CALAR E PLUTÃO - Pontos de convergência na poesia de Leandro e Bilac
Em seu fotolog (http://fotolog.terra.com.br/marcohaurelio) o poeta e folclorista Marco Haurélio traz à tona mais uma vez a famosa crônica de Carlos Drummond de Andrade, publicada em 1976 no Jornal do Brasil, na qual o poeta mineiro considera o paraibano Leandro Gomes de Barros superior a Olavo Bilac e verdadeiro merecedor do título de Principe dos Poetas Brasileiros. Numa observação muito lúcida, Marco Haurélio deixa claro que grandeza de Leandro não excede a de Bilac, ambos foram grandes, cada qual no seu estilo. Entretanto, o ponto mais interessante é o comparativo entre os poemas PLUTÃO (de Bilac) e CALAR (O cachorro dos Mortos, de Leandro) onde o cão mostra a sua fidelidade aos donos acompanhando-os até depois da morte.
No caso de Plutão, de Olavo Bilac, o cão segue o seu dono Carlinhos até o cemitério e acaba morrendo sobre a sua tumba. No caso de Calar, o Cachorro dos Mortos, o animal é testemunha de um crime monstruoso, a morte de seus donos e só descansa quando consegue levar o criminoso à forca. Após a condenação do assassino, Calar vai ao cemitério "chorar" os seus mortos e lá termina os seus dias. Vejamos o texto de Marco Haurélio:
PLUTÃO, de Olavo Bilac
Negro, com os olhos em brasa,
Bom, fiel e brincalhão,
Era a alegria da casa
O corajoso Plutão.
Fortíssimo, ágil no salto,
Era o terror dos caminhos,
E duas vezes mais alto
Do que o seu dono Carlinhos.
Jamais à casa chegara
Nem a sombra de um ladrão;
Pois fazia medo a cara
Do destemido Plutão.
Dormia durante o dia,
Mas, quando a noite chegava,
Junto à porta se estendia,
Montando guarda ficava.
Porém Carlinhos, rolando
Com ele às tontas no chão,
Nunca saía chorando
Mordido pelo Plutão . . .
Plutão velava-lhe o sono,
Seguia-o quando acordado:
O seu pequenino dono
Era todo o seu cuidado.
Um dia caíu doente
Carlinhos . . . Junto ao colchão
Vivia constantemente
Triste e abatido, o Plutão.
Vieram muitos doutores,
Em vão. Toda a casa aflita,
Era uma casa de dores,
Era uma casa maldita.
Morreu Carlinhos . . . A um canto,
Gania e ladrava o cão;
E tinha os olhos em pranto,
Como um homem, o Plutão.
Depois, seguiu o menino,
Seguiu-o calado e sério;
Quis ter o mesmo destino:
Não saíu do cemitério.
Foram um dia à procura
Dele. E, esticado no chão,
Junto de uma sepultura,
Acharam morto o Plutão.
Nota: Tem sido repetido ad nauseam um texto de Carlos Drummond de Andrade, no qual o poeta mineiro louva Leandro Gomes de Barros em prejuízo de seu contemporâneo Olavo Bilac. Por falta de uma leitura crítica, a dicotomia contida no texto (sertão X cidade) tem recebido pouca ou nenhuma atenção. Daí o rótulo de poeta "sertanejo" colado na testa de Leandro e repetido em livros que enfocam a vida ou a obra do poeta. Sempre considerei o texto de Drummond maniqueísta e, por isso mesmo, tenho-me negado a me valer dele para exaltar as qualidades de Leandro, que falam por si mesmas.
O desprezo com que é tratado o grande poeta Olavo Bilac, autor de algumas das mais belas páginas da literatura nacional, também me incomoda. O poema acima, exaltando a fidelidade canina, pode ser usado em um estudo comparativo com o romance O Cachorro dos Mortos, de Leandro Gomes de Barros. Em comum a fidelidade canina, exaltada ainda na Balada do Desesperado, de Henri Murger, admiravelmente traduzida para o português por Castro Alves. Depois de tantos muros erguidos entre Leandro e Bilac, que, coincidentemente, nasceram e morreram no mesmo ano (1865-1918), é hora de aproximá-los, mostrando o que eles têm em comum, partindo do singelo poema de Bilac e do grande romance leandrino.
Num comentário posterior, MARCO HAURÉLIO conclui:
Na crônica de Drummond, do começo ao fim, a opção é pelo confronto. Vejamos um trecho:
"Um é Poeta erudito, produto de cultura urbana e burguesia média; o outro, planta sertaneja vicejando a margem do cangaço, da seca e da pobreza. Aquele tinha livros admirados nas rodas sociais, e os salões o recebia com flores. Este espalhava seus versos em folhetos de Cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pés no chão..."
Até onde sei, Leandro não utilizava xilogravuras toscas, o que já evidencia um equívoco no argumento que se vale da comparação. Mas, vamos a outro trecho:
"A poesia parnasiana de Bilac, bela e suntuosa, correspondia a uma zona limitada de bem estar social, bebia inspiração européia e, mesmo quando se debruçava sobre temas brasileiros, só era captada pela elite que comandava o sistema de poder político, econômico e mundano.
A de Leandro, pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco, era a que tocava milhares de brasileiros humildes, ainda mais simples que o poeta, e necessitados de ver convertida e sublimada em canto a mesquinharia da vida."
A comparação agora se dá sob o prisma do estético. E, vale dizer, desta vez Leandro fica em desvantagem por conta de outro grave equívoco de Drummond. Sua poesia não era "pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco". Uma das características da (boa) literatura de cordel é a riqueza rítmica, musical, e nesse contexto triunfam Leandro e vários outros autores. Afirmar que ele não tinha apoio livresco é cair no reducionismo dos que julgam o poeta "popular" alguém à margem da cultura oficial. Leandro, embora não tenha tido acesso a uma boa instrução formal, era um grande leitor. Em sua obra encontramos versões de contos das Mil e Uma Noites, de Livros do Povo (conforme definição de Teófilo Braga emulado por Câmara Cascudo) e, eté mesmo, de um clássico do nosso romantismo. Refiro-me a Noite na Taverna, admiravelmente relido em Meia-noite no Cabaré. Enfim, o texto de Drummond, na tentativa de fazer justiça, carrega nos estereótipos, principalmente quando uma análise atenta comprova que ele sabia menos de Leandro e de sua obra do que se alardeia.
"Um é Poeta erudito, produto de cultura urbana e burguesia média; o outro, planta sertaneja vicejando a margem do cangaço, da seca e da pobreza. Aquele tinha livros admirados nas rodas sociais, e os salões o recebia com flores. Este espalhava seus versos em folhetos de Cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pés no chão..."
Até onde sei, Leandro não utilizava xilogravuras toscas, o que já evidencia um equívoco no argumento que se vale da comparação. Mas, vamos a outro trecho:
"A poesia parnasiana de Bilac, bela e suntuosa, correspondia a uma zona limitada de bem estar social, bebia inspiração européia e, mesmo quando se debruçava sobre temas brasileiros, só era captada pela elite que comandava o sistema de poder político, econômico e mundano.
A de Leandro, pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco, era a que tocava milhares de brasileiros humildes, ainda mais simples que o poeta, e necessitados de ver convertida e sublimada em canto a mesquinharia da vida."
A comparação agora se dá sob o prisma do estético. E, vale dizer, desta vez Leandro fica em desvantagem por conta de outro grave equívoco de Drummond. Sua poesia não era "pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco". Uma das características da (boa) literatura de cordel é a riqueza rítmica, musical, e nesse contexto triunfam Leandro e vários outros autores. Afirmar que ele não tinha apoio livresco é cair no reducionismo dos que julgam o poeta "popular" alguém à margem da cultura oficial. Leandro, embora não tenha tido acesso a uma boa instrução formal, era um grande leitor. Em sua obra encontramos versões de contos das Mil e Uma Noites, de Livros do Povo (conforme definição de Teófilo Braga emulado por Câmara Cascudo) e, eté mesmo, de um clássico do nosso romantismo. Refiro-me a Noite na Taverna, admiravelmente relido em Meia-noite no Cabaré. Enfim, o texto de Drummond, na tentativa de fazer justiça, carrega nos estereótipos, principalmente quando uma análise atenta comprova que ele sabia menos de Leandro e de sua obra do que se alardeia.
O cachorro dos mortos
Leandro Gomes de Barros
Os nossos antepassados
Eram muito prevenidos
Diziam: matos têm olhos
E paredes tem ouvidos
Os crimes são descobertos
Por mais que sejam escondidos.
Em oitocentos e seis
Na província da Bahia
Distante da capital
três léguas ou menos seria
Sebastião de Oliveira
ali num canto vivia.
Ele, a mulher e duas filhas
E um filho já homem feito
O rapaz era empregado
E estudava direito
O velho não era rico
Mas vivia satisfeito.
(...)
Depois de terem morrido
Os senhores de Calar
O pobre cão toda noite
Ia para aquele lugar
Olhava para as três cruzes
Levava a noite a uivar.
Latia e fitava o céu
Que causava pena e dó
Via sangue no capim
Ele cobria com pó
Não queria ir para casa
Passava a noite ali só.
O velho Pedro dos Anjos
Vizinho de Sebastião
Achou que aquele animal
Merecia compaixão
Chamou-o para não vê-lo
Morrer sem ter remissão.
O velho Pedro caçava
Toda noite com Calar
Mas ele só ia à caça
Depois que ia ao lugar
Aos pés daquelas três cruzes
Não deixava de uivar.
Assim morreu o Calar
Ficou também descansado
Era um cão porém deixou
O nome imortalizado
Morreu depois de livrar
Quem já o tinha livrado.
Leitor não levantei falso
Escrevi o que se deu
Acreditem que este fato
Na Bahia aconteceu
Depois de lutar então
Rolou Calar sobre o chão
Onde seu senhor morreu.
Eram muito prevenidos
Diziam: matos têm olhos
E paredes tem ouvidos
Os crimes são descobertos
Por mais que sejam escondidos.
Em oitocentos e seis
Na província da Bahia
Distante da capital
três léguas ou menos seria
Sebastião de Oliveira
ali num canto vivia.
Ele, a mulher e duas filhas
E um filho já homem feito
O rapaz era empregado
E estudava direito
O velho não era rico
Mas vivia satisfeito.
(...)
Depois de terem morrido
Os senhores de Calar
O pobre cão toda noite
Ia para aquele lugar
Olhava para as três cruzes
Levava a noite a uivar.
Latia e fitava o céu
Que causava pena e dó
Via sangue no capim
Ele cobria com pó
Não queria ir para casa
Passava a noite ali só.
O velho Pedro dos Anjos
Vizinho de Sebastião
Achou que aquele animal
Merecia compaixão
Chamou-o para não vê-lo
Morrer sem ter remissão.
O velho Pedro caçava
Toda noite com Calar
Mas ele só ia à caça
Depois que ia ao lugar
Aos pés daquelas três cruzes
Não deixava de uivar.
Assim morreu o Calar
Ficou também descansado
Era um cão porém deixou
O nome imortalizado
Morreu depois de livrar
Quem já o tinha livrado.
Leitor não levantei falso
Escrevi o que se deu
Acreditem que este fato
Na Bahia aconteceu
Depois de lutar então
Rolou Calar sobre o chão
Onde seu senhor morreu.
Gostaria de saber onde consigo encontrar o livro cão cachorro dos mortos. desde já agradeço, meu email é: elcio10s@gmail.com
ResponderExcluirInteressados em adquirir o folheto O CACHORRO DOS MORTOS e outras obras de Leandro devem entrar em contato através deste e-mail: acordacordel@ig.com.br
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