sexta-feira, 18 de novembro de 2011

CORDEL E AGUARDENTE

A BEBIDA ALCOÓLICA NO CORDEL
 

Por: Pedro Paulo Paulino

A bebida alcoólica é tema bastante presente também na Literatura de Cordel. O vício, de um modo geral, é tratado pelos poetas populares de variada forma, mas sempre dentro do ponto de vista moral. A degradação física e os contratempos provocados pelo alcoolismo dentro da sociedade são naturalmente condenados pela maior parte dos autores de cordel. Até porque, muitos desses artistas, principalmente entre os cantadores de viola, tiveram sua trajetória interrompida devido ao vício da bebida. Uma discussão acalorada e bem-humorada sobre o assunto é de autoria de José Pacheco* e está denominada apenas “Barra Mansa e Torce Bola”. Trata-se de uma dupla fictícia criada pelo poeta que foi um dos melhores cordelistas no gênero gracejo. A discussão alterna o tempo todo esses dois motes de conceitos opostos e de uma só linha: “JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS” e “BEBO ATÉ LASCAR O CANO”.



BM – Fui um dos apaixonados

No vício da bebedeira

Muitas vezes na poeira

Dormi de pés espalhados

Dando milhões de cuidados

Aos que me eram leais

Pelas calçadas e cais

Exposto à chuva e ao vento

Por isso digo e sustento

JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS



TB – Tenhas a capacidade

De conheceres também

Que a tal bebida já vem

Da alta sociedade

Dizem que até o frade

Bebe que fica cabano

Se isto não for engano

De alguém que fala dele

Eu vou me juntar com ele

BEBO ATÉ LASCAR O CANO



BM – É uma propensão feia

Injuriosa e horrenda

Um homem beber na venda

Cair na calçada alheia

Ou marchar para a cadeia

Na mão dos policiais

Gritam os meninos atrás:

- Segura, Chico, não caia!...

Eu que não gosto de vaia

JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS



TB – Até numa sentinela

Bebe-se ali tudo junto

Para vestir-se o defunto

E não pegar a mazela

As mulheres bebem dela

Também pra não causar dano

Depois que cosem o pano

Todos bebem da branquiha

No rezar da ladainha

BEBO ATÉ LASCAR O CANO



BM – Vive um homem acreditado

Honesto e de confiança

Farto de perseverança

Por demais conceituado

Mas chega-lhe o triste fado

Com tentações infernais

Deixa sem crença e sem paz

Sem honradez, sem pudor

Deus me livre desse horror!

JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS



TB – Em qualquer reunião

De passa-tempo na vida

Pode faltar a comida

Porém, a bebida, não

Porque dentro do salão

É só quem brilha e faz plano

Diz um ao outro: - Fulano

Traz o vidro e corre a mão

Eu fico de prontidão

BEBO ATÉ LASCAR O CANO



BM – Desde que o homem entrega

Seu corpo à embriaguez

A corrupta invalidez

Tira-lhe o senso e lhe cega

Se tem filho, arrenega

Desconhece até os pais

Aliado a seus iguais

Pratica tristes papéis

Por essas razões cruéis

JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS



TB – Uma velha reclamava

Sua idade avançada

Outra sua camarada

Pra beber lhe aconselhava

Dizendo: - Eu também estava

Já no grau do desengano

Peguei beber este ano

Já danço, pinoto e corro

Sei que tão cedo não morro

Bebo até lascar o cano



BM – Mulher que dá pra beber

Na rua faz palhaçadas

Que quem está nas calçadas

Baixa a vista pra não ver

Se for moça, perde o ser

De seus papéis virginais

Isto não é satanás

Que atiça, manda e quer?

Diz predileta mulher:

- JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS



TB – Minha sogra quis privar

Eu tomar minhas bicadas

Hoje ela toma copadas

Que depois pega a chorar

Pra ninguém desconfiar

Enxuba a boca num pano

Dá-me um palpite tirano

Quando vejo ela no chão

Eu pego no botijão

BEBO ATÉ LASCAR O CANO



BM – A mulher do cachaceiro

Costuma beber também

Alguns dos filhos que tem

Marcham no mesmo roteiro

Vezes que um filho ordeiro

Desobedece aos seus pais

Trnforma-se num voraz

Devido à embriaguês

Por isso digo outra vez

JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS



TB – Minha bisavó bebeu

Certo dia uma reimada

Quase quebrava a ossada

Da grande queda que deu

Gritou quando se estendeu:

- Com isto é que eu me dano

Rasguei meus vestes de ufano

Combinação, saia e fralda

Agora, noutra bicada

BEBO ATÉ LASCAR O CANO



BM – O homem jogue por cem

Seja ladrão com a prole

Porém, não bebendo um gole

Governa os vícios que tem

Mas esse vício é quem

Governa todos fatais

E tira o senso dos tais

Dá para fazer horrores

Digam comigo, senhores

JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS



TB – Hoje, bebe o bacharel

Quase toda a majestade

O povo da irmandade

Da contrição mais fiel

Só não bebe, no quartel

Recruta nem veterano

Porém eu chamo um paisano

Quando eu assentar praça

E mando buscar cachaça

BETO ATÉ LASCAR O CANO



BM – Passei meu tempo perdido

Mergulhado no abismo

Sustentando o fanatismo

Pela cachaça atraído

Por demais desconhecido

Nos vícios descomunais

Porém, Deus mandou-me a paz

Graças à sua mercê

Me sinto feliz porque

JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS



TB – Aguardente é otimista

De toda forma faz bem

Tira enfado de quem tem

Desperta mais, limpa a vista

Nos traz louro de conquista

Comanda qual um decano

Faz do boçal, praciano

Dá-lhe riso e dá prazer

Por isso volto a dizer

BEBO ATÉ LASCAR O CANO



BM – Vezes que um cachaceiro

Vai comprar uma encomenda

Abusa o dono da venda

Cospe a sala e o terreiro

Tagarela o dia inteiro

Com frases discordiais

Se para os tempos finais

Vir a convenção antiga

É quando talvez que diga

JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS



TB – Ninguém pode calcular

Os prodígios da aguardente

Refresca quem está quente

Faz quem tem frio esquentar

Depois que dela tomar

Esquenta o quengo do mano

Quer seja bom ou profano

Fica transformado e forte

E grita: - Ninguém se importe

BEBO ATÉ LASCAR O CANO



BM – O homem vai para feira

Traz tudo que vai comprar

Porém, é se não tomar

Bebendo, só faz asneira

Porque a tal bebedeira

Todo desmantelo faz

As encomendas que traz

Ele perde ou dá ao povo

Por isso digo de novo

JÁ BEBI, NÃO BEBO MAIS



TB – Eu não desprezo cachaça

Intimamente a venero

Quanto mais bebo, mais quero

Mais meu coração lhe abraça

Sem ela não tenho graça

O meu gosto é desumano

Não posso acertar um plano

Que chega a melancolia

Por isso é que todo dia

BEBO ATÉ LASCAR O CANO



*Na ANTOLOGIA DE LITERATURA DE CORDEL organizada por Ribamar Lopes e editada pelo Banco do Nordeste, lemos o seguinte: “Há controvérsia sobre o lugar de nascimento de José Pacheco. Para alguns, ele nasceu em Porto Calvo, AL; há quem afirme ter sido o autor da ‘Chegada de Lampião no inferno’ pernambucano de Correntes. A verdade é que José Pacheco, que teria nascido em 1890, faleceu em Maceió na década de 50, havendo quem informe a data de 27 de abril de 1954, como a do seu falecimento".

Nenhum comentário:

Postar um comentário