No blog "Mundo Cordel", do juiz-poeta Marcos Mairton, encontramos esta ótima análise da mais nova sensação do mundo policial... O delegado cordelista. Mairton foi muito feliz ao observar que é preciso realmente ter alma de poeta para fazer um relatório em versos exercendo tão árdua função. O próprio Mairton é juiz e poeta, sem falar no médico Sávio Pinheiro, que também escreve sobe sua profissão em versos.
Por outro lado, observou muito bem que o texto está cheio de falhas, tanto de métrica quanto de rima, coisas que são inadmissíveis na verdadeira LITERATURA DE CORDEL. Somos de opinião que, se o delegado Reinaldo Lobo tivesse umas aulas sobre técnicas do cordel (bastaria ler o livro Acorda Cordel na Sala de Aula ou assistir uma oficina do projeto) ou mesmo pegasse umas dicas com o cantador Chico de Assis (que por sinal deu uma arrumada nos versos na hora de apresentá-los) poderia se tornar um bom cordelista. Vejamos o texto do Dr. Marcos Mairton:
Relatório de Inquérito Policial em Versos
SOBRE O RELATÓRIO DE
INQUÉRITO POLICIAL EM VERSOS
Liguei a TV e deparei-me com a notícia de que um delegado havia feito um boletim de ocorrência em versos.
Na reportagem, o apresentador do telejornal dizia que o delegado havia se inspirado na Literatura de Cordel, tendo herdado do avô o dom de fazer versos.
Só para confirmar se o fato havia ganho espaço na mídia, entrei no Google e pesquisei as palavras “delegado”, “ocorrência”, “versos” e “cordel”. Como eu esperava, lá estavam inúmeros sites replicando a matéria, começando mais ou menos assim:
O delegado Reinaldo Lobo, da 29º Delegacia de Polícia de Riacho Fundo (DF), cidade a 18 km de Brasília, fez um boletim de ocorrência que chamou a atenção não pelo caso, de receptação de uma moto, mas pela redação. O texto foi escrito em forma de poesia. (R7 Notícias).
Diante da amplitude que o caso ganhou, aproveito minha condição de poeta-juiz (ou de juiz-poeta) para comentá-lo sob dois aspectos: do Direito e da Literatura de Cordel.
Do ponto de vista jurídico, a primeira coisa que percebi foi que não se tratava de um B.O. e sim do próprio Relatório, com o qual delegado encerra o inquérito para remeter ao Ministério Público, a fim de que este ofereça a denúncia.
Cabe esclarecer, portanto, que no B.O. quem narra os fatos é a pessoa que o registra, cabendo à autoridade policial apenas transcrevê-los para o documento. Já no relatório, o texto é elaborado pelo delegado, sendo este o responsável por seu conteúdo. Ou seja, a partir do B.O. o delegado inicia o inquérito, com o Relatório o delegado o encerra.
Isso muda alguma coisa quanto a sua validade jurídica? Não, porque não existe nenhuma norma que proíba que atos administrativos e até judiciais sejam redigidos em versos. O que se exige é que eles sejam escritos na língua pátria – o português – e que contenham as informações previstas em lei, no caso do Relatório, coisas como a qualificação do ofendido, a qualificação ou descrição do suposto autor do crime e a narração do fato.
Cabe esclarecer, portanto, que no B.O. quem narra os fatos é a pessoa que o registra, cabendo à autoridade policial apenas transcrevê-los para o documento. Já no relatório, o texto é elaborado pelo delegado, sendo este o responsável por seu conteúdo. Ou seja, a partir do B.O. o delegado inicia o inquérito, com o Relatório o delegado o encerra.
Isso muda alguma coisa quanto a sua validade jurídica? Não, porque não existe nenhuma norma que proíba que atos administrativos e até judiciais sejam redigidos em versos. O que se exige é que eles sejam escritos na língua pátria – o português – e que contenham as informações previstas em lei, no caso do Relatório, coisas como a qualificação do ofendido, a qualificação ou descrição do suposto autor do crime e a narração do fato.
Eu mesmo já sentenciei dois casos em versos – um criminal e outro cível – e as sentenças tiveram o mesmo valor jurídico que as outras que já proferi em prosa. E não poderia ser de outra forma, pois, se a sentença tem relatório (descrição dos fatos), fundamentação (razões que levaram ao resultado) e dispositivo (resultado), não faz diferença se foi escrita em prosa ou em verso.
Da mesma forma, o fato de ter sido escrito em versos jamais poderia ser motivo para invalidar o Relatório do Inquérito.
A partir daqui, passo a falar como cordelista, e o faço destacando o fato de o delegado Reinaldo Lobo ser capaz de fazer brotar sua vocação poética até em meio à dura realidade da atividade policial. É preciso ter um coração de poeta para agir assim.
Apenas quanto à forma, observo que o sistema de rimas e de métrica está muito irregular, o que afasta o texto dos padrões reconhecidos como característicos da tradicional Literatura de Cordel.
Assim, se fosse o caso de dizer algumas palavras ao poeta-delegado, diria o seguinte: “Colega poeta, a poesia é uma flor bela e delicada, mas que às vezes brota em lugares improváveis, entre pedras e espinhos. Se sua intenção é escrever em forma de Cordel, estude um pouco mais os sistemas de rimas e métricas da Literatura de Cordel, para dar um padrão mais definido aos seus versos. Independentemente disso, não desista da poesia, nem de tentar fazer do nosso país um lugar melhor para se viver”.
Já era quase madrugada
Neste querido Riacho Fundo
Cidade muito amada
Que arranca elogios de todo mundo
O plantão estava tranquilo
Até que de longe se escuta um zunido
E todos passam a esperar
A chegada da Polícia Militar
Logo surge a viatura
Desce um policial fardado
Que sem nenhuma frescura
Traz preso um sujeito folgado
Procura pela Autoridade
Narra a ele a sua verdade
Que o prendeu sem piedade
Pois sem nenhuma autorização
Pelas ruas ermas todo tranquilão
Estava em uma motocicleta com restrição
A Autoridade desconfiada
Já iniciou o seu sermão
Mostrou ao preso a papelada
Que a sua ficha era do cão
Ia checar sua situação
O preso pediu desculpa
Disse que não tinha culpa
Pois só estava na garupa
Foi checada a situação
Ele é mesmo sem noção
Estava preso na domiciliar
Não conseguiu mais se explicar
A motocicleta era roubada
A sua boa-fé era furada
Se na garupa ou no volante
Sei que fiz esse flagrante
Desse cara petulante
Que no crime não é estreante
Foi lavrado o flagrante
Pelo crime de receptação
Pois só com a polícia atuante
Protegeremos a população
A fiança foi fixada
E claro não foi paga
E enquanto não vier a cutucada
Manteremos assim preso qualquer pessoa má afamada
Já hoje aqui esteve pra testemunhá
A vítima, meu quase xará
Cuja felicidade do seu gargalho
Nos fez compensar todo o trabalho
As diligências foram concluídas
O inquérito me vem pra relatar
Mas como nesta satélite acabamos de chegar
E não trouxemos os modelos pra usar
Resta-nos apenas inovar
Resolvi fazê-lo em poesia
Pois carrego no peito a magia
De quem ama a fantasia
De lutar pela Paz ou contra qualquer covardia
Assim seguimos em mais um plantão
Esperando a próxima situação
De terno, distintivo, pistola e caneta na mão
No cumprimento da fé de nossa missão
Riacho Fundo, 26 de Julho de 2011
Segue, a íntegra do texto do BO:
Neste querido Riacho Fundo
Cidade muito amada
Que arranca elogios de todo mundo
O plantão estava tranquilo
Até que de longe se escuta um zunido
E todos passam a esperar
A chegada da Polícia Militar
Logo surge a viatura
Desce um policial fardado
Que sem nenhuma frescura
Traz preso um sujeito folgado
Procura pela Autoridade
Narra a ele a sua verdade
Que o prendeu sem piedade
Pois sem nenhuma autorização
Pelas ruas ermas todo tranquilão
Estava em uma motocicleta com restrição
A Autoridade desconfiada
Já iniciou o seu sermão
Mostrou ao preso a papelada
Que a sua ficha era do cão
Ia checar sua situação
O preso pediu desculpa
Disse que não tinha culpa
Pois só estava na garupa
Foi checada a situação
Ele é mesmo sem noção
Estava preso na domiciliar
Não conseguiu mais se explicar
A motocicleta era roubada
A sua boa-fé era furada
Se na garupa ou no volante
Sei que fiz esse flagrante
Desse cara petulante
Que no crime não é estreante
Foi lavrado o flagrante
Pelo crime de receptação
Pois só com a polícia atuante
Protegeremos a população
A fiança foi fixada
E claro não foi paga
E enquanto não vier a cutucada
Manteremos assim preso qualquer pessoa má afamada
Já hoje aqui esteve pra testemunhá
A vítima, meu quase xará
Cuja felicidade do seu gargalho
Nos fez compensar todo o trabalho
As diligências foram concluídas
O inquérito me vem pra relatar
Mas como nesta satélite acabamos de chegar
E não trouxemos os modelos pra usar
Resta-nos apenas inovar
Resolvi fazê-lo em poesia
Pois carrego no peito a magia
De quem ama a fantasia
De lutar pela Paz ou contra qualquer covardia
Assim seguimos em mais um plantão
Esperando a próxima situação
De terno, distintivo, pistola e caneta na mão
No cumprimento da fé de nossa missão
Riacho Fundo, 26 de Julho de 2011
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMelhor soltar o ladrão
ResponderExcluirQue roubou motocicleta.
Em seu lugar o poeta
É que merece prisão.
O delegado escrivão
Que se fez de menestrel
Praticou feio papel
Com seu poema asqueroso,
Praticou crime doloso
Assassinando o Cordel.
Depois que o BATORÉ
ResponderExcluirO famoso delegado
Do tal Cordel Encantado
Mostrou o seu rapapé
"Home, minino e muié"
Deseja ser menestrel
Da arte tiram o dossel
O poema é marmotoso...
Praticou crime doloso
Assassinando o Cordel.
Valentim Cordeiro Brabo
Mas que falta está fazendo
ResponderExcluirNosso Kid Morengueira!
Pra peguar essa besteira
Do delerusca escrevendo…
Esse seu “poema” horrendo,
Feito em coma de pileque,
O Morengueira moleque,
É claro, aproveitaria
E no momento faria
Um lindo samba de breque!...
kkkkkkkkkkkkkkkk
Oh delegado atrevido
ResponderExcluirEsse do Riacho Fundo
Caiu num poço profundo
E deu uma de enxerido
Quando prendeu o bandido
Fez relatório infiel
Quis posar de menestrel
Mas se tornou criminoso
Praticou crime doloso
Assassinando o Cordel.
Gente, vamos relevar,
ResponderExcluirCoitado do delegado!
Nunca foi orientado
Na arte de versejar.
Passou a vida a estudar,
No livro das leis imerso.
Conhece bem o universo
Da justiça e do direito,
É um delegado perfeito,
Mas não sabe fazer verso.
Moreira de Acopiara
O cordel está na moda
ResponderExcluirE isto me preocupa
Pois quem está na garupa
Pensa que é samba-de-roda
Isso muito me incomoda...
Fazem "versos" a granel
Oh! meu caro bacharel
Volte a prender vagabundo
Não tolde o Riacho Fundo
Assassinando o Cordel.
Valentim Cordeiro Brabo
O delegado marcou
ResponderExcluirUm ponto em seu relatório
Mesmo sendo tão simplório
Quando, o poema, criou.
Ele não nos encantou
Por desconhecer a métrica.
Não desenhou a estética,
Que o cordel nos pede, em mão;
Porém, mostrou pra nação
A sua verve poética.
Realmente o poema do delegado não pode ser considerado um cordel, entretanto a Globo vendeu como se fosse e até convidou o repentista Chico de Assis, atual presidente da Casa do Cantador de Brasília, para apresentá-lo na TV. Chico Repentista, profissional consciente e zeloso pela nossa profissão alegou que não podia cantar da forma que estava escrito e acabou refazendo quase todos os versos. Basta comparar o áudio com o texto original para observar essas mudanças.
ResponderExcluirDevo dizer que concordo com o poeta Mairton. A iniciativa do delegado merece aplausos e se ele quiser continuar escrevendo, pode pegar boas dicas com cordelistas em atividade.
Honestamente, lendo o B.O. do nosso delegado, deu pra sentir que desta moita não espirra coelho de jeito nenhum.
ResponderExcluirO Delegado Reinaldo Lôbo é um respeitado e competente policial de nosso País . Ainda , demonstra capacidade com a literatura popular Brasileira . Particularmente considero a sua poesia , excepcional e contemporânea. Parabéns por inovar Dr. Reinaldo .
ResponderExcluirA criatividade da poesia não comporta limites. E como ele disse no relatório, "resolvi fazê-lo em poesia..." e não em cordel.
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