Aderaldo Ferreira de Araújo
(* 24 de junho de 1878 + 29 de junho de 1967)
Ilustração: Jô Oliveira
ADERALDO, O
MAIOR CANTADOR DE TODOS OS TEMPOS
Por Alberto Porfírio
No dia 30 de junho de 1967, o dia amanheceu nas ruas
de Fortaleza com os jornais trazendo a seguinte manchete:
“MORREU O CEGO ADERALDO, O MAIOR CANTADOR DE TODOS
OS TEMPOS”
Essa homenagem que tanto enaltece aquele poeta,
causou celeuma nas reuniões de cantadores de todo o Nordeste brasileiro.
Eram poucos os profissionais da viola que não se
mostraram contrários ao que, naquele dia, publicaram os jornais do Ceará em
relação ao famoso cego cantador desaparecido. Eles achavam que isso não estava
certo. Que o Cego Aderaldo não era merecedor daquela homenagem, quando existiam
um Severino Pinto e outros, como os irmãos Batista Patriota e muitos que, como
o Aderaldo, já haviam desaparecido e eram, também, estrelas de primeira grandeza.
Eu, por minha parte, não sei se com isso o povo do
Ceará fez ou não justiça para com o célebre menestrel cearense.
Também quando foi morto em Sergipe, em 1938, o
famigerado bandoleiro Virgulino Ferreira, semelhante manchete inundou toda a
imprensa brasileira. O título de maior cangaceiro de todos os tempos, não
queria dizer que o Lampião fosse invulnerável. E que nunca se tenha amofinado e
corrido para se defender dos ataques e tiroteios de policiais de vários estados
que o perseguiam.
O Cego Aderaldo eu conheci. E muito de perto. Tenho
a honra de dizer que o acompanhei nos anos de seu apogeu como cantador e poeta.
(...)
Em 1933, quando vinha da romaria que fazia
anualmente a Canindé, em Itapiúna, na Pensão da Quixabeira, encontrou-se com
Ignácio Leite, cantador potiguar que o esperava. O próprio Aderaldo depois nos
relatou:
“Encontrei um peso!... Vi-me em dificuldades ante
aquele adversário que me esperava prevenido. Mas - dizia ele – falo sem
exagero. Contei com oitenta por cento das palmas (aplausos) e saí como
vencedor, quando eu não era melhor cantador do que ele!... Por que isso?”
E continuava:
“Geralmente o bom repentista é somente isso. E, sem
que tenha boa voz e saiba fazer a entonação no instrumento que toca, o cantador
nunca poderá agradar convenientemente ao seu público ouvinte.”
O cego tinha razão em seu argumento. Conhecemos grandes
repentistas que não sabem tocar. E que usam o instrumento apenas para lhe
estimular a verve poética. E dá-se que, em meio a calorosos debates,
humilham-se diante do seu opositor pedindo-lhe para que a afine a viola.
O Cego Aderaldo quando moço, tinha uma voz forte e
agradável e ainda tocava, regularmente, todos os instrumentos mais comuns em
sua época. Aliás, a mais de duas dúzias de filhos adotivos ele ensinou a tocar
desde o violino, instrumento em que se iniciara, passando por todos os
instrumentos de cordas, até o clarinete, instrumento de sopro.
O gramofone com o seu disco, assim como o cinema,
embora mudo, ele apresentava aos matutos. Sem falar da Literatura de Cordel,
que era também vendida por ele aos sertanejos cooperando no aprendizado da
leitura. Assim era o Aderaldo, uma espécie de missionário, pelo que lhe são
merecidas todas as homenagens.
(...)
É, por exemplo, do cantador João Firmino, também cego, o seguinte
martelo que conseguimos colher em Brasília, junto a amigos e conterrâneos que
assistiram ao enterro do Cego Aderaldo no Cemitério São João Batista (no dia 30
de junho de 1967):
“Foi a forte aroeira que ruiu
A contato do gume do machado.
Foi o ferro melhor já fabricado
Que o mercado do mundo jamais viu;
Foi o trem, sem destino, que
partiu,
E ao longo da estrada deu o prego;
Como Homero, também, ele era cego
A quem todo o seu povo admirava...
Para ser o próprio Homero só faltava
Ao invés de cearense ser um grego!”
O Cego Aderaldo foi um ‘assum preto’. O destino lhe
furara os olhos para ouvi-lo cantar melhor e deleitar, por alguns tempos, os
moradores desse Nordeste moído que se alimenta de cantos, sonhos e esperanças!
(...)
In Alberto Porfírio - “Poetas Populares e Cantadores do Ceará”, editora
Horizonte, Brasília, 1978.
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