O COMETA
O que Leandro Gomes de Barros, pioneiro da Literatura de Cordel brasileira e o gravador mexicano José Guadalupe Posada tiveram em comum? Mais do que muita gente imagina... Posada foi um importante gravador e dentre outras técnicas usou inclusive a xilogravura para ilustrar os famosos "corridos mexicanos". Eram folhas soltas (pliegos sueltos) geralmente em versos, às vezes em prosa, que abordavam temas diversos. Enquanto Leandro se ocupava da gesta de Antônio Silvino, Posada decantava com a sua arte Emiliano Zapata e outros ícones da revolução mexicana.
Num momento em que alguns estudiosos tentam negar as influências ibéricas no cordel brasileiro, é curioso observar que os mesmos temas versados por Leandro no Nordeste brasileiro despertaram a curiosidade de poetas populares do México, Chile e outros países da América Latina. De onde teria vindo então tal influência? Um desses temas que mexeu com o imaginário do menestréis é a passagem do Cometa de Halley, em 1910. Vejamos então, o texto de Leandro ilustrado por dois "grabados": um da Lyra Popular chilena e outro de um corrido mexicano de Posada:
Autor: Leandro Gomes de Barros
O Cometa
Caro leitor vou contar-lhe
O que foi que sucedeu-me,
O medo enorme que tive,
Que todo corpo tremeu-me,
Para falar a verdade
Digo que o medo venceu-me.
Eu andava aos meus negócios,
Na cidade de Natal,
No hotel que hospedei-me
Apareceu um jornal,
Que dizia que no céu
Se divulgava um sinal.
O sinal era o cometa
Que devia aparecer,
Em Maio, no dia 18
Tudo havia de morrer,
Aí sentei-me no banco,
Principiei a gemer.
Gemi até ficar rouco
Fiquei logo descorado,
Depois o sangue subiu-me
Que fiquei quase encarnado,
Imaginando n’um livro
Que um freguês levou fiado.
Disse ao dono do hotel:
Senhor eu estou resolvido,
Antes de 20 de Maio,
Nosso mundo é destruído,
Visto não durar um mês,
Não pago o que tenho comido.
A dona da casa disse-me:
O senhor está enganado,
Se eu for para o outro mundo,
O cobre vai embolsado,
Eu subo, porém em baixo
Não deixo nada fiado.
Me resolvi a pagar,
Foi danado esse processo,
Não paguei, tomaram à força,
O que é verdade, confesso,
Se havia de morrer de desgraça
Antes morrer de sucesso.
Tratei de tomar o trem
E seguir minha viagem
Disse: - Vai tudo morrer
Para que comprar passagem?
Inglês vai perder a vida,
Perca logo essa bobagem.
O condutor perguntou-me:
- Sua passagem, onde está?
Eu disse: - Na bilheteira,
Quando eu vim, deixei-a lá.
Não comprou? – perguntou ele,
Pois paga o excesso cá!
Eu lhe disse: - Condutor,
O mundo vai se acabar,
Para que quer mais dinheiro,
É para lhe atrapalhar?
A mortalha não tem bolso,
Onde é que o pode levar?
Chego em casa muito triste,
Achei a mulher trombuda,
Perguntei: - Filha, o que tem?
Respondeu-me, carrancuda:
- Ora, a 18 de maio
O mundo velho se muda!
Perguntei: - Tem jantar pronto?
Venho com fome e cansado,
Desde ontem, respondeu-me,
Que o fogão está apagado,
Devido a esse cometa
Não querem vender fiado.
Eu estava tirando as botas
Quando chegou um caixeiro,
Esse vinha com a conta,
Que eu devia ao marinheiro,
Eu disse: - Vai morrer tudo,
Seu patrão quer mais dinheiro?
Fui falar um fiadinho,
Que eu estava de olho fundo,
O marinheiro me disse:
- Já por ali, vagabundo!
Eu disse: - Venda Seu Zé,
Que eu pago no outro mundo!
A 19 de maio,
Quando acabar-se o barulho,
Eu hei de ver vosmecê
Que o senhor vai no embrulho,
Só se esconder-se aqui
Debaixo de algum basculho.
Quero 10 quilos de carne,
Uma caixa de sabão,
Quatro cuias de farinha,
Doze litros de feijão,
Quero um barril de aguardente,
Açúcar, café e pão.
Manteiga, azeite e toucinho,
Bacalhau e bolachinhas,
Vinagre, cebola e alho,
Vinte latas de sardinhas,
Duas latas de azeitonas,
Umas dezoito tainhas.
O marinheiro me olhou,
E exclamou: - Oh! Desgraçado!
Então inda achas pouco
Os que já tens enganado,
Queres chegar no inferno,
Com isso mais no costado?
Eu disse: - Meu camarada,
Isso é questão de dinheiro,
Ganha quem for mais esperto,
Perde quem for mais ronceiro,
Aonde foram duzentos
Que tem que vá um milheiro?
Perguntei ao marinheiro:
- Não faz o fiado agora?
O marinheiro me disse:
- Vagabundo vá embora!
Eu lhe disse: - Pé de chubo,
Você morre e está na hora.
Voltei e disse à mulher:
- Minha velha, está danado.
O cometa vem aí,
De chapéu de sol armado,
Creio que no dia 18,
Lá vai o mundo equipado.
Deixe ir lá como quiser,
A cousa vai a capricho,
Comer, nem se trata nel,
Nossa roupa foi ao lixo,
Vamos ver se lá no céu
Tem onde matar-se o bicho.
Fui onde vendiam fato,
Comprei uma panelada,
Comprei mais um garrafão
De aguardente imaculada,
Disse a mulher: - Felizmente,
Já estou de mala arrumada.
A 17 de maio,
A fortaleza salvou,
Eu comendo a panelada
Que a velhinha cozinhou,
Quando um menino me disse:
- Papai, o bicho estourou!
Aí eu juntei os pratos,
Embolei todo o pirão,
Botei o caldo num pote,
Peguei-me com o garrafão,
Me ajoelhei, rezei logo,
O ato de contrição.
A mulher disse chorando:
- Meu Deus, fica a panelada.
Disse o menino: - Papai,
Onde está a imaculada?
Eu disse: - Filho sossega,
Aqui não me fica nada.
E me ajoelhando aí,
Tratei logo de rezar
O ato de confissão,
Senti um anjo chegar
Dizendo reze com fé
Ainda pode escapar.
Aí disse eu:
— Eu beberrão me confesso a pipa,
a bem-aventurada imaculada de Serra
Grande, ao bem-aventurado vinho de
caju, a bem-aventurada genebra de
Holanda, vinhos de frutas, apóstolos de
deus Baccho, e a vós, oh caxixi que
estais à direita de todas as bebidas na
prateleira do marinheiro. Amém.
Quando eu acabei de orar,
Olhei para amplidão,
Ouvia dançar mazurca,
Cantar, tocar violão,
Era um anjo que dizia:
- Bravos de tua oração!
Aí um anjo chegou,
Com uma túnica encarnada,
Disse: - Sou de Serra-Grande,
De uma fazenda falada,
Eu sou o que cerca o trono
Da gostosa imaculada.
Sr. Láu, o proprietário,
Do reino onde ela mora,
Me mandou agradecer-lhe,
A súplica que fez agora,
Aí apertou-me a mão
E lá foi o anjo embora.
Aí eu disse: Mulher,
Visto termos nos salvado,
Desmanchemos nossas trouxas,
Já estava tudo arrumado,
Toca comer e beber,
Foi um bacafu danado.
FIM
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