quinta-feira, 17 de novembro de 2016

DOIS POETAS PELEJANDO



DOIS POETAS PELEJANDO
SOBRE A CAPA DO TOM ZÉ

Autores: Aderaldo Luciano e Arievaldo Vianna

O poeta Aderaldo Luciano costuma postar no facebook capas de discos raros e escrever comentários sobre essas obras, a influência que exerceram sobre o seu gosto musical, sobretudo os que remetem a fatos marcantes de sua juventude. Domingo passado ele nos surpreendeu com essa capa histórica de TOM ZÉ, o disco TODOS OS OLHOS, lançado em 1973.
Eis a história da capa:

“Lançado em 1973, o quarto disco de Tom Zé, Todos os Olhos, traz uma capa que até hoje desperta polêmica. Elaborada segundo sugestão do poeta Décio Pignatari, amigo de Tom Zé, no intuito de afrontar a censura do regime militar brasileiro, a imagem pretende-se uma representação de um olho mediante o equilíbrio de uma bolinha de gude no ânus de uma mulher. A ousadia da capa, uma das mais premiadas da música brasileira, acabou passando desapercebida pelos censores.

Em 2001, quase 200 personalidades da música elegeram-na, na Folha de S.Paulo, a segunda melhor capa da MPB de todos os tempos, ficando atrás apenas do primeiro disco do grupo Secos & Molhados, também lançado em 1973. Em 2003, o disco foi adotado como tema de uma reportagem especial do jornal inglês The Guardian.

A versão inicialmente divulgada com relação à forma como teria sido produzida a capa de Todos os Olhos seria depois desmitificada, mas não completamente inverídica. À época, o escritor Reinaldo de Moraes trabalhava como assistente de estúdio na agência de publicidade E=mc2, que tinha como sócio o poeta concretista Décio Pignatari, autor da ideia da capa do disco de Tom Zé. A foto, encomendada ao estúdio, ficou sob a responsabilidade de Reinaldo, que convidou sua namorada para modelo.”


Foi assim que nasceu o cordel DOIS POETAS PELEJANDO SOBRE A CAPA DO TOM ZÉ

Mostrando a CAPA polêmica
De um LP do Tom Zé
Faz Aderaldo um “mundé”
Com maestria acadêmica
Mas a rima é epidêmica
E sempre estimula o brio;
Um peixe do mesmo rio
Cumprimentou o colega
E logo entrou na refrega
Aceitando o desafio...

ADERALDO:
Nem todo sol é quadrado
Nem todo céu é lilás
Nem toda fumaça é gás
Nem todo mau é olhado
Nem todo pente é dentado
Nem toda sorte é azar
Nem todo canto é cantar
Nem toda faca é sabida
Nem toda cara é lambida
Mas todo cu quer peidar!

ARIEVALDO:
Nem toda crença tem fé
Nem toda pipa tem rabo
Nem todo capeta é diabo
Nem toda cabra diz: - BÉ!
Nem todo TOM é TOM ZÉ
Nem toda praia é do mar
Nem toda prenda é do lar
Nem toda bicha faz fila
Nem todo olho é de bila
Para a censura enganar.

ADERALDO
Nem todo fechado abre
Nem todo aberto é sensível
Nem todo olvido é audível
Nem toda dente é de sabre
Nem toda porta entreabre
Nem toda a verdade choca
Nem toda rancho é maloca
Nem todo olho vê tudo
Nem todo calado é mudo
Nem todo milho pipoca

ARIEVALDO
Nem todo plágio é explícito
Nem toda cópia é Xerox
Nem todo creme é NEUTROX
Nem todo conchavo é lícito
Nem todo furto é ilícito
Nem todo cão quer ladrar
Nem todo verbo é AMAR
Nem todo excedente é saldo
Nem todo cego, ADERALDO
Se presta para rimar.

ADERALDO:
Nem tudo que sobe vinga
Nem tudo que desce escorre
Nem todo vivente morre
Nem todo agreste é caatinga
Nem toda agulha é seringa
Nem baldaquino é altar
Nem todo prato é manjar
Klaus Kinski é Fitzcarraldo
Cancão é Arievaldo
Mas todo nu quer mostrar.

ARIEVALDO:
Nem todo projétil é seta
Nem todo torpedo é bala
Nem toda onda me abala
Nem toda obra é completa
Nem todo artista é poeta
Nem todo boteco é bar
Nem toca roca é tear
Nem toda bola é recreio
Nem todo pau dá esteio
Nem todo canto é lugar.

ADERALDO:
Nem todo sino é badalo
Nem todo Buda levita
Nem todo mundo se agita
Nem todo equino é cavalo
Nem todo som é estalo
Nem toda maré é mar
Nem todo voo é planar
Nem todo pau é madeira
Nem toda venda é viseira
Nem todo jogo é de azar.

ARIEVALDO:
Nem toda liga dá cola
Nem toda cola dá grude
Nem todo poço é açude
Nem toda esfera é uma bola
Nem todo pinho é viola
Nem todo pecado é feio
Nem todo ranço é alheio
Às vezes cai na moleira
Nem todo sábado tem feira
Nem todo pau dá esteio.

ADERALDO:
Nem toda mão falta um dedo
Nem todo pé é pé chato
Nem todo conto é relato
Nem todo céu tem segredo
Nem todo grego é aedo
Nem todo sal vai salgar
Nem toda dança é em par
Nem todo Y é forquilha
Nem todo zíper é braguilha
Nem todo X quer xaxar.

ARIEVALDO:
Nem todo A, altaneiro
Nem todo B é bicada
Nem todo C é caçada
Nem todo D derradeiro
Nem todo E estradeiro
Nem todo F é ferrado
Nem todo G é do gado
Nem todo H é humano
Nem todo I, indiano
Nem todo J é joiado.

ADERALDO:
Nem todo K, Korda e Kant
Nem todo L diz: "Lute!!"
Nem todo M é mamute
Nem todo N é de Nante
Nem todo O oscilante
Nem todo P popular
Nem todo R rimar
Nem todo S se solta
Nem todo T é Travolta
Nem todo U quer uivar.

ARIEVALDO:
Nem todo L é lameiro
Nem todo M é motivo
Nem todo N é nocivo
Nem todo O é obreiro
Nem todo P é peixeiro
Nem todo Q é quinado
Nem todo R é Rasgado
Nem todo S é saudoso
Nem todo T é travoso
Nem todo U, ungulado.

Nesse ponto da peleja, os poetas descobriram o seguinte: ADERALDO esqueceu a letra “Q” e ARIEVALDO a letra “K”, razão pela qual resolvemos postar as duas estrofes que saíram simultaneamente.

ARIEVALDO:
Varrendo na letra V
Por não ver o desafio
Pegando o K por um fio
E o W digo a você
O Y do yê yê yê
Bem americanizado
O Z me deixa zerado
Na linha do alfabeto
Poeta há de ser completo
No alfabeto versejado.

ADERALDO:
Pulei o Q de Quram
Nem todo V virulento
Nem todo X xexelento
Nem todo W é de Wan
Y Yves Saint-Laurent
Nem todo Z é Zohar
O alfabeto é o lar
Que expulsou o Ç
Recarrega sua pilha
Mas me deixe terminar!

ARIEVALDO:
Terminaste o alfabeto
Que se usa no Brasil
Porém se usava o TIL
Para tê-lo mais completo
Nosso poema é correto
Cada qual toque seus banjos
Peça a beleza aos arcanjos
Defendendo a sua parte
E pedindo ENGENHO e ARTE
Ao mestre AUGUSTO DOS ANJOS.



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