Não faz tanto tempo assim, mas sou de um tempo em que o povo sertanejo acordava no 'cantar dos galos'; começava a trabalhar no 'cagar dos pintos' e domia com as galinhas... O horário da dormida dependia da galinha (rsss). Sertão das muié séria e dos homens trabaiadô, com dizia Gonzagão.
Faz tempo que trabalho no projeto de um novo livro de poesias intitulado, provisoriamente, de 'SERTÃO EM DESENCANTO'. A cada visita que faço ao sertão cearense, volto impressionado com a descaracterização dos nossos sertanejos, com as influências maléficas sobre as novas gerações e o que é pior: pessoas de idade avançada renegando as suas raízes e dançando conforme o ritmo da tal 'globalização'. Um amigo meu, o Lalá, que era fã de Luiz Gonzaga e das coisas do sertão, foi morto cruelmente por um jovem drogado, lá nos cafundós de Canindé. Ao saber da notícia, escrevi esse poema/desabafo onde tento expressar a minha indigação. Sem preocupar-me com o 'politicamente correto', abri as tampas da poética com toda fúria. Quero deixar claro que a minha bandeira é a defesa da cultura nordestina e que não tenho uma visão preconceituosa do mundo, entretanto não quis mexer no texto que saiu num momento da mais lídima indiganção. Leiam, e tirem as suas conclusões:
O SERTÃO DE ANTIGAMENTE
E O SERTÃO DE HOJE EM DIA
Arievaldo Viana
(Todos os direitos reservados)
trechos
Meu sertão já tem maconha
Tem cocaína, tem crack
Agricultor de araque
Que nem sabe o que é pamonha
Tem malandro sem vergonha
Que rouba a avó e a tia
Não se vê mais cantoria
Só forrozeiro pedante
Tudo isso tem bastante
No sertão de hoje em dia.
(No sertãozim do meu tempo
Se comia rapadura
Cuscuz e bolo de milho
Farofa de tanajura
Menino chupava cana
E não sentia gastura).
Meu sertão está mudado
Tem quenga de todo jeito
E digo, sem preconceito,
Tem cara muito 'antenado',
Tem assaltante e tarado
Acabou-se a tradição
Ninguém ouve Gonzagão
Só esse forró de banda
A malandragem é quem manda
Nas coisas do meu sertão.
(Por isso eu tenho saudade
Do sertão de antigamente
Dos folguedos populares
Que alegravam a nossa gente
Hoje, quem anda por lá,
Acha muito diferente).
Tem twitter, tem Orkut
Todo canto tem lan-house
Tem impressora, tem mouse
Menino bebe iogurte
E a moçada só curte
Brincadeira da pesada
Tem piriguete abusada
Cheia de gíria e maldade
Não se encontra honestidade
Nem mesmo em mulher casada.
Antigamente o sertão
Tinha um bom divertimento
Fogueira no mês de junho
Forró era cem por cento
No fole de oito baixos
Com bom acompanhamento.
Lá não se vê mais jumento
Pois todo mundo tem moto
Matuto joga na loto
Já de olho no provento,
Velho tira o “aposento”
Num magnético cartão
E grita para o ladrão:
- Eu morro, mas não entrego!
Por lá ninguém dá um prego
Numa barra de sabão
Antigamente o matuto
Reunia a filharada
Iam todos pro roçado
Às quatro da madrugada
Se criavam trabalhando
Na chibanca e na enxada.
(...)
Toda regra, há exceção
Aqui faço uma ressalva
Muita gente inda se salva
Lá também tem CIDADÃO
Preservando a TRADIÇÃO
Que está perto do fim
A coisa está muito ruim
Por isso é que perguntamos
ONDE FOI QUE NÓS ERRAMOS
PRO SERTÃO FICAR ASSIM?
Fotos: Jconline / Antonio Vicelmo - Diario do Nordeste / Acervo pessoal
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