quarta-feira, 30 de outubro de 2013

CABRA DESEMPENADO


JOSÉ FREIRE SOBRINHO 

O Baú da Gaiatice teve a primazia de apresentar dezenas de tipos populares de Canindé e cidades adjacentes, que ainda não haviam sido retratados por nenhum cronista. De parelha com Pedro Paulo Paulino, traçamos em prosa e versos o perfil de figuras como Broca da Silveira, Bunaco, Zé Adauto Bernardino, Muquila, Zuquinha das Campinas e o impagável Zé Freire que começaram, a partir de então, a aparecer com freqüência na obra de outros autores. Iniciamos esse trabalho nos idos de 1997 e o livro veio à lume dois anos depois, tornando-se referência no gênero. 

Quanto ao Zé Freire, um dos personagens mais interessantes do livro, temos a grata satisfação de encontrá-lo vivo e com saúde, a narrar suas peripécias e encantar seus interlocutores com a sua prosa engenhosa e divertida. Pedro Paulo Paulino, no seu blog Vila Campos Online (www.vilacamposonline.blogspot.com) continua pesquisando e publicando uma série de crônicas a respeito do Zé Freire, de quem é amigo pessoal, para deleite dos milhares de leitores que visitam aquela página na internet. Ninguém melhor do que ele conseguiu captar a graça e irreverência do curioso personagem, tampouco logrou reproduzir com tanta perfeição o seu modo de conversar e graça peculiar. Dizem que o saudoso Leota dava um verdadeiro show em suas palestras, falando desses tipos sertanejos. Eu imagino se ele tivesse tido a honra de conhecer o Zé Freire...
 
Vejamos a nova crônica que Pedro Paulo Paulino preparou após a recente visita que fez ao Zé Freire, em sua fazendola nas imediações do distrito de Esperança:


Zé Freire mora numa pequena propriedade rural nos arredores da vila que tem o auspicioso nome de Esperança. Foi ali que há mais ou menos um par de décadas ele resolveu se aboletar, trabalhar e viver. Encontrei-o pela manhã remontando a cerca de varas que o “Sereno”, seu Pégaso indomável, havia derrubado, num ímpeto próprio dos eqüinos corajosos.

Logo que me avistou, Zé Freire caminhou de onde estava e fez esta saudação: “Deus te traga em boa hora, feliz do homem que encontra outro trabalhando!” O rosto empoeirado e queimado do sol, mas conservando o vigor; bigode escuro e imponente, olhos acinzentados pelos 80 janeiros completos, mãos grossas cujas riscas são como riachos escorrendo suor, Zé Freire pareceu-me um velho bruxo em estado de abandono.

Do alto da chapada, ele abre os braços para um lado e outro e mostra o produto do seu labor diário: cerca bem cuidada, capim verde para o gado, bebedouro limpo junto à represa onde resiste um punhado dágua, mas em cuja vazante nunca faltam a batata, o jerimum, o feijão de corda e a melancia.

Ao redor, a caatinga pintada de preto toma conta do resto.

– Este verde é um pequeno oásis, comento. – Ele desconhece a palavra oásis e dá seu parecer, vitaminando bem a conversa, como é de seu bom natural:

– Isto aqui, Pedro, abaixo de Deus, é obra minha e do seu Chico, meu ajudante. Acordo primeiro que o galo e já dou de garra da luta. Desde o dia que nasci não parei de trabalhar um minuto, já sofri mais do que jumento fazendo açude.

E prossegue falando caudalosamente da sua trajetória no mundo, seja como boiadeiro, seja como curandeiro, quiromante, feitor de obra, mochador de boi, poeta e profeta, motorista de horário, e agora criador e roceiro, enfrentando pau e pedra, chuva e seca.

– Não reclamo a Deus nem ocupo Ele com pouca coisa. Conheço 23 estados do Brasil, fiz 55 filhos, perdi a conta dos netos e dos bisnetos e das carrada de mulher que apareceu na minha vida. Quando eu era novo, num só ano de bom inverno emprenhei 14 companheira, inclusive uma das sogras.

Dito isto, me convida para o café com pão de milho da hora, servido pela D. Laninha que, segundo ele, foi sua derradeira conquista, a qual lhe deu os herdeiros caçulas: o Cidrak, já engrossando o cangote, e o José Freire Sobrinho Jr., de apenas três anos. “Este último”, diz Zé Freire, “puxou noventa e nove por cento do meu sangue. Só é menino na parença, mas já tem ação de cabra macho disposto e namorador”.
 
(...)
 
Ver postagem completa aqui: www.vilacamposonline.blogspot.com

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