quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O CORDEL E A NOVELA...


...A NOVELA E O CORDEL
A magia dos versos encantados

Por Arievaldo Viana

Em janeiro de 2008 a escritora Glória Perez, autora da novela "Caminhos das Índias", publicou um curioso texto no seu blog 'De tudo um pouco' sobre o casamento de pessoas com animais na Índia, uma tradição tribal que subsiste até hoje e que tem um significado especial naquele país exótico. Foi o suficiente para que eu convocasse o poeta Klévisson Viana, meu irmão e parceiro frequente, para fazermos uma sátira em cordel do texto apresentado pela rainha da dramaturgia brasileira.

Quando a televisão se consolidou como um grande veículo de entretenimento, ainda na década de 1960, o poeta popular já flertava com os dramas apresentados pela telinha. Aliás, as novelas populares no rádio, como Jerônimo, o Herói do Sertão, de Moysés Weltman, ínspiraram vários poetas a apresentar versões em folheto para seu público. Foi assim que Joaquim Batista de Sena fez "A verdadeira história de Antônio Maria", Caetano Cosme da Silva compôs "Laços de Sangue" (baseada na saga de Jerônimo) e Manoel D'Almeida Filho, na década seguinte, fez o volumoso folheto "Gabriela", publicado pela Editora Luzeiro.

O namoro entre o folhetim da teledramaturgia e o folheto de feira estava consolidado... O casamento ocorreu quando Dias Gomes escreveu Saramandaia e resolveu escolher "Pavão Mysteriozo", releitura do cantor/compositor cearense Ednardo para o clássico de José Camelo de Melo / João Melchíades Ferreira. O sucesso foi tanto que ajudou a Rede Globo a consolidar sua hegemonia nessa área. Aguinaldo Silva, discípulo e parceiro de Dias Gomes, também usou e abusou dos elementos, tipos e tramas do cordel, à exemplo do que fez Ariano Suassuna em suas peças de teatro. Diziam que a TV iria matar o cordel... ou melhor já haviam dito isso quando surgiram os primeiros jornais nas cidades interioranas e quando o rádio se popularizou. As mídias interagiram e as previsões fracassaram miseravelmente, para sorte dos amantes e praticantes da poesia popular.

Voltando ao "Caminho das Índias", acho oportuno apresentar, integralmente, o texto de Glória Pérez, publicado na sua página 'De tudo um pouco',  para que o leitor deste blog tenha uma idéia mais próxima de como ocorrem tais intercâmbios, interatividades e adaptações...

* * *

Casamentos à indiana 

(26 de janeiro de 2008)




 Pouco tempo atrás, todo mundo viu nos telejornais a notícia do casamento do indiano Kumar com a cadelinha Selvi, no templo de Ganesh, em Manamadurai Os noticiários mostravam a cena sublinhando o bizarro, mas não explicavam seu significado dentro da cultura indiana.

Andei pesquisando o assunto e encontrei coisas muito interessantes -aliás, quanto mais a gente mergulha na cultura da Índia mais coisas interessantes encontra. E olha que ainda nem pisei lá.

Aprendi que o casamento de humanos com cachorros é uma herança tribal, e tem uma função: proteger a pessoa, afastar algum mal que esteja presente, ou que possa vir a estar presente em sua vida

No caso de Kumar, quando tinha 18 anos, ele sacrificou dois cachorros com requintes de crueldade. Hoje, depois de um derrame, tornou-se deficiente físico, e atribui tudo o que lhe aconteceu de ruim à maldição que o acompanha em consequência da crueldade praticada contra os dois animais. Um astrólogo foi consultado e recomendou o casamento como expiação necessária para o alívio de seu karma

No caso da menina Karmoni Hasda, de 9 anos de idade, que também se casou com um cachorro, a motivação foi outra. Sandra Bose conta no Indiagestão:

Vocês já sabem que 99% dos casamentos na Índia são arranjados. Antes de se casarem, os pais dos noivos vão a um “astrólogo” que dirá se o casal é compatível ou não.
No caso dessa menina de 9 anos, o “astrólogo” disse que seu primeiro marido iria morrer logo, então casaram-na com um cachorro, assim o cachorro morre e a garota pode então casar-se com um ser humano.
Não se esqueçam que casamento de viuva ainda é um grande tabu aqui, mas se a viuva for de um cachorro, então, sem problemas!


Outro caso é o do menino Samir Mudiya, de 5 anos, também casado com um cão, como se vê na foto. O casamento, segundo o sacerdote que o realizou, terá o poder de salvaguarda-lo de todo o mal.
Voltando ao Indiagestão, também aprendi com a Sandra que, segundo a tradição local, se o primeiro dente de uma criança sai na gengiva superior, ela corre um grave perigo que só pode ser evitado pelo matrimônio com o melhor amigo do homem.
(blog De tudo um pouco - Glória Pérez)



* * *

Hare Baba! Um livreto que veio das Índias.

DESCAMINHO DAS ÍNDIAS OU
O INDIANO QUE CASOU COM UMA CACHORRA

Autores: Antônio Klévisson e Arievaldo Viana

Oh! Deus, pai celestial
A nossa terra socorra,
Esse mundo está pior
Do que Sodoma e Gomorra,
No decorrer deste ano
Um magro e feio indiano
Casou-se com uma cachorra.

Eu quando li tal notícia
Não queria acreditar
Porém o caso é verídico
Eu sei até o lugar
Da minha mente não sai
Foi em Manamadurai
O noivo é Selva Kumar.

Li o caso nos jornais
Guardei até o recorte,
Kumar agiu desse modo
Pra se livrar da má sorte,
Resolveu casar-se ali
Com a cadela Selvi
Eis o nome da consorte.

Ou será falta de sorte
Daquele pobre animal?
Eu vi a foto dos dois
Estampada no jornal
Todos em tom de mangofa
Sorriam, faziam mofa,
Daquele jovem casal.

Para que o leitor entenda
Preciso fazer um prólogo,
Pois Selva Kumar seguiu
O conselho de um astrólogo
Para uma culpa expiar...
Mesmo não vai procriar
Garantiu-me um sexólogo.

Esse rapaz quando jovem
Um grande mal praticou
Dois cachorros inocentes
Numa praça apedrejou
Por causa desse pecado
Kumar ficou aleijado
E depois disso cegou.

Um astrólogo consultou
Dizendo então: - Me socorra!
Fiquei cego e aleijado,
Isso é que ser uma porra!
Disse o Astrólogo: - Kumar
Tu vais ter que se casar
Com uma bela cachorra!

- Para expiar teus pecados
Eu encontrei uma brecha,
Vai urgente para as ruas
Ligeiro como uma flecha
Uma cadela buscar
Para com ela casar
No templo do deus Ganesha.

Assim fez o indiano
Saiu logo em disparada
Encontrou uma cadela
Jovem, bonita e prendada
Que estava se coçando
Catando pulga e matando
No batente da calçada.

(...)"

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