Foto: Natinho Rodrigues
Livro com poemas de Patativa do Assaré
é lançado nesta
quinta-feira (5)
na cidade natal do poeta
Por Diego Barbosa, VERSO | DN
Organizado pelo pesquisador cearense Gilmar de Carvalho, a
obra reúne mais de 50 poemas do mais celebrado poeta popular do Estado, em
comemoração ao 111º aniversário do artista
A obra "O Melhor
do Patativa do Assaré" é voltada para estudantes de escolas públicas do
Estado e terá distribuição gratuita
Patativa do Assaré (1909-2002) entrou na vida de Gilmar de
Carvalho por conta de uma artimanha do pesquisador. Fascinado pelos poemas,
quis conhecer o poeta. Fez, assim, de tudo para chegar a ele. "Quando
assessorei Paulo Linhares, na Secretaria da Cultura, em 1993, cuidei da parte
editorial. Decidimos reeditar os cordéis do Patativa, que ficariam numa caixa.
Quando ficou pronta, fui entregá-la em Assaré. Foi nosso primeiro longo
papo", conta.
A recordação vem acompanhada da bela parceria firmada logo
ali, entre papéis, matéria-prima do afeto. Patativa lhe confiou os originais de
"Aqui tem Coisa", penúltimo título do trovador, lançado no ano
seguinte.
Gilmar, por sua vez, retribuiu estreitando o laço já firmado
de bem-querer e respeito. "Decidi fazer um dia de entrevista com ele e
este dia foi 15 de fevereiro de 1996. A conversa foi publicada em livro, com o
título de 'Patativa Poeta Pássaro do Assaré', cuja segunda edição tem
apresentação de Ria Lemaire".
A partir daí, o caminho foi sem volta. Visitas mensais
conferiram mais de 500 páginas de diálogos, demarcando a força política, o
compromisso com a terra e a cumplicidade do celebrado artista - um agricultor -
com os homens e mulheres que trabalham o solo. Um mergulho profundo que, para
além de constituir a epifania da vida de Gilmar de Carvalho, naturalmente
concedeu ao pesquisador a propriedade e a expertise necessárias para continuar
a perpetuar o legado do mais importante poeta popular cearense.
É com esse intento que o livro "O Melhor do Patativa do
Assaré" vem a público hoje (5), às 20h, no memorial que leva o nome do
trovador, localizado na cidade natal dele. O lançamento integra as comemorações
do 111º aniversário de Patativa, e a obra - coedição das secretarias da Cultura
e da Educação do Estado - será distribuída para estudantes de escolas públicas
cearenses. Não estará, portanto, à venda.
A atividade é apenas uma das várias realizadas na 16ª edição
do evento capitaneado pela Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE),
"Patativa do Assaré em Arte e Cultura", como forma de homenagear o
poeta-ave. Além do momento, também acontecem, desde terça-feira (3), cortejos,
shows, seminários e mesas-redondas, tudo de forma a chancelar a potência do que
produziu Antônio Gonçalves da Silva.
Hoje, no exato dia do aniversário do cantador, ocorre também,
para além do lançamento, a solenidade de entrega da Comenda Patativa do Assaré,
que reconhece o trabalho de pesquisadores, artistas, poetas e cantores cujo ofício
promove o alcance e a valorização da cultura popular tradicional. Os
homenageados deste ano são o cineasta Rosemberg Cariry; o pesquisador e
jornalista Gilmar de Carvalho; a cordelista Josenir Lacerda; o cantor e
compositor Raimundo Fagner; e o pesquisador e escritor Oswald Barroso.
SELEÇÃO
Gilmar de Carvalho explica que falar em "o melhor do
Patativa" é redundante porque tudo o que ele fez é melhor. Não à toa, o
sentido da coletânea é exatamente preservar o pensamento do estudioso de que o
poeta - apelidado de Patativa porque suas poesias eram comparadas com a beleza
do canto da ave nativa da Chapada do Araripe - dizia não o que era melhor, mas
o que gostava mais.
"A seleção dos poemas foi feita livro por livro. Ainda
que criações migrassem de um livro para outro, temos aí um aspecto cronológico.
Também pretendemos incluir os folhetos e o fizemos. Patativa está por inteiro
nesta obra", situa.
Ainda assim, não é descartada a possibilidade de que outras
antologias possam sair desse legado. Trata-se apenas de uma questão de
oportunidade. "Se cada um dos estudiosos e pesquisadores que estão no
livro fosse convidado para organizar outros volumes, teríamos pelo menos seis outras
coletâneas. A criação dele passa por épocas, não por fases. Patativa manteve
uma coerência, uma sinceridade que impressiona", complementa Gilmar.
Uma das provas disso é que o único livro dele, mais temático,
é o que contempla os cordéis. Por sinal, não gostava muito de folhetos. Seriam
comerciais demais para serem vendidos nas feiras.
"Ele tinha consciência de que seus poemas eram
'biscoitos finos', mas nunca fez alarde de sua genialidade, nem poderia fazer,
já que ironizava os 'sábios vaidosos'".
Quanto aos estudiosos que Gilmar menciona como integrantes da
obra, são vários a desfilar pelas páginas da publicação reiterando a relevância
do poeta, tendo em vista que o conheceram e amaram-lhe. Rosemberg Cariry,
cineasta, e Oswald Barroso, pesquisador e teatrólogo; Tadeu Feitosa, do Curso
de Ciências da Informação da Universidade Federal do Ceará (UFC), cuja tese foi
sobre Patativa; Eleuda de Carvalho, jornalista; Cláudio Henrique Andrade,
sociólogo com mestrado e doutorado sobre o trovador; Ria Lemaire, professora; e
Daniel Gonçalves, neto do artista.
Junto aos poemas, cada um dos textos assinados por esses
profissionais oferece um panorama, abrindo muitas possibilidades de leituras,
conferindo ao público-alvo do livro - estudantes de escolas públicas do Estado
- um leque de oportunidades para "entrar" na obra de Patativa.
FORÇA
Gilmar de Carvalho destaca ainda que a proposta para
idealizar o material veio em 2012, quando integrou a banca de doutorado de
Eleuda de Carvalho, em Florianópolis, e visitou um centro de artesanato. Lá,
encontrou, num mostruário, vários exemplares da "Poesia", de Cruz e
Sousa, um poeta que Santa Catarina cultua.
"Folheei o livro e vi que a tiragem era de 100 mil
exemplares. A recepcionista disse que a distribuição era gratuita e que eu
poderia pegar quantos exemplares quisesse. Trouxe três. Tive a ideia de que
poderíamos fazer algo parecido com o Patativa. O tempo é cruel, corrói as
lembranças, e se não atuarmos neste sentido, a fruição da obra dele será
comprometida num futuro próximo".
Daí que Fabiano Piúba, secretário da cultura do Ceará,
"comprou" a sugestão, de acordo com o organizador, com entusiasmo.
Foi motor para que o projeto amadurecesse e estivesse, agora, pronto.
No dia do aniversário
do cantador, ocorre também a solenidade de entrega da Comenda Patativa do
Assaré - Foto: Fernando Travessoni
Para além dele, ainda haverá um paradidático que manterá o
poeta em evidência, com projeto gráfico de Adriana Oliveira, revisão de Kelsen
Bravos e fotos de Alexandre Vale e Francisco Sousa. "O livro ganhou
fragmentos da fala do Patativa a partir das entrevistas feitas por mim, e que
levam os leitores (as) diretamente à fonte, ao poeta maior".
Gigante mesmo. Na própria obra lançada agora, ficam bastante
evidentes, especialmente para os não-iniciados na poética, os muitos ritmos
trabalhados pelo artista, vitrine da magnitude expressa em versos. Diversidade
de temáticas são abordadas tendo em comum a qualidade, uma espinha dorsal que
pretende corrigir as mazelas sociais.
Gilmar, enfim, considera que cada criação assume um tom de
denúncia capaz de não perder a excelência literária. Trata-se do testemunho e
testamento de um homem que se fez poeta na própria aldeia (Serra de Santana),
longe de modismos e rejeitando as tentativas de aceitação por parte do poder.
"Como diria minha amiga e orientadora Jerusa Pires
Ferreira (falecida em 2019), vejo a produção do Patativa como um 'grande
texto'. Como se fosse um mural dos pintores mexicanos, um dazibao chinês, um
afresco medieval, um vitral de catedral europeia e uma parede de taipa de uma
casa do sertão. Faço força para não segmentá-lo. Não quero colocá-lo em
gavetas. A força de Patativa vem desta integridade e precisa ser difundida,
levada ao vento para os que não tiveram o privilégio de conhecê-lo enquanto ele
esteve entre nós".
POSSIBILIDADES
O livro, portanto, vem para consolidar que o poeta é sempre,
ainda mais nestes tempos de obscurantismo. Nesse sentido, Gilmar recorda de
alguns atos que vão ao encontro do espírito crítico do trovador.
"Ele ironizou Castelo Branco em uma quadra, também debochou
de Collor de Mello, aproximou Collor com FHC, pelo fatos de ambos serem
Fernando, e sempre elogiou Lula, a quem não chegou a ver na Presidência da
República. Creio que ele estaria indignado com o que ouviria no rádio, na tevê,
e com o que leriam para ele dos jornais. Devia estar triste pelo ponto de
indigência política ao qual o Brasil chegou".
Ao mesmo tempo, o pesquisador comemora. O livro é chance de
alavancar nome e versos muito importantes por entre corredores de escolas e da
própria vida de quem terá contato com produções tão sublimes quanto fortes.
"Nossa expectativa é que muitas outras tiragens venham
se somar a esta, dando ao livro a importância que ele precisa e merece ter. E
penso não apenas na leitura, mas em uma recepção e recodificação que passe
pelas tecnologias. Imagino poemas sendo filmados, fotografados, esquetes sendo
montadas, instalações visuais sendo desenvolvidas, músicas a partir de
Patativa, escrita de folhetos de cordel, cortes de xilogravuras com cenas dos
poemas", enumera.
Um cenário feliz, possível de abraçar nobres causas, em
conformidade com o espírito de quem espera que o novo rebento ganhe o mundo com
as cores da sabedoria do autor sempre em voo. Um tanto do poeta pássaro,
solidário aos homens e mulheres de todos os tempos.
PROGRAMAÇÃO
Entrega oficial de Títulos aos novos Mestres da Cultura
Assareenses. Dona Inês (guardiã da Cultura Ceci do Assaré), poeta Dona Lúcia
(doceira), Dona Marlene (caretas).
Horário: 14h
Local: Memorial Patativa do Assaré Centro, Assaré, Ceará
Mesa-redonda "Os Mestres da Cultura", com Alênio
Carlos Noronha Alencar, coordenador de Patrimônio Cultural e Memória da Secult
Ceará, e Vagner Gois, Secretário de Cultura de Assaré.
Horário: 15h
Missa em ação de graças pelo aniversário de 111 anos do Poeta
Patativa do Assaré.
Horário: 18h
Local: Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores Centro,
Assaré, Ceará
Entrega da Comenda Patativa do Assaré do Governo do Estado do
Ceará. Agraciados: Rosemberg Cariry (cineasta); Gilmar de Carvalho (jornalista
e pesquisador); Josenir Lacerda (cordelista); Raimundo Fagner (cantor e
compositor); Oswald Barroso (jornalista e pesquisador).
Horário: 19h
Local: Memorial Patativa do Assaré Centro, Assaré, Ceará
Lançamento do Livro "O Melhor do Patativa do
Assaré" - Secult-CE / Organização: Gilmar de Carvalho
Horário: 20h
Entrega do Título de Cidadão Assareense. Agraciados: Luis
Gastão e Fabiano Piúba.
Horário: 20h30
Local: Memorial Patativa do Assaré. Centro, Assaré, Ceará
CONHEÇA OS AGRACIADOS DA
COMENDA PATATIVA DO ASSARÉ
Rosemberg Cariry
Nascido em Farias Brito, estreou em 1986 com o documentário
de longa-metragem "O caldeirão da Santa Cruz do Deserto". Também
produziu programas culturais e documentários sobre a história e as artes do
Nordeste. Foi um dos criadores do movimento Nação Cariri e fez direção
artística de vários discos de artistas cearenses, com destaque para a coleção
Memória Viva do Povo Cearense. Ainda exerceu o cargo de secretário de Cultura da
cidade de Crato (CE) e publicou quatro livros de poesia.
Gilmar de Carvalho
São vários os títulos que o profissional reúne. Natural de
Sobral, é bacharel em Direito e Comunicação Social pela Universidade Federal do
Ceará; mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo; e
doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Foi professor do Departamento de Comunicação Social da UFC, posto que
ocupou desde 1984. É pesquisador das tradições e culturas populares com livros
publicados.
Josenir Lacerda
Nascida no Crato, tem trabalho alicerçado na cultura popular
e publicou vários cordéis. Pioneira, é uma das fundadoras da Academia de
Cordelistas do Crato (ACC), na qual ocupa a cadeira n° 03. Em 2014, tomou posse
na Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC). É de sua expertise
versejar em rimas. Dentre suas obras mais importantes estão "O matuto e o
orelhão", "O segredo de Marina", "De volta ao
Passado", "A Fábula do Peru", "O menino que nasceu falando"
e "A danação de Julita".
Raimundo Fagner
Cearense de Orós, Fagner gravou, em 1980, o poema "Vaca
Estrela e Boi Fubá", de autoria de Patativa. Amigos, os dois
protagonizaram um dos momentos mais emocionantes de suas carreiras quando
cantaram juntos, em Assaré, nos 88 anos do maior poeta popular do Brasil. Com
projeção nacional e internacional, o cantor e compositor Fagner, cuja carreira
começou na década de 1970, teve canções gravadas por grandes nomes da MPB. Um
dos maiores sucessos é "Mucuripe", em parceria com Belchior.
Oswald Barroso
Dramaturgo, poeta, jornalista, folclorista e teatrólogo
natural de Fortaleza, considera-se um multiartista pesquisador, atuando como
uma espécie de griô: vê, ouve, sente e documenta a vida popular. Publicou
dezenas de livros, compreendendo artigos, biografias, poesias e textos para
teatro. Dentre as homenagens, o Prêmio Estado do Ceará (1985), o título de
Cidadão Honorário de Juazeiro do Norte e a Medalha Brasileira Folclorista
Emérito (2008), concedido pela Comissão Nacional de Folclore.
Serviço
Lançamento do livro "O Melhor do Patativa do
Assaré"
Nesta quinta-feira (5), às 20h, no Auditório do Memorial
Patativa do Assaré (Rua Cel. Francisco Gomes, 80, Assaré). Entrada franca.
Contato: (88) 99713-2750
O melhor do Patativa do
Assaré
Organização: Gilmar de Carvalho
Secretarias de Cultura e de Educação do Estado do Ceará
2020, 234 páginas
Distribuição gratuita
FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE
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