na Literatura de Cordel
O Evangelho fala pouco deste Santo. Nem mesmo o nome, os evangelistas fixaram. O que sabemos foi trazido pela tradição que são os nomes: Dimas, o Bom Ladrão e Simas, o mau ladrão. Sem dúvida alguma, se trata de um santo original, único, privilegiado, que mereceu a honra de ser canonizado em vida por Jesus Cristo, na hora solene de nossa Redenção.
Os outros santos só foram solenemente reconhecidos, no outro milênio, a partir do ano 999. A Igreja comemorava os mártires e confessores, mas sem uma declaração oficial e formal. Enquanto que, a de São Dimas quem proclamou foi o próprio Fundador da Igreja. Dimas foi o operário da última hora, o que nos fez ver o mistério da graça derradeira. O mau ladrão resistiu, explodiu em blasfémias. Rejeitou a graça, visivelmente dada pelo Redentor.
O Bom Ladrão, depois de vacilar (Mt 27,44 -Mc 15,32), confessou a própria culpa, reclamou da injustiça contra Aquele que só fez o bem, reconheceu-O como Rei e lhe pediu que se lembrasse dele, quando estivesse no seu Reino. Segundo a tradição, Dimas não era judeu, mas sim egípcio de nascimento. Dimas e Simas praticavam o banditismo nos desertos de passagem para o Egipto. Lá a Sagrada Família, que fugia da perseguição do rei Herodes, foi assaltada por dois ladrões e um deles a protegeu. Era Dimas. Naquela época, entre os bandidos havia o costume de nunca roubar, nem matar, crianças, velhos e mulheres. Assim, Dimas deu abrigo ao Menino Jesus protegendo a Virgem Maria e São José. Dimas foi um bandido muito perigoso da Palestina. E isso, realmente pode ser afirmado pelo suplício da cruz que mereceu. Essa condenação horrível era reservada somente aos grandes criminosos e aos escravos.
O Martirológio Romano diz apenas no dia 25 de Março: “Em Jerusalém comemoração do Bom Ladrão que na cruz professou a fé de Jesus Cristo”. E no mundo todo São Dimas passou a ser festejado neste dia. O Bom Ladrão ou São Dimas foi o primeiro que entrou no céu: “inda hoje estarás comigo no Paraíso”. (Lc 23,43). Ele passou a ser popularmente considerado o “Padroeiro dos pecadores arrependidos da hora derradeira, dos agonizantes, da boa morte”. Morreu sacramentado pela absolvição do próprio Cristo, e por Ele conduzido ao Paraíso.
Francisco das Chagas Batista, poeta paraibano contemporâneo e amigo de Leandro Gomes de Barros, escreveu a História de Dimas, o bom ladrão em cordel, baseado na versão de Enrique Pérez Escrich, contida em sua obra “O mártir do Gólgota”. Vejamos alguns trechos:
Trato da biografia
De Dimas, o Bom Ladrão
De se fazer assassino
Qual a sua precisão
Como morreu e salvou-se
Teve de Deus o perdão.
Era filho dum ourives
Que havia em Jerusalém
Moço versado nas letras
E bom ourives também
Graças a seu pai honrado
Que lhe desejava o bem.
Era obediente aos pais
Aos mais velhos respeitava
Acariciava as crianças
Aos mortos ele enterrava
Naquela alma de Deus
Caridade não faltava.
Porém quando ele contava
Dezoito anos de idade
Morreu seu pai de repente
Foi uma fatalidade
Dimas pranteou-lhe a morte
Chorou que fez piedade.
Chorando exclamava ele
Não há mais prazer comigo
Foi procurar um pedreiro
Que fizesse um jazigo
Para sepultar seu pai
Seu idolatrado amigo.
Cento e cinquenta óbulos
Foi mais ou menos a quantia
Que o pedreiro pediu
E por menos não fazia
Dimas não fez dúvida alguma
Até por mais lhe servia.
(...)
Vieram três fariseus
Um centurião e um malsin
Dimas com a tal surpresa
Entrou perguntando assim:
- O que fazem em minha casa?
Estão atacando a mim?
- Te enganas, disse o mais velho
Repara o que estás fazendo
Eu estou embargando os bens
É só o que estou fazendo
De conformidade a lei
Teu pai morreu me devendo.
Era uma cilada, armada por um judeu ganancioso, que inventou tal história para confiscar a herança de Dimas. Por conta disso, o corpo do seu pai foi jogado na vala comum. Dimas se vinga, matando o homem que tomou a sua herança e em seguida refugia-se no deserto, onde junta-se a um bando de ladrões. Quando a Família Sagrada fugiu de Belém para o Egito, com medo de Herodes, acabou se hospedando no castelo que servia de abrigo aos ladrões capitaneados por Dimas.
Capa do folheto, com autoria atribuída erroneamente
a João Martins de Athayde
Para o lado aonde estavam
Apareceu de momento
Um venerável ancião
Com um manto pardacento
Vencendo a temeridade
De chuva, trovão e vento.
Sustentava o velho as rédeas
De uma cavalgadura
Na qual vinha uma mulher
Moça, de boa estatura,
E uma criança nos braços
Cheia de graça e candura.
Pelas feições parecia
Que vinha muito chorosa
Além dos grandes tormentos
Dessa noite tenebrosa,
Dimas gritou: - Para ou morre!
Com uma voz horrorosa.
Era a Família Sagrada
A quem Dimas diriga
Aquelas duras palavras
Com tão grande tirania
Ameaçando matar
Jesus, José e Maria.
(...)
São José disse ao primeiro
Inquirindo os outros mais:
- Que mal vos fez essa pobre
Que vós outros ameaçais?
Por vida dela e do filho
Suspendei vossos punhais!
- Tens muita razão, meu velho
(respondeu uma voz forte)
Qualquer um que te ofender
Tem que pagar com a morte
Não tem esse nem aquele
É o que tocar de sorte!
Era Dimas, certamente,
Que tais palavras dizia
- Desculpe eu ter vos falado
Com tão grande tirania
Essas vossas barbas brancas
Vos dão toda garantia.
(...)
Agora é bom que demore
Disse Dimas novamente
Vamos até meu castelo
Até que o tempo esquente
2 ou 3 dias, que queiram
Não é um dia somente.
O bom oferecimento
Os viajantes aceitaram
Seguiam juntos com Dimas
E os mais os acompanharam
Como o castelo era perto
Em pouco tempo chegaram.
(...)
A virgem deu-lhe o menino
Alvo de olhos azuis
Dimas o beijou nas faces
Sem saber que era Jesus
Sentiu uma comoção
Fruto da Divina Luz.
(...)
Dimas fitou o menino
Continuou sempre olhando
Na mesma esplanada estavam
Umas ovelhas pastando
Dimas pegou o menino
E disse assim, gracejando:
- Estás vendo essas ovelhas?
Aquele rebanho é meu
E aquele cordeiro branco
Eu te ofereço, é teu,
Em memória da hospedagem
Que o salteador te deu.
Nisso o menino sorriu
Como quem compreendia
As palavras que o ladrão
Tão comovido dizia
E acariciou-lhe as barbas
Em sinal que agradecia.
A história é comovente, apesar da linguagem singela utilizada por Chagas Batista. O desfecho, como todos já devem imaginar, dá-se no Gólgota, quando Jesus foi crucificado entre dois ladrões, Dimas e Gestas.
Trinta e tres anos depois
Jesus foi crucificado
Justamente o Bom Ladrão
Foi preso e sentenciado
Para morrer com Jesus
Já estava profetizado.
(...)
Minutos depois Jesus
Por nós na cruz faleceu
Dimas do lado direito
Dessa vez também morreu
Dimas morreu e salvou-se
Gestas foi quem se perdeu.
BIOGRAFIA DE CHAGAS BATISTA
BIOGRAFIA
Por José Fernando Souza e Silva
Francisco das Chagas Batista (nasceu na Vila do Teixeira, PB, em 05/05/1882 e faleceu na capital do Estado da Paraíba em 26/01/1930). Em 1900, vendia água e lenha e estudava, em Campina Grande; seu primeiro folheto, Saudades do sertão, é de 1902; em 1905 vendeu folhetos no Recife, e em Olinda passou pouco tempo no seminário; depois, trabalhou na ferrovia de Alagoa Grande.
Em 1907, pioneiramente, versejou o romance Quo vadis, de Henryk Sienkiewicz; em 1909, residiu em Guarabira, onde trabalhou com o irmão, o editor Pedro Batista e casou com a prima Hugolina Nunes - tiveram 11 filhos, dentre eles os poetas populares Paulo, Pedro, Maria das Neves e o folclorista Sebastião Nunes Batista, que produziu obras referenciais do cordel).
Em 1911, vivia na capital da Paraíba e negociava com livros; em 1913 fundou a Livraria Popular Editora, editando paródias, modinhas, novelas, contos, poesia, e se firmou como um dos intelectuais da época. Em 1929 publica o livro Cantadores e poetas populares, imprescindível para a pesquisa em literatura popular em verso por conter as mais antigas e confiáveis informações sobre esta forma poética. Ele foi dos primeiros editores de cordel e imprimiu produções de muitos poetas populares da época, exceto de João Martins de Ataíde.
Conquanto se o tenha como dos maiores autores do cordel, o estágio atual da pesquisa não permite precisar quantos folhetos produziu. Ruth Terra identificou em coleções 45 inquestionavelmente escritos por ele, dentre os quais 19 sobre a nascente gesta do cangaço e clássicos que criou ao dar forma poética à História da Imperatriz Porcina, de Balthazar Dias, Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães e História de Esmeraldina, baseada em novela do Decameron, de Boccaccio.
Referências bibliográficas
▪ BATISTA, Sebastião Nunes. Francisco das Chagas Batista: notícia bibliográfica. Rio: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1977. 280p.
▪ _______. PIMENTEL, Altimar. Francisco das Chagas Batista e a tradição poética do Teixeira, in Estudos em literatura popular. João Pessoa: Universidade Federal de Pernambuco, 2004, 663p. p. 71-104.
▪ _______. TERRA, Ruth. Memória de lutas: literatura de folhetos do Nordeste. S.Paulo: Global, 1983. 190 p.
O poeta e pesquisador baiano Marco Haurélio, nos enviou esta interessante revelação a respeito da verdadeira autoria deste poema:
ResponderExcluir"Egídio Oliveira Lima, em Folhetos de Cordel, no entanto, atribui a José Galdino da Silva Duda a autoria deste clássico. este autor afirma ter ouvido o próprio Zé Duda cantando o romance. Vale dizer que, em estilo, ele se aproxima mais de Bernardo e D. Genevra e de Os Martírios de Genoveva do que de qualquer trabalho de Chagas Batista.
preparei pela Luzeiro uma edição, mas só vi a referência de E. O. Lima depois. Hoje estou propenso a afirmar, sem chegar a uma conclusão, tratar-se mesmo de obra de Zé Duda."
Marco Haurélio