DOIS POETAS PELEJANDO
SOBRE A CAPA DO TOM ZÉ
Autores: Aderaldo Luciano e Arievaldo
Vianna
O poeta Aderaldo
Luciano costuma postar no facebook capas
de discos raros e escrever comentários sobre essas obras, a influência que
exerceram sobre o seu gosto musical, sobretudo os que remetem a fatos marcantes
de sua juventude. Domingo passado ele nos surpreendeu com essa capa histórica
de TOM ZÉ, o disco TODOS OS OLHOS, lançado em 1973.
Eis a história da capa:
“Lançado em 1973, o
quarto disco de Tom Zé, Todos os Olhos, traz uma capa que até hoje desperta
polêmica. Elaborada segundo sugestão do poeta Décio Pignatari, amigo de Tom Zé,
no intuito de afrontar a censura do regime militar brasileiro, a imagem
pretende-se uma representação de um olho mediante o equilíbrio de uma bolinha
de gude no ânus de uma mulher. A ousadia da capa, uma das mais premiadas da
música brasileira, acabou passando desapercebida pelos censores.
Em 2001, quase 200
personalidades da música elegeram-na, na Folha de S.Paulo, a segunda melhor
capa da MPB de todos os tempos, ficando atrás apenas do primeiro disco do grupo
Secos & Molhados, também lançado em 1973. Em 2003, o disco foi adotado como
tema de uma reportagem especial do jornal inglês The Guardian.
A versão inicialmente
divulgada com relação à forma como teria sido produzida a capa de Todos os
Olhos seria depois desmitificada, mas não completamente inverídica. À época, o
escritor Reinaldo de Moraes trabalhava como assistente de estúdio na agência de
publicidade E=mc2, que tinha como sócio o poeta concretista Décio Pignatari,
autor da ideia da capa do disco de Tom Zé. A foto, encomendada ao estúdio,
ficou sob a responsabilidade de Reinaldo, que convidou sua namorada para
modelo.”
Foi assim que nasceu o
cordel DOIS POETAS PELEJANDO SOBRE A CAPA DO TOM ZÉ
Mostrando a
CAPA polêmica
De um LP do
Tom Zé
Faz Aderaldo
um “mundé”
Com maestria
acadêmica
Mas a rima é
epidêmica
E sempre
estimula o brio;
Um peixe do
mesmo rio
Cumprimentou
o colega
E logo
entrou na refrega
Aceitando o
desafio...
ADERALDO:
Nem todo sol
é quadrado
Nem todo céu
é lilás
Nem toda
fumaça é gás
Nem todo mau
é olhado
Nem todo
pente é dentado
Nem toda
sorte é azar
Nem todo
canto é cantar
Nem toda
faca é sabida
Nem toda
cara é lambida
Mas todo cu
quer peidar!
ARIEVALDO:
Nem toda
crença tem fé
Nem toda
pipa tem rabo
Nem todo
capeta é diabo
Nem toda
cabra diz: - BÉ!
Nem todo TOM
é TOM ZÉ
Nem toda
praia é do mar
Nem toda
prenda é do lar
Nem toda
bicha faz fila
Nem todo
olho é de bila
Para a
censura enganar.
ADERALDO
Nem todo
fechado abre
Nem todo aberto é sensível
Nem todo olvido é audível
Nem toda dente é de sabre
Nem todo aberto é sensível
Nem todo olvido é audível
Nem toda dente é de sabre
Nem toda
porta entreabre
Nem toda a verdade choca
Nem toda rancho é maloca
Nem todo olho vê tudo
Nem todo calado é mudo
Nem todo milho pipoca
Nem toda a verdade choca
Nem toda rancho é maloca
Nem todo olho vê tudo
Nem todo calado é mudo
Nem todo milho pipoca
ARIEVALDO
Nem todo
plágio é explícito
Nem toda
cópia é Xerox
Nem todo
creme é NEUTROX
Nem todo
conchavo é lícito
Nem todo
furto é ilícito
Nem todo cão
quer ladrar
Nem todo
verbo é AMAR
Nem todo
excedente é saldo
Nem todo
cego, ADERALDO
Se presta
para rimar.
ADERALDO:
Nem tudo que
sobe vinga
Nem tudo que
desce escorre
Nem todo
vivente morre
Nem todo
agreste é caatinga
Nem toda
agulha é seringa
Nem
baldaquino é altar
Nem todo
prato é manjar
Klaus Kinski
é Fitzcarraldo
Cancão é
Arievaldo
Mas todo nu
quer mostrar.
ARIEVALDO:
Nem todo
projétil é seta
Nem todo
torpedo é bala
Nem toda
onda me abala
Nem toda
obra é completa
Nem todo
artista é poeta
Nem todo
boteco é bar
Nem toca
roca é tear
Nem toda
bola é recreio
Nem todo pau
dá esteio
Nem todo
canto é lugar.
ADERALDO:
Nem todo
sino é badalo
Nem todo
Buda levita
Nem todo
mundo se agita
Nem todo
equino é cavalo
Nem todo som
é estalo
Nem toda
maré é mar
Nem todo voo
é planar
Nem todo pau
é madeira
Nem toda
venda é viseira
Nem todo
jogo é de azar.
ARIEVALDO:
Nem toda
liga dá cola
Nem toda
cola dá grude
Nem todo
poço é açude
Nem toda
esfera é uma bola
Nem todo
pinho é viola
Nem todo
pecado é feio
Nem todo
ranço é alheio
Às vezes cai
na moleira
Nem todo
sábado tem feira
Nem todo pau
dá esteio.
ADERALDO:
Nem toda mão
falta um dedo
Nem todo pé
é pé chato
Nem todo
conto é relato
Nem todo céu
tem segredo
Nem todo
grego é aedo
Nem todo sal
vai salgar
Nem toda
dança é em par
Nem todo Y é
forquilha
Nem todo zíper
é braguilha
Nem todo X
quer xaxar.
ARIEVALDO:
Nem todo A,
altaneiro
Nem todo B é
bicada
Nem todo C é
caçada
Nem todo D
derradeiro
Nem todo E
estradeiro
Nem todo F é
ferrado
Nem todo G é
do gado
Nem todo H é
humano
Nem todo I,
indiano
Nem todo J é
joiado.
ADERALDO:
Nem todo K,
Korda e Kant
Nem todo L
diz: "Lute!!"
Nem todo M é
mamute
Nem todo N é
de Nante
Nem todo O
oscilante
Nem todo P
popular
Nem todo R
rimar
Nem todo S
se solta
Nem todo T é
Travolta
Nem todo U
quer uivar.
ARIEVALDO:
Nem todo L é
lameiro
Nem todo M é
motivo
Nem todo N é
nocivo
Nem todo O é
obreiro
Nem todo P é
peixeiro
Nem todo Q é
quinado
Nem todo R é
Rasgado
Nem todo S é
saudoso
Nem todo T é
travoso
Nem todo U,
ungulado.
Nesse ponto
da peleja, os poetas descobriram o seguinte: ADERALDO esqueceu a letra “Q” e
ARIEVALDO a letra “K”, razão pela qual resolvemos postar as duas estrofes que
saíram simultaneamente.
ARIEVALDO:
Varrendo na
letra V
Por não ver
o desafio
Pegando o K
por um fio
E o W digo a
você
O Y do yê yê
yê
Bem americanizado
O Z me deixa
zerado
Na linha do
alfabeto
Poeta há de
ser completo
No alfabeto
versejado.
ADERALDO:
Pulei o Q de
Quram
Nem todo V
virulento
Nem todo X
xexelento
Nem todo W é
de Wan
Y Yves
Saint-Laurent
Nem todo Z é
Zohar
O alfabeto é
o lar
Que expulsou
o Ç
Recarrega
sua pilha
Mas me deixe
terminar!
ARIEVALDO:
Terminaste o
alfabeto
Que se usa
no Brasil
Porém se
usava o TIL
Para tê-lo
mais completo
Nosso poema
é correto
Cada qual
toque seus banjos
Peça a
beleza aos arcanjos
Defendendo a
sua parte
E pedindo
ENGENHO e ARTE
Ao mestre
AUGUSTO DOS ANJOS.
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