A BEBIDA ALCOÓLICA NO CORDEL
Por: Pedro Paulo Paulino
A bebida alcoólica é tema bastante presente também na Literatura de Cordel. O vício, de um modo geral, é tratado pelos poetas populares de variada forma, mas sempre dentro do ponto de vista moral. A degradação física e os contratempos provocados pelo alcoolismo dentro da sociedade são naturalmente condenados pela maior parte dos autores de cordel. Até porque, muitos desses artistas, principalmente entre os cantadores de viola, tiveram sua trajetória interrompida devido ao vício da bebida. Uma discussão acalorada e bem-humorada sobre o assunto é de autoria de José Pacheco* e está denominada apenas “Barra Mansa e Torce Bola”. Trata-se de uma dupla fictícia criada pelo poeta que foi um dos melhores cordelistas no gênero gracejo. A discussão alterna o tempo todo esses dois motes de conceitos opostos e de uma só linha: “JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS” e “BEBO ATÉ LASCAR O CANO”.
BM – Fui um dos apaixonados
No vício da bebedeira
Muitas vezes na poeira
Dormi de pés espalhados
Dando milhões de cuidados
Aos que me eram leais
Pelas calçadas e cais
Exposto à chuva e ao vento
Por isso digo e sustento
JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS
TB – Tenhas a capacidade
De conheceres também
Que a tal bebida já vem
Da alta sociedade
Dizem que até o frade
Bebe que fica cabano
Se isto não for engano
De alguém que fala dele
Eu vou me juntar com ele
BEBO ATÉ LASCAR O CANO
BM – É uma propensão feia
Injuriosa e horrenda
Um homem beber na venda
Cair na calçada alheia
Ou marchar para a cadeia
Na mão dos policiais
Gritam os meninos atrás:
- Segura, Chico, não caia!...
Eu que não gosto de vaia
JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS
TB – Até numa sentinela
Bebe-se ali tudo junto
Para vestir-se o defunto
E não pegar a mazela
As mulheres bebem dela
Também pra não causar dano
Depois que cosem o pano
Todos bebem da branquiha
No rezar da ladainha
BEBO ATÉ LASCAR O CANO
BM – Vive um homem acreditado
Honesto e de confiança
Farto de perseverança
Por demais conceituado
Mas chega-lhe o triste fado
Com tentações infernais
Deixa sem crença e sem paz
Sem honradez, sem pudor
Deus me livre desse horror!
JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS
TB – Em qualquer reunião
De passa-tempo na vida
Pode faltar a comida
Porém, a bebida, não
Porque dentro do salão
É só quem brilha e faz plano
Diz um ao outro: - Fulano
Traz o vidro e corre a mão
Eu fico de prontidão
BEBO ATÉ LASCAR O CANO
BM – Desde que o homem entrega
Seu corpo à embriaguez
A corrupta invalidez
Tira-lhe o senso e lhe cega
Se tem filho, arrenega
Desconhece até os pais
Aliado a seus iguais
Pratica tristes papéis
Por essas razões cruéis
JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS
TB – Uma velha reclamava
Sua idade avançada
Outra sua camarada
Pra beber lhe aconselhava
Dizendo: - Eu também estava
Já no grau do desengano
Peguei beber este ano
Já danço, pinoto e corro
Sei que tão cedo não morro
Bebo até lascar o cano
BM – Mulher que dá pra beber
Na rua faz palhaçadas
Que quem está nas calçadas
Baixa a vista pra não ver
Se for moça, perde o ser
De seus papéis virginais
Isto não é satanás
Que atiça, manda e quer?
Diz predileta mulher:
- JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS
TB – Minha sogra quis privar
Eu tomar minhas bicadas
Hoje ela toma copadas
Que depois pega a chorar
Pra ninguém desconfiar
Enxuba a boca num pano
Dá-me um palpite tirano
Quando vejo ela no chão
Eu pego no botijão
BEBO ATÉ LASCAR O CANO
BM – A mulher do cachaceiro
Costuma beber também
Alguns dos filhos que tem
Marcham no mesmo roteiro
Vezes que um filho ordeiro
Desobedece aos seus pais
Trnforma-se num voraz
Devido à embriaguês
Por isso digo outra vez
JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS
TB – Minha bisavó bebeu
Certo dia uma reimada
Quase quebrava a ossada
Da grande queda que deu
Gritou quando se estendeu:
- Com isto é que eu me dano
Rasguei meus vestes de ufano
Combinação, saia e fralda
Agora, noutra bicada
BEBO ATÉ LASCAR O CANO
BM – O homem jogue por cem
Seja ladrão com a prole
Porém, não bebendo um gole
Governa os vícios que tem
Mas esse vício é quem
Governa todos fatais
E tira o senso dos tais
Dá para fazer horrores
Digam comigo, senhores
JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS
TB – Hoje, bebe o bacharel
Quase toda a majestade
O povo da irmandade
Da contrição mais fiel
Só não bebe, no quartel
Recruta nem veterano
Porém eu chamo um paisano
Quando eu assentar praça
E mando buscar cachaça
BETO ATÉ LASCAR O CANO
BM – Passei meu tempo perdido
Mergulhado no abismo
Sustentando o fanatismo
Pela cachaça atraído
Por demais desconhecido
Nos vícios descomunais
Porém, Deus mandou-me a paz
Graças à sua mercê
Me sinto feliz porque
JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS
TB – Aguardente é otimista
De toda forma faz bem
Tira enfado de quem tem
Desperta mais, limpa a vista
Nos traz louro de conquista
Comanda qual um decano
Faz do boçal, praciano
Dá-lhe riso e dá prazer
Por isso volto a dizer
BEBO ATÉ LASCAR O CANO
BM – Vezes que um cachaceiro
Vai comprar uma encomenda
Abusa o dono da venda
Cospe a sala e o terreiro
Tagarela o dia inteiro
Com frases discordiais
Se para os tempos finais
Vir a convenção antiga
É quando talvez que diga
JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS
TB – Ninguém pode calcular
Os prodígios da aguardente
Refresca quem está quente
Faz quem tem frio esquentar
Depois que dela tomar
Esquenta o quengo do mano
Quer seja bom ou profano
Fica transformado e forte
E grita: - Ninguém se importe
BEBO ATÉ LASCAR O CANO
BM – O homem vai para feira
Traz tudo que vai comprar
Porém, é se não tomar
Bebendo, só faz asneira
Porque a tal bebedeira
Todo desmantelo faz
As encomendas que traz
Ele perde ou dá ao povo
Por isso digo de novo
JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS
TB – Eu não desprezo cachaça
Intimamente a venero
Quanto mais bebo, mais quero
Mais meu coração lhe abraça
Sem ela não tenho graça
O meu gosto é desumano
Não posso acertar um plano
Que chega a melancolia
Por isso é que todo dia
BEBO ATÉ LASCAR O CANO
*Na ANTOLOGIA DE LITERATURA DE CORDEL organizada por Ribamar Lopes e editada pelo Banco do Nordeste, lemos o seguinte: “Há controvérsia sobre o lugar de nascimento de José Pacheco. Para alguns, ele nasceu em Porto Calvo , AL; há quem afirme ter sido o autor da ‘Chegada de Lampião no inferno’ pernambucano de Correntes. A verdade é que José Pacheco, que teria nascido em 1890, faleceu em Maceió na década de 50, havendo quem informe a data de 27 de abril de 1954, como a do seu falecimento".
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