quarta-feira, 4 de setembro de 2019

A VISITA DA MORTE




O HOMEM QUE QUERIA ENGANAR A MORTE
Um cordel de ARIEVALDO VIANNA

Diz um antigo provérbio
Que a morte ninguém desvia
Até mesmo Salomão
Com sua sabedoria
Quis mudar o seu destino
Mas o desígnio divino
Tal coisa não consentia.

Tentar mudar o destino
Que nos traça o Soberano
Mostrou-se, através dos tempos,
O mais lamentável engano
Todo homem, quando nasce
A Morte grava-lhe a face
Com a marca do desengano.

Ceifar da face da terra
Todo e qualquer ser vivente
É esta a sua missão
Imutável, permanente,
Tentar enganar a Morte
É pelejar contra a sorte
Numa luta inconseqüente.

Manter gelo no sol quente
Sem ter refrigerador
É querer guardar dinheiro
Depois que perde o valor;
Renegar o Evangelho,
Viajar num carro velho
Depois que bate o motor.

Num pequeno vilarejo
Encravado no agreste
Residia um potentado
O mais rico do Nordeste
Fazendeiro respeitado
Dono de ouro e de gado
Sovina que só a peste.

Construiu bela mansão
Bem na rua principal
Mandou cercá-la de grades
Botou um guarda leal;
Entretanto, bem pertinho
Residia um pobrezinho
Numa miséria total.

Era um casebre de taipa
De palha e zinco coberto
Em um terreno baldio
Que antes era deserto
E o coitado ali vivia
Porque o dono consentia
Ou não sabia, decerto...

(...)



Lá na mansão do ricaço
Uma bela placa havia
Dizendo o nome da rua
“Desembargador Garcia”
O número vinha depois:
Seiscentos e vinte e dois
Na mesma placa se lia.

Era uma placa dourada
Toda em metal niquelado
Os números de outra cor
Feitos de bronze cromado;
Agora vamos saber
Que placa podia haver
No casebre do outro lado.

Num pequeno compensado
Ou talvez num papelão
O pobre havia botado
Um texto feito a carvão
“Seiscentos e vinte três”
Agora vejam vocês
O deus Destino em ação...

Certo dia o rico andava
Nas ruas da capital
Quando uma velha cigana
Revela seu mapa astral:
- Nos corredores da sorte
Eu vejo a face da morte
Numa sentença fatal.

Dizia a velha: — Estou vendo
(Pois já se aproxima o dia)
A morte andando na rua
“Desembargador Garcia”
E numa bela morada
Que tem a placa dourada
Vejo prantos de agonia.

O rico impressionado
Com os pés cravados no chão
Viu na bola de cristal
Reflexos de uma mansão
Idêntica à que residia
E a dita placa onde lia
O número com perfeição.

Viu uma mulher chegar
Montando um negro corcel
Consultando um velho livro
Cessou então o tropel
Do seu cavalo e parou
A dita placa mirou
E anotou num papel.

O rico saiu dali
Bastante impressionado
As palavras da cigana
O deixaram perturbado,
Dia e noite lamentava
Porque já se aproximava
A triste data marcada.

(...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário