro,

Vi um cururu faceiro,

Coruja no oculista,

Vi tatu ser maquinista

Lá no metrô de Pinheiros.


Vi a pulga se coçando,

Avestruz tirar encosto,

Vi barata ter bom gosto,

Um bode se barbeando

Um gambá se perfumando,

Seriema ser modelo.

Vi minhoca de cabelo,

Vi cobra de suspensório

Macaco no escritório

Organizar desmantelo.


Avôa, meu Caboré,

Peneira, meu Gavião,

Palmatória quebra dedo,

Palmatória faz vergão.

Quebra tudo, quebra pedra,

Só não quebra opinião.


Vi onça vegetariana

Piolho coçar cabeça,

Vi um burro prestar queixa,

Leão comendo banana.

Vi uma zebra de pijama,

Eu vi um peba engenheiro,

Guariba tocar pandeiro,

Tanajura usando tanga,

Vi o cão chupando manga

Batendo bombo em terreiro.



Texto/Pesquisa: ARIEVALDO VIANA

OBRIGADO PELA VISITA!
AGORA É SÓ COMENTAR...






9 comentários:

  1. Esse trabalho do mestre Luiz Dantas Quezado constitui uma obra-prima da Literatura de Cordel. É uma ocorrência de rara inspiração esse tipo de criação imaginativa, dentro de uma perpectiva suprarrealista. A personificação de animais já foi um dos filões mais atraentes da literatura popular, na prosa, na poesia e mesmo na música, a exemplo da composição “Siri Jogando Bola”, do Luiz Gonzaga. A maneira de visualizar situações excêntricas tem sido também muito bem aproveitada pelos mestres da Literatura Universal. Em seu romance “Memórias Póstumas de Braz Cubas”, Machado Diassis descreve o delírio de seu personagem no momento da morte, que chegou a ponto se ver “transformado na Suma Teológica de S. Tomás de Aquino”. Já em seu conto “ O Aleph”, o escritor argentino Jorge Luis Borges narra as visões incríveis de seu pergonagem: “Vi o mar populoso, vi a madrugada e a noite, vi as multidões da América, vi uma teia de aranha prateada no centro de uma pirâmide negra, vi um labirinto quebrado (era Londres), vi os olhos intermináveis fixos em mim, imediatos, como num espelho, vi todos os espelhos do planeta e nenhum refletia minha imagem...”. Como se observa, os poetas têm um link mágico de ideias em sua imaginação febril. Na literatura, a distância entre erudito e popular é um fio muito tênue.
    Parabéns ao cordelista Arievaldo pelo desbloqueio de tanta coisa rara e importante que ele vem publicando em seu blog.

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  2. Maravilhoso esse 'link' criado pelo poeta Pedro Paulo entre a poesia popular e autores consagrados da literatura universal, como os geniais Machado de Assis (ou Diassis), Jorge Luis Borges e o teólogo cristão S. Thomás de Aquino. Na verdade, o fio que separa o "popular" do "erudito" é muito tênue, invisível, indecifrável... Melhor mesmo é a definição de Ariano Suassuna: segundo ele, não existe cultura "erudita" ou cultura "popular". O que existe mesmo é CULTURA (boa ou ruim, em ambas as esferas).
    Gostaria que outros experts no assunto, como os poetas Marco Haurelio, Marcos Mairton e Rouxinol do Rinaré também manifestassem a sua opinião nesse espaço.

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  3. Meu caro Ari,
    chamaste pelo meu nome, cá estou eu.
    Acho interessante você levantar essa questão do paralelo entre o "popular" e o "erudito". Tenho pensado muito sobre isso e sempre encontro dificuldade para diferenciar uma cultura da outra, se é que dá mesmo para fazer isso.
    Se popular for aquilo que está mais perto do povo, ou um tipo de manifestação que surge do povo, ou que as pessoas menos letradas assimilam com mais facilidade, acho que um tipo de manifestação cultural que hoje é considerada popular, amanhã pode não ser, e vice versa.
    Mas o que me incomoda mesmo é quando se usa a palavra "popular" para desqualificar, tornar menor. Talvez o cordel tenha sofrido com isso, tratado por muitos anos como uma "literatura popular".
    Só pra finalizar, é por isso que sempre me refiro ao blog "Mundo Cordel", como instrumento de difusão da cultura, e não da cultura popular.

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  4. Gostaria de mais detalhes da vida de jose alves sobrinho urgente

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    1. O poeta José Alves Sobrinho deixou uma vasta obra escrita e faleceu muito recentemente. É possível entrar em contato com familiares e adquirir parte de sua obra em Campina Grande-PB.

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  5. Pena que muitos não consegue enxergar aí uma cultura brasileira que desvia ser melhor apoiada pelos setores educacionais e outros.

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  6. O cordel está conquistando o seu espaço dia após dia e obtendo o respeito de muitos educadores em todo o Brasil. Não é a toa que o MEC, através do PNBE, vem adquirindo obras em CORDEL para as bibliotecas escolares de todo o país. Estamos também na FEIRA INFANTO JUVENIL DE LIVROS DA BOLONHA, Itália, o evento mais importante do gênero em todo o mundo.

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  7. Porque no texto *No tempo que os bichos falavam* é considerado um folheto de cordel

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