A nova série de
livros infantojuvenis da Editora Nova Alexandria traz, como títulos inaugurais,
dois clássicos da literatura de cordel brasileira: a História de Juvenal e o
Dragão, do pioneiro Leandro Gomes de Barros, e O Guarda-Floresta e o
Capitão de Ladrões, do poeta contemporâneo Rouxinol do Rinaré. Os dois
trabalhos trazem ilustrações em cores de Eduardo Azevedo.
Mais informações
abaixo:
História de Juvenal e o dragão
Escrita por Leandro Gomes de
Barros, no início do século XX, a História de Juvenal e o dragão
tornou-se modelo de narrativas posteriores, como João Terrível e o dragão
vermelho, de Antônio Alves da Silva, João Corajoso e o dragão de três
cabeças, de Joaquim Batista de Sena, e João Acaba-Mundo e a serpente
negra, de Minelvino Francisco Silva. Alguns versos do romance de Leandro
tornaram-se coletivos, a exemplo de “Quando foi no outro dia”, “Como um raio
abrasador” etc. e são encontrados em outras narrativas do cordel.
A princípio, a inspiração do
poeta parece vir do conto Henrique e os três cães, da coletânea de
Figueiredo Pimentel, Contos da Carochinha, publicada pela primeira vez em 1896.
As raízes do conto, no entanto, são muito antigas e estão presentes no mito de
Perseu e Andrômeda e em outras narrativas mitológicas, como exemplifico abaixo.
O dragão é, segundo Vladímir Propp, “uma das figuras mais complexas e mais
enigmáticas do folclore e das religiões do globo”. Na mitologia grega, é o
adversário — derrotado — de heróis como Hércules e Jasão. Ainda na Grécia, Apolo
mata a serpente Piton e, no Egito, Hórus, filho de Osíris, derrota Tifon,
assassino de seu pai. Alguns mitólogos e estudiosos do folclore interpretam a
derrota do dragão por estas divindades como a vitória da luz contra as trevas,
isto é, do dia contra a noite. Vale lembrar que, em seus países, Apolo e Hórus
eram deuses solares. Daí viriam expressões como “boca da noite”, conservada pela
memória popular.
O mesmo Propp, analisando nos
contos tradicionais russos o motivo dos tributos do dragão, descreve uma
situação bem próxima à narrada por Leandro: “o herói chega um país estrangeiro,
vê ‘todas’ as pessoas tão tristes, e de eventuais transeuntes fica sabendo que
todos os anos (todos os meses) o dragão exige como tributo uma jovem, e que
agora é a vez da filha do rei”. A lenda de São Jorge deriva também deste motivo
universalmente difundido. A palavra dragão vem do grego draco e significa
“serpente”. Esta palavra aparece quatro vezes na História de Juvenal e o dragão,
a exemplo desta estrofe:
O moço era destemido,
Com seu cachorro valente,
Eles dois incorporados,
Lutando com a serpente.
Juvenal no ferro frio
E o cão fiel pelo dente.
Aparecem ainda no romance os
auxiliares mágicos do herói, representados por três cachorros, e o impostor que,
fazendo-se se passar pelo vencedor do dragão, reivindica a mão da princesa. A
publicação deste clássico da literatura de cordel brasileira, enriquecido com
ilustrações e vinhetas de Eduardo Azevedo, é uma homenagem que a editora Nova
Alexandria, que publica a premiada coleção Clássicos em Cordel, presta a Leandro
Gomes de Barros, herói desbravador da seara da poesia popular, homenageado e
aplaudido por nomes como Mário de Andrade, Ariano Suassuna e Carlos Drummond de
Andrade.
O
Guarda-Florestas e o Capitão de Ladrões
Rouxinol do Rinaré integra a
geração de cordelistas surgida na última década do século passado, responsável
pelo ressurgimento do gênero romance na poesia popular. Por romance, os
autores de cordel definem as narrativas de fôlego, inspiradas na tradição oral
ou criadas pelos artesãos do verso. Alguns cordéis desse gênero têm 16 páginas,
a exemplo dos clássicos Romance da princesa do Reino do Mar Sem Fim, de
Severino Borges, e Romance de João Cambadinho e a princesa do Reino de
Mira-Mar, de Inácio Carioca. Desde Silvino Pirauá de Lima (1848-1913), o
popularizador da tradição dos romances autorais no cordel, passando por Leandro
Gomes de Barros (1865-1918), o grande sistematizador e responsável pelo início
da editoração profissional, o romance tornou-se o gênero nobre dentre os poetas
do povo.
O Guarda-Florestas e o
Capitão de Ladrões, publicado originalmente em folheto pela Tupynanquim
Editora, em 2006, é uma homenagem que Rouxinol presta aos mestres do cordel, em
especial ao pernambucano Delarme Monteiro da Silva (1918-1994), sua principal
referência. A história é uma versão poética do conto homônimo lido em uma
coletânea chamada Pérolas esparsas, sem indicação de autoria, ainda na
infância, passada na zona rural de Quixadá, sertão cearense. O enredo gira em
torno da atuação de Frede, um Guarda-Florestas implacável no cumprimento de seu
dever, conforme lemos nesta estrofe:
Num certo
reino da Prússia,
Há muito
tempo passado,
Residia um
cidadão
Num bosque
bem afastado,
Tendo a
missão de guardar
As florestas
do reinado.
Seu principal inimigo é o
Capitão de Ladrões, a quem persegue obstinadamente:
O Capitão de
Ladrões,
Como era
conhecido,
Atacava com
as sombras,
Passava o dia
escondido.
Tornou-se
questão de honra
Capturar o bandido.
Há ainda
outros personagens, como Hilda, esposa de Frede, que desempenhará um papel
fundamental nos momentos de maior tensão do romance. À maneira de muitos contos
populares, encontramos, nesta obra, o drama da queda — simbolizado pela atitude
do ladrão — e da redenção, quando este, enfim, resolve dar um novo sentido à sua
existência. No cordel, há similares na História de Roberto do Diabo, de
Leandro Gomes de Barros, e em Dimas, o Bom Ladrão, cuja autoria é
atribuída a Francisco das Chagas Batista. Rouxinol do Rinaré, portanto, revisita
a tradição dos grandes autores, sem perder a originalidade característica de
seus versos, que estão entre os melhores de quanto já se publicou na literatura
de cordel do Brasil.
FONTE: www.marcohaurelio.blogspot.com (Cordel Atemporal)
Mais
informações: novaalexandria@novaalexandria.com.br
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